MÚSICA

Por Renan Simões

 

O preconceito contra manifestações artísticas da periferia é algo comum na fala de muitos que se apresentam e/ou se veem como “civilizados culturalmente”. Estes nem suspeitam que são, geralmente, mais escravos de um mercado midiático do que muitos que produzem e consomem a arte periférica. O gênero mais diretamente atacado é o funk carioca: o chavão “funk não é música” é bastante replicado na sociedade.

Boladona, lançado em 2004 por Tati Quebra Barraco, é o melhor álbum do funk carioca, e um dos melhores da música brasileira. Tati compôs todas as dezoito músicas (quatro em parceria), que foram produzidas por DJ Marlboro. O conteúdo musical é sempre muito caótico e rítmico, com elementos que dialogam profusamente entre si, em choques constantes de timbre e tonalidade, porém em perfeita harmonia e com fluxo admirável. Cabe ressaltar que o cunho altamente sexual das letras não condiz com minha visão de mundo, e provavelmente é isso que assusta as pessoas em relação ao funk: a música é irresistível, embora as letras não os representem. Entretanto, o tom da crítica parece ser diferente em relação às letras altamente sexuais de artistas brancos, europeus ou estadunidenses, que são consolidados, não é mesmo?

A impressionante rítmica e produção da faixa-título faz com que a artista brilhe acima de tudo e de todos: daqui em diante, só existe Tati Quebra Barraco em seu universo particular. Montagem do cartão magnético é exagerada no autotune e traz deliciosas cordas e batidas. Seguem algumas apoteoses do funk carioca: as grandiosas Kabo kaki e Montagem Guerreira; a bitonal Sou feia mas tô na moda; e a reflexiva e erótica Montagem cardápio do amor. A sacanagem fica pesada na jogada-na-cara das faixas Satisfação e Se marcar, nos trocadilhos irreverentes de Matemática e Dako é bom, e nas exposições didáticas sobre o ato sexual em Montagem ardendo assopra. Demole meu barraco traz uma melodia que poderia ter sido feita pelo Nine Inch Nails, enquanto Kraftwerk assombra Yuri Juventude, cantada pelo filho de Tati. O Bonde do Tigrão faz uma boa participação em Orgia, mas as duas últimas faixas, com MC Fornalha e MC Serginho, poderiam ter ficado de fora do álbum.

Tati Quebra Barraco, Boladona, o suprassumo do funk carioca! Ouça, desfrute, reflita, repasse: