Novo livro de Carlos Fino, 2021. Leitura crítica feita por Vasco Esteves (*)

Sobre o livro “Portugal-Brasil: Raízes do Estranhamento”:
“A relação entre Portugal e o Brasil tem sido descrita como uma experiência de ambiguidades geradora de estranhamento. Se, por um lado, se reconhece existir proximidade histórica, por outro é notório que o vínculo entre os dois países é muito menos intenso do que faria supor a partilha de uma mesma língua e de um passado de três séculos de convívio sob governo comum.  Em nenhum outro lugar da sua aventura pelo mundo os portugueses se enraizaram tão profundamente como no Brasil. Apesar disso, há já dois séculos, o desfasamento dos respetivos discursos culturais – ambos marcados pelo ressentimento – não podia ser maior: o Brasil sempre procurando obliterar a memória da sua inegável raiz lusitana, e Portugal numa perene nostalgia imperial, repetindo sem cessar os lugares-comuns dos “laços de sangue” que os brasileiros simplesmente recusam ou não querem recordar.”
(texto da contracapa do livro)

Organização do livro: O livro de Carlos Fino está organizado de forma cronológica, e pode orgulhar-se de apresentar cerca de 600 fontes bibliográficas! Foi publicado em 2021, como um produto da tese de doutoramento do seu autor. O aparecimento do livro foi motivado pelas comemorações dos 200 anos da independência do Brasil que se vieram a celebrar pouco depois, em 2022. Em termos de conteúdo, o livro inspira-se sobretudo em teses do Prof. Eduardo Lourenço que o autor desenvolveu, enriqueceu e atualizou.

Quais os pontos fortes do livro na minha opinião:
– Muito rico em fontes bibliográficas;
– Contém também muitos dados sobre a história do Brasil;
– Revela um bom conhecimento doutros estudos sobre a mesma problemática feitos até agora;
– É um livro compreensível e fácil de ler.

Quais os pontos fracos do livro na minha opinião:
– Nele predomina sempre uma visão “lusa” dos acontecimentos;
– Predomina no mesmo também uma visão “de dentro” dos acontecimentos. Seria interessante aprofundar as comparações com outros casos semelhantes de descolonização no continente americano (por exemplo da Espanha/América Latina, ou da Inglaterra/EUA);
– Contém poucos dados sobre a história dos escravos e dos indígenas no Brasil;
– Contém também poucos dados sobre a história e a evolução das relações entre o Brasil e Portugal no último século (século XX);
– Revela igualmente pouca profundidade analítica, baseando-se sobretudo no uso de muitas citações, frequentemente semelhantes entre si (repetições).

Carlos Fino (Fonte: Senado Federal do Brasil)

Sobre o autor do livro: Carlos Fino

  • 1948: Nasceu no Alto-Alentejo (Portugal). Estudou direito e foi dirigente estudantil, tendo sido perseguido pela PIDE, polícia política do fascismo.
  • 1971: Fugiu para Paris, tendo seguido depois para Bruxelas aonde obteve o título de refugiado das Nações Unidas. Foi a seguir para a União Soviética, onde trabalhou como locutor da Rádio Moscovo.
  • 1974: A seguir à Revolução dos Cravos, regressa a Portugal e colabora com vários jornais e a Emissora Nacional (EN), tendo depois sido correspondente internacional da EN e da Radio Televisão Portuguesa (RTP).
  • 1989-1995: Cobriu como jornalista o desmembramento da União Soviética nos países do Leste da Europa.
  • 1995-2004: Cobriu também como jornalista várias guerras no Médio Oriente, entre as quais a da invasão do Iraque em 2003 pelas tropas americanas, aonde foi o primeiro correspondente estrangeiro a fazer reportagens ao vivo para todo o mundo.
  • 2004-2012: foi Conselheiro de Imprensa na Embaixada de Portugal no Brasil no tempo do presidente Lula da Silva. Manteve-se no Brasil até 2022, tendo então regressado a Portugal.
  • 2013: Aposentou-se.
  • 2019: Doutorou-se em “Ciências de Comunicação” em Braga.
  • Recebeu inúmeros prémios e condecorações nacionais e internacionais como jornalista.
    Tem cerca de 35.000 “followers” no Facebook.

(mais informações sobre o autor em https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Fino)

 

EXEMPLOS DO ESTRANHAMENTO ENTRE PORTUGAL E O BRASIL

 Algumas opiniões de brasileiros sobre os portugueses:

  • A descoberta do Brasil foi um puro acaso, o Brasil é como um filho não pretendido”;
  • Portugal foi um pai tirano”;
  • Os portugueses são atrasados, burros por natureza, ignorantes, corruptos, uma raça inferior”;
  • Os portugueses foram sanguessugas dos brasileiros, avaros, não têm moral. Eles vieram para o Brasil só para roubar as nossas riquezas”;
  • Portugal mandou para o Brasil muitas pessoas degradadas”;
  • Essa é uma de português!”;
  • Todos os males do Brasil e o seu atraso económico veem de terem sido descobertos pelos portugueses. Teria sido melhor serem descobertos pelos ingleses ou pelos holandeses”;
  • A lusofonia é apenas um disfarce para intenções neocolonialistas”;
  • Os Imigrantes portugueses no Brasil são pobres, saloios, analfabetos, desajeitados”;
  • Muitos brasileiros procuram ignorar que foram descobertos pelos portugueses e que a sua língua vem de Portugal;
  • Muitas palavras portuguesas de Portugal mudaram de sentido no Brasil, aumentando a confusão, como por exemplo:
    – o pronome “você” de Portugal passou a ser o “tu” no Brasil…
    – o “ser legal” do Brasil não tem nada a ver com uma suposta validade jurídica em Portugal…
    – o “estar na bicha”, expressão antigamente muito usada em Portugal, está hoje em dia praticamente banida, mesmo em Portugal, para não confundir os brasileiros…

Algumas opiniões de portugueses sobre os brasileiros:

  • Portugal foi ao Brasil civilizar as populações locais, eles aprenderam tudo connosco”;
  • O Brasil é um filho ingrato”;
  • Os brasileiros são um povo simpático, exótico e sensual, mas primitivo. São macacos”;
  • No Brasil, dominam ainda as inteligências tropicalmente entusiastas e crédulas”;
  • Os Brasileiros não sabem escrever português, embora a sua pronúncia seja engraçada”;
  • A imigração para Portugal de tantos brasileiros nos últimos 20 anos, é sinal da superioridade dos portugueses”;
  • Atualmente, do Brasil vem a criminalidade e a prostituição”;
  • Portugal romantiza os descobrimentos (“o retórico chorinho da saudade”, o “Fado Tropical”, “você foi meu um dia”, etc.) e ignora ou subestima algumas das grandes diferenças entre os dois países (como um pai que não quer reconhecer que o filho já se emancipou há muito);
  • Há talvez mais xenofobia em Portugal contra os brasileiros imigrados do que ao contrário (tem a ver com as diferentes dimensões dos dois países e o medo de uma “invasão” em larga escala do Brasil para Portugal).

CURTA HISTÓRIA DO BRASIL

Para melhor compreendermos as razões histórias desse estranhamento mútuo, temos primeiro de dar uma vista rápida sobre a história do Brasil desde o seu descobrimento pelos portugueses até hoje:

  • 1494: O Tratado de Tordesilhas (apadrinhado pelo Vaticano) dividiu o mundo em duas metades, uma para a Espanha e outra para Portugal, evitando assim uma guerra entre os dois países.
  • 1500: Descoberta do Brasil pelo português Pedro Álvaro Cabral.
    Nessa altura, havia no Brasil 2 a 4 milhões de indígenas espalhados por 1.000 tribos diferentes e, em toda a região da Amazónia, viviam 8-10 milhões de pessoas (95% das quais, após algumas décadas, tinham morrido por causa das doenças contagiosas como a varíola e a tuberculose que os europeus trouxeram!).
  • 1500-1866: 4 a 5 milhões de escravos africanos foram levados pelos portugueses para o Brasil, antes der ter sido abolido o tráfego de escravos.
  • 1580-1640: Portugal esteve sob o controle/ocupação dos reis espanhóis, por isso o Tratado de Tordesilhas tornou-se temporariamente obsoleto, o que permitiu a Portugal expandir o território do Brasil para além da linha de demarcação inicialmente traçada, atingindo as atuais dimensões, sem ter encontrado oposição por parte dos espanhóis.
  • Muitas vezes foi usada a violência e a escravização de populações indígenas (através dos chamados “bandeirantes”) na ocupação do território brasileiro.
  • 1759: Os Jesuítas foram expulsos de Portugal pelo Marquês de Pombal, que os mandou para o Brasil, intensificando assim a evangelização dos povos indígenas. Os Jesuítas sentiam-se mais próximos dos indígenas do que dos escravos africanos, mas tratavam-nos paternalisticamente.
    O Marquês de Pombal introduziu também no Brasil a política de miscigenação entre homens brancos e mulheres índias por causa da falta de mulheres brancas naquela colónia.
  • 1600-1800: A “Corrida ao Ouro” trouxe muitos portugueses para o Brasil.
    Do fim século XVII até princípios século XIX, houve várias revoltas e guerras dentro do Brasil, a maioria delas por parte dos colonos locais (“a nobreza da terra”) contra medidas dos nobres vindos da Metrópole (“os reinóis”). Também houve guerras contra tentativas de invasão por parte dos franceses e dos holandeses.
  • 1807: Invasão de Portugal por tropas francesas (de Napoleão), trazendo ideias liberais.
  • 1808: Em consequência das invasões francesas, o Rei português D. João VI refugiou-se no Brasil, tornando mais tarde o Rio de Janeiro a nova capital do Império. Começo da liberalização do Brasil.
  • 1821: Introdução da liberdade de imprensa, quer em Portugal quer no Brasil.
  • 1822: Independência do Brasil sob o domínio de D. Pedro I (filho do rei D. João VI de Portugal), que já tinha nascido no Brasil e que assim se separou do pai. A independência do Brasil foi a forma de manter os privilégios em perigo das elites brasileiras, que se encontravam por assim dizer numa “guerra civil” contra as elites de Portugal.
    A escravidão e a monarquia, no entanto, mantiveram-se no Brasil! (nos EUA: quando se proclamou a independência, a escravidão também continuou, mas a monarquia foi substituída pela República).
    A primeira capital do Brasil independente foi no Rio de Janeiro. Proibida a “binacionalidade” dos portugueses no Brasil.
    Nessa altura, viviam já cerca de 1 milhão de portugueses no Brasil, aos quais se juntaram mais 2 milhões vindos entre 1822-1945, sobretudo no período de 1850-1900.
  • 1825: Portugal reconhece a Independência do Brasil.
  • 1831-1840: Entronizado no Brasil o filho de Pedro I, D. Pedro II, mais liberal do que o pai.
    Abolido o tráfego de escravos (mas a escravatura continuou).
  • 1870: o Brasil escolhe a opção americana. Portugal orienta-se mais pela França.
  • 1888: Abolição da escravatura no Brasil.
  • 1889: Proclamação da primeira República brasileira, reconhecida por Portugal em 1890.
  • Até 1900: “caça” aos portugueses que vivem no Brasil, com massacres em várias regiões.
  • 1930-1945 e 1951-1954: Getúlio Vargas eleito presidente do Brasil (ele deixou de comemorar a descoberta do Brasil por esta ter sido uma “Conquista”), tendo também surgido uma corrente esquerdista de intelectuais que tentou criar um novo nacionalismo brasileiro.
    Surgimento do peronismo na América do Sul.
  • 1964-1985: Ditadura militar no Brasil.
  • 1986: Portugal entra na União Europeia, refutando assim definitivamente uma opção “terceiro-mundista” (que teria sido possível após a Revolução de Abril 1974) e afastando-se ainda mais do Brasil.
  • A partir de finais dos anos 1990: aumento significativo de investimentos portugueses no Brasil, no entanto não acompanhada por correspondente presença mediática.
  • 2003-2011 (e de novo a partir de 2023): Lula da Silva como presidente do Brasil.
  • Desde os anos 1990: vinda de muitos imigrantes brasileiros para Portugal.
    Portugueses no Brasil e brasileiros em Portugal são atualmente uma espécie de “cidadãos adotivos” no “país irmão” …
  • 2022: O Brasil comemorou os seus 200 anos de independência (obtida após 300 anos de colonização).

Brasil declara a Independência (Foto do livro, Fonte: Wikimedia Commons)

PRINCIPAIS RAZÕES e ORIGENS DO AFASTAMENTO entre PORTUGAL e o BRASIL

  • A existência simultânea de muitas tensões entre os dois países no período colonial e à volta da independência:
    – Entre a “nobreza da terra” e os “reinóis”;
    – Entre os colonos, por um lado, e os escravos e os indígenas por outro;
    – Entre o Brasil e outros países colonialistas que não Portugal (como a França e a Bélgica) que o cobiçavam;
    – Entre diferentes regiões do Brasil que concorriam entre si;
    – Entre os interesses económicos do Brasil e de Portugal, cada vez mais divergentes.
  • Quando a Corte portuguesa se instalou no Brasil (porque decidiu fugir às invasões francesas), teve de dar ao Brasil uma liberdade e prosperidade que este ainda não conhecia até aí. Depois, quando teve de regressar a Portugal, quis inverter esse processo, criando grande indignação e revoltas na colónia, o que conduziu esta finalmente à independência.
    Além disso, nessa altura Portugal vivia uma situação caótica e estava enfraquecido por várias razões (as invasões francesas, os portos portugueses bloqueados por razões comerciais pelos ingleses, as revoltas liberais internas, o Reino de Portugal a transitar dum regime de monarquia absolutista para um de monarquia constitucional);
  • Inicialmente, não foram os brasileiros que mais lutaram pela sua independência, mas sim as elites portuguesas do Brasil que o libertaram da metrópole (através duma cisão dentro da Corte portuguesa, duma “independência incestuosa”, dum “parricídio” …).
    Essa libertação não foi acompanhada pela libertação nem dos indígenas nem dos escravos!
    Acresce a tal o fato de a miscigenação ter sido particularmente forte no Brasil por opção política, o que tornou o Brasil o verdadeiro “país irmão” de Portugal, designação essa que nunca se aplicou por exemplo às ex-colónias africanas!
    Os dois países estão assim cultural e emocionalmente demasiado próximos, havendo por isso uma necessidade muito forte de demarcação por parte do Brasil em relação a Portugal para poder construir a sua nova identidade.
    Além disso, os ressentimentos do Brasil contra Portugal são parcialmente transformados em esquecimento, permitindo assim ultrapassar mais facilmente problemas não resolvidos e evitar sofrimentos;
  • A independência do Brasil (em 1822) foi fortemente influenciada pelas revoluções haitiana (1791-1804), americana do Norte (independência em 1776) e francesa (1789), assim como pela liberdade de imprensa trazida pelas revoluções liberais na Europa e em Portugal (1820);
  • As dimensões do Brasil (com 20 vezes mais população e 90 vezes mais área que Portugal), a enorme diversidade cultural do Brasil e a sua grande distância em relação à Europa, assim como as diferentes integrações e prioridades geoestratégicas, minimizam a capacidade de Portugal poder exercer alguma influência sobre a sua ex-colónia. Além disso, geram um inegável sentimento de superioridade por parte do Brasil em relação a Portugal;
  • Atualmente, a religião predominante no Brasil é a evangélica, e não só nesse sentido a influência mais forte é a que vem dos EUA. Em Portugal, a religião predominante continua a ser a católica;
  • O Brasil sempre teve dificuldade em encontrar/definir a sua identidade própria, ainda não se reconciliou com as suas origens, sobretudo as indígenas e as africanas (basta vermos o que se tem passado nos últimos anos!), precisando também nesse aspeto de se “descolonizar”! (está atualmente numa situação semelhante à dos EUA).

 Campos em que as trocas entre Portugal e o Brasil decorrem sem grandes problemas:

  • As telenovelas brasileiras em Portugal.
    A SIC (canal de TV português) e a GLOBO (brasileiro) já produzem telenovelas em conjunto;
  • A música popular brasileira em Portugal.
    Será que o FADO português terá nascido no Brasil?
  • O jornal “O Público” e a “Folha de S. Paulo” têm uma parceria jornalística;
  • Turismo: em 2019, mais de 1 milhão de turistas brasileiros visitaram Portugal. Eles descobrem, assim, quanto de comum têm com os portugueses;
  • A comunidade portuguesa no Brasil cifra-se atualmente em 500.000-700.000 pessoas;
  • Existe um verdadeiro culto no Brasil por escritores portugueses como Fernando Pessoa, Saramago, Inês Pedrosa, Almeida Garrett, Eça de Queirós, etc.
    Luís Vaz de Camões, no entanto, é considerado um “colonialista” por causa do seu principal livro de poesia “Os Lusíadas”.
    O mercado brasileiro é muito interessante para os escritores portugueses, porque é muito maior;
  • Apesar de estarem em grande parte de “costas voltadas” um para o outro, os povos dos dois países têm um enorme substrato comum histórico e cultural que os faz sentir muito familiares uns com os outros! “Nunca esmorece o desejo de nos comunicarmos” …

 PROPOSTAS PARA O FUTURO

Algumas das propostas do autor Carlos Fino apresentadas no livro para combater esse estranhamento mútuo entre Portugal e o Brasil:

  • Tentar de novo lançar a Agência Noticiosa portuguesa LUSA no Brasil (a sua presença no Brasil foi-se abaixo quando Portugal foi acossado pela crise financeira em 2009).
  • Tentar de novo repor o canal de TV português RTPi no Brasil (retirado da TV cabo do Brasil em 2004!) ou até criar uma RTP-Brasil. Em contrapartida, a TV Globo, brasileira, já está bem implementada em Portugal por cabo.
  • Tentar chegar ao grande público brasileiro por satélite e internet.
  • Fomentar a cooperação entre universidades, jornalistas e média dos dois países.
  • Formar correspondentes profissionais, criar telejornais repartidos.
  • Fomentar trocas entre estudantes e estudos/estratégias a nível universitário.
  • Aceitarmos a coisas boas e as más do passado comum.

E estas são as minhas propostas para melhorarmos e potenciarmos as relações, não só entre Portugal e o Brasil, mas entre todos os países de língua portuguesa:

  • Aceitarmos as diferenças entre Portugal e as antigas colónias e vê-las, não como problemas, mas como um enriquecimento. O Brasil é resultado de uma verdadeira “família patchwork” de 3 continentes diferentes: com “pais” portugueses europeus, índios americanos e escravos africanos!
  • Portugal tem de aceitar que é muito mais pequeno do que o Brasil (e também mais pequeno do que Angola e Moçambique), portanto é natural que a “osmose” entre os dois países seja bastante mais forte num sentido do que no outro.
  • Procurar construir uma boa base mínima comum:
    – Continuar a trabalhar como até agora na permanente atualização da reforma ortográfica do português. É importante manter e consolidar o português como uma das línguas mais faladas e – depois do inglês – talvez a língua mais espalhada por todos os continentes do mundo.
    Criar organizações e projetos não unilaterais, mas sempre em parcerias (permanentes ou temporárias) com outros países de língua portuguesa.
  • Usar a já existente CPLP (Comunidade dos Países de Língua oficial Portuguesa, portanto dos países que foram colónias de Portugal um dia) para criar por exemplo:
    – Uma Agência Noticiosa transnacional em língua portuguesa com nome próprio;
    – Um Canal de TV transnacional em língua portuguesa (como o da ARTE ou a EURONEWS na Europa);
    – Programas regulares de TV para discutir temas transversais a todos os países de língua portuguesa;
    – Um Programa de formação e de trocas académicas (como a ERASMUS na Europa);
    – Programas de investigação e de cultura multinacionais.
  • Através do Brasil, dar a todos os países de língua portuguesa a possibilidade de estabelecerem relações e trocas com os países da BRICS – portanto, tornar também Portugal mais “terceiro-mundista”!
  • Problemas e estranhamentos só existem quando as relações entre os diferentes países não são igualitárias. Por isso, mas tarde ou mais cedo, vão ser precisos programas de descolonização, quer em Portugal quer nas ex-colónias.
    “Só é possível a descolonização se ela for ao mesmo tempo uma descolonização dos colonizadores e dos colonizados!”

Escravos produzem Caldo de Cana de Açúcar
(Foto do livro, Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br/obra61279)

DESCOLONIZAÇÃO É PRECISA

Boaventura de Sousa Santos, professor de Direito e Sociologia em Coimbra (Portugal) escreveu, a propósito dos 200 anos da independência do Brasil comemorados este ano, o seguinte texto sobre as tarefas necessárias a uma verdadeira descolonização quer em Portugal quer no próprio Brasil:

“Nas colónias como foi o Brasil, descolonizar implica três tipos de tarefas a ser assumidas por três grupos sociais:
– os brasileiros descendentes dos portugueses e de outros europeus (colonialismo interno);
– os portugueses descendentes dos colonizadores históricos;– e os brasileiros colonizados (indígenas e descendentes de escravos).
(…)
Entre as tarefas do primeiro tipo:
– luta contra o racismo e o privilégio da branquitude;
fim da expropriação de terras de indígenas;
– reforma agrária e trabalho com direitos;
– luta contra o sexismo enquanto degradação ontológica gêmea do racismo;
– descolonização da educação;
– respeito e promoção da diversidade cultural e da interculturalidade.

Entre as tarefas do segundo tipo:
– luta contra o racismo e o sexismo de que são vítimas imigrantes brasileiros;
fim do neocolonialismo de governantes e intelectuais portugueses sob o pretexto da farsa dos países irmãos para quem o colonialismo nunca existiu;
– descolonização da história do colonialismo e da educação;
– luta contra o neocolonialismo da União Europeia.

Entre as tarefas do terceiro tipo:
– passar da condição de vítima à de resistente, e da condição de resistente à condição de protagonista da sua história, da diversidade social e cultural e de relações interculturais, libertas do preconceito colonialista;
– desenvolvimento da autoestima por via da descolonização da educação. “

Fonte: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/brasil-e-possivel-descolonizar-a-independencia/

 


Como encomendar o livro:

Autor: Carlos Fino.
Publicado em 2021 na Lisbon International Press, cerca de 500 páginas, das quais 40 de bibliografia. Custo da versão digital 5€, e da versão em papel 24€. Encomendas possíveis através de:
https://www.livrariaatlantico.com/lisbon-press/

(*) Este artigo baseia-se numa conferência que o autor deu sobre o mesmo tema num Colóquio da DASP („Sociedade Alemã de Amizade com os Estados africanos de língua portuguesa”) realizado de 30/11-1/12/2022 na Embaixada do Brasil em Berlim (Alemanha).