Mais de 6 em cada 10 domicílios sustentados por mulheres apresentavam em algum nível Insegurança Alimentar (IA) em 2021/2022, dos quais, 18,8% em situação de fome. Esses dados estão no Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Da mesma forma, entre as famílias cujos responsáveis se identificaram como pretos ou pardos foi registrado algum grau de IA, enquanto que entre famílias brancas  a garantia de alimentação  incidia sobre mais de 50%.

Esses e outros dados foram elaborados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), com o objetivo de chamar a sociedade brasileira ao debate fundamentado por dados cientificamente embasados da realidade do nosso país.

De acordo com o documento, em 2014, dois anos após o Brasil ter saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), a Ação da Cidadania já chamava atenção para o retorno do país a essa tragédia. Três anos mais tarde (2017) foi retomada a campanha Natal sem Fome e, a partir de então, voltou-se a focar no combate a esse flagelo.

De acordo com a definição da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Insegurança Alimentar é a falta de acesso físico, econômico e social a alimentos de modo a satisfazer as nossas necessidades. Pode ser considerada  crônica ou temporária, e está dividida em três níveis – leve, moderado ou grave.

Composto por 112 páginas – com tabelas, gráficos e infográficos –, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar é um documento representativo da população brasileira que abarca as 5 macrorregiões do país, nas áreas rurais e urbanas, e as 27 Unidades da Federação. A amostra se fez a partir de 12.745 domicílios, com entrevistas presenciais a pessoas adultas, realizadas entre novembro de 2021 e abril de 2022.

O documento registra o cenário de pobreza e suas consequências, demonstrando que 36,8% das famílias entrevistadas tinham renda per capita média de até meio salário mínino, o equivalente a 600 reais. A condição alimentar das pessoas que residiam em áreas rurais foi a pior, ou seja, a insegurança alimentar atingia a mais de 60% desses  domicílios, de acordo com o estudo.

Conforme o documento, “o segmento da agricultura familiar foi especialmente afetado pelo desmonte das políticas públicas voltadas para o pequeno produtor do campo”. Ainda de acordo com o Inquérito, as formas mais severas de insegurança alimentar (moderada ou grave) estavam presentes em um percentual de 38% dos domicílios de agricultoras/agricultores e produtoras/produtores rurais.

As situações mais alarmantes se verificaram nas regiões Norte e Nordeste, onde a insegurança em suas formas mais agudas foram detectadas em 54,6% e 43,6% dos domicílios, respectivamente. Nessas regiões, o acesso pleno à alimentação se dava apenas em 20,1% das famílias. Em contrapartida, o Sul e o Sudeste apresentaram menor intensidade de escassez.

Negros e mulheres

Confirmando a tendência de tantos outros indicadores sociais, as desigualdades de gênero e raça também se fizeram presentes neste estudo. Nos domicílios mantidos por homens, a segurança alimentar se fez presente em 47,9%, contra 37% nos domicílios chefiados por mulheres. Isto é, mais de 6 em cada 10 famílias mantidas por mulheres apresentaram algum nível de insegurança alimentar.  No tocante à raça, no início de 2022 a insegurança alimentar foi maior nos domicílios chefiados por pessoas identificadas como pretas/pardas.

De acordo com o Inquérito, as rendas irrisórias, assim como as deficiências habitacionais, o desemprego, a falta de acesso à educação, entre outros fatores estruturais estão diretamente relacionados à insegurança alimentar. “A tempestade perfeita, formada pelo agravamento da fome e da pobreza, está conduzindo a sociedade brasileira para uma involução social, para a qual contribui o enfraquecimento das estruturas econômicas, cujas competências tecnológicas se retraem”, enfatiza o documento.

Assim, necessário se faz compreender que a reversão dessa situação somente se dará quando as cidadãs e os cidadãos deste país nos conscientizemos da necessidade de eliminar esse desprezo pelos direitos humanos que vem sendo praticado historicamente no Brasil, o qual tem infringido inúmeras carências a uma parte considerável da população, o que, sem dúvida, tem sido potencializado nos últimos 4 anos.

Para conhecer todos os dados, na íntegra, basta acessar aqui: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf