Amílcar Cabral: O verdadeiro pai da independência de Guiné-Bissau e de Cabo-Verde

Amílcar Cabral (1924-1973) foi um agrónomo de Guiné-Bissau que se tornou no carismático combatente pela liberdade e pela independência das colónias portuguesas de Guiné-Bissau e Cabo-Verde à frente do partido PAIGC, que em Janeiro de 1963 iniciou uma luta armada contra a ocupação das tropas portuguesas. Tornou-se também conhecido como poeta e teórico da descolonização. Como „o Frantz Fanon de Portugal“, defendeu o Não-Alinhamento dos países e como líder africano gozou de grande popularidade ao nível internacional. Foi membro da Internacional Socialista e amigo de vários socialistas europeus como Olof Palme ou François Mitterrand.

Nasceu a 12 de Setembro de 1924 na Guiné-Bissau e morreu assassinado a 20 de Janeiro de 1973 na Guiné-Conacri como resultado de uma tentativa fracassada de golpe no interior do próprio PAIGC, presume-se que numa ação que tenha tido ligações à polícia política portuguesa da PIDE. Mesmo assim, a luta pela independência já estava numa fase tão adiantada que a Guiné-Bissau, ainda no mesmo ano e apenas uns meses mais tarde (a 24 de Setembro de 1973), declarou unilateralmente a independência de Portugal (Cabo-Verde só se tornou independente em 1975)!  Luís de Almeida Cabral, meio-irmão de Amílcar Cabral, foi então nomeado o primeiro presidente do novo país.

“Se porventura em Portugal houvesse um regime que estivesse disposto a construir não só o futuro e o bem-estar do povo de Portugal mas também o nosso, mas em pé de absoluta igualdade, quer dizer que o Presidente da República pudesse ser de Cabo-Verde, da Guiné, como de Portugal, etc., que todas as funções estatais, administrativas, etc. fossem igualmente possíveis para toda a gente, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência, porque todos já seriam independentes, num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista da História. Mas infelizmente, como sabem, a coisa não  é essa: o colonialismo português explorou o nosso povo da maneira mais bárbara e mais criminosa e quando reclamamos um direito de ser gente, nós mesmos, de sermos homens, parte da humanidade.”
(Amílcar Cabral, Fonte: Wikipedia)


O coronel CARLOS MATOS GOMES, um dos capitães da Revolução dos Cravos que trouxe a liberdade e a democracia para Portugal em 1974, escreveu no passado mês de Dezembro o seguinte sobre Amílcar Cabral:

No dia 10 de Dezembro de 2022, no âmbito de uma visita a Cabo Verde para participar na cerimónia de doutoramento Honoris Causa a título póstumo de Amílcar Cabral, o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou com o colar da Ordem da Liberdade o fundador do PAIGC, o partido independentista da Guiné e Cabo Verde.

Apenas por curiosidade, à data da morte e durante toda a sua vida, Amílcar Cabral foi oficialmente cidadão da República Portuguesa! (Nota da redação: Guiné-Bissau e Cabo-Verde eram ainda colónias portuguesas à data do assassinato de Amílcar Cabral, só se tendo tornado independentes alguns meses depois). Mais, foi um cidadão da luta pela dignidade de todos os povos do mundo, em particular dos que estiveram sujeitos ao domínio do colonialismo. No pós-Segunda Guerra Mundial, como resultado da nova ordem internacional, da perda de centralidade da Europa, da emergência de novos valores entre os povos do mundo, impôs-se o Movimento Descolonizador como novo paradigma e o colonialismo foi considerado pela Assembleia Geral das Nações Unidas um crime contra a humanidade!

Amílcar Cabral lutou como um dos líderes mais respeitados do Movimento descolonizador contra esse crime, foi um defensor dos direitos dos povos e dos homens, um combatente pelos novos valores, um símbolo do reconhecimento da igual dignidade de todos os seres humanos e é e foi enquanto mobilizador de princípios essenciais, um património valioso de toda a Humanidade, e não só da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Cabral bateu-se pela liberdade dos seus povos, mas também pelos de todo o mundo, porque a sua visão era universal, embora se inscrevesse numa corrente minoritária de pensamento e de ação entre os nacionalistas do seu tempo. Cabral abriu novas perspetivas na abordagem da liberdade pós-colonial, com amplas repercussões. Amílcar Cabral, tal como o angolano Mário Pinto de Andrade, defenderam, em distonia com o pensamento dominante dos líderes africanos, uma perspetiva universal do Homem, considerando que todos os povos tinham história e cultura, o que ia contra uma doutrina longamente dominante da ausência de história dos africanos antes do seu contacto com os europeus, que justificou a escravatura, por exemplo, o trabalho forçado, a recusa de encontrar entre eles uma cultura respeitável, o que conduziu à justificação do domínio colonial como uma ação “civilizadora”. Amílcar Cabral foi classificado pela comunidade de historiadores ingleses e pela BBC (BBC World Histories Magazine) em segundo lugar numa lista dos líderes notáveis que exerceram o poder e tiveram um impacto positivo na humanidade, a seguir a Ghandi!

Tendo sido a guerra colonial que Portugal travou desde 1961 em África a causa primeira que conduziu ao 25 de Abril de 1974 e ao derrube do regime de ditadura e de colonialismo, tendo sido a questão colonial o pilar onde assentou a política do Estado Novo e a estrutura que sustentou o regime construído por Salazar à sua imagem a partir da aprovação da Constituição de 1933, do Ato Colonial e da Concordata com a Santa Sé, sendo Amílcar Cabral um dos mais consequentes lutadores anticoloniais ele é, por consequência, também um lutador de maior relevo pela instauração da liberdade política e cívica e contra o regime de ditadura em Portugal.

(extrato do artigo original que se pode ler em: https://cmatosgomes46.medium.com/amílcar-cabral-e-a-ordem-da-liberdade-a-visão-do-futuro-de-marcelo-rebelo-de-sousa-5c343a8a9186)