Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philipps são mais uma demonstração de que o Estado brasileiro vem trilhando por um caminho sombrio. Demonstram, também, que um país governado por alguém que não se cansa de apregoar violência, ou de desdenhar da desgraça alheia tende a submergir nas profundezas da indiferença em relação os direitos humanos. Infelizmente, o Brasil tem optado por esse caminho e precisamos, urgentemente, fazê-lo mudar de rumo.

Os números dos homicídios que fazem tantas mães de jovens negros chorarem de dor, todos os dias, nos quatro cantos do Brasil, seriam mais que suficientes para que nós, enquanto cidadãs e cidadãos deste país exigíssemos do Estado uma inegociável transformação na sua política de segurança pública e, sobretudo, políticas estruturais de garantia dos direitos humanos, visivelmente vilipendiados diariamente. O mesmo podemos afirmar quando nos referimos à indiferença desse mesmo Estado em relação às problemáticas que afligem às populações indígenas, principalmente a falta de garantia do seu direito à terra, que é análogo ao direito à vida.

Essas são apenas duas das muitas questões que deveriam estar na ordem do dia das preocupações de cada uma e cada um de nós que vivemos neste país, porque não podemos admitir que o Estado, a quem cabe assegurar todas as formas de proteção à vida de sua população, esteja fazendo justamente o contrário, por ação ou mesmo por omissão, como vem ocorrendo historicamente, e intensificado nos últimos anos.

Influência/responsabilidade

Nenhum governo até antão na história da república brasileira se propôs, seriamente, a afrontar com políticas verdadeiramente consistentes as questões referente às violações de direitos humanos neste país. Nem mesmo os governos petistas, considerados “progressistas”. Estes se limitaram a implementar ações paliativas, as quais nem sempre surtiram os efeitos desejados.

Mas, o que realmente impressiona, é que o governo em curso não apenas deixa de aplicar políticas com o intuito de solucionar/minimizar essas violações, como, pelo contrário, desdenha das mazelas e, não raras vezes, culpabiliza as vítimas, como fez o presidente da República no último dia 15, quando afirmou que Dom Phillip e Bruno Pereira estavam realizando uma “aventura não recomendada”, e que o britânico era “malvisto” devido a reportagens que realizada.

Esse governante, que diante do desespero de duas famílias que não sabiam o que havia ocorrido com seus seres queridos não teve o menor pudor em proferir semelhantes afirmações, é o mesmo que quis impedir o isolamento social durante o auge da pandemia da Covid-19; o mesmo que fez de tudo para impedir que fosse aprovado pelo Congresso Nacional um subsídio às famílias carente nesse período; o mesmo (pasmem) que, em meio a tantas mortes devido ao coronavírus, achou “engraçado” encenar uma pessoa morrendo com falta de ar; o mesmo que minimiza o fato de mais de 600 mil (e podem ter sido muitas mais) vidas terem sido tiradas em consequência da sua inoperância.

Infelizmente, as aberrações não param por aí. Esse presidente desfila em motocicleta e em jet ski enquanto milhares de pessoas passam fome no país; é o mesmo que pergunta à classe trabalhadora se “prefere direitos ou emprego”; o mesmo que afirmou que “se Jesus Cristo vivesse em nosso tempo compraria uma pistola”. Mas o mais impressionante disso tudo é que, ainda assim, essa pessoa esteja sendo considerada para uma reeleição, com mais de 30% das intenções de votos, segundo as últimas pesquisas recentemente publicadas.

Dom e Bruno foram assassinados por dois pescadores. É verdade. Eles confessaram. Há uma série de especulações de que foram mandados. Mas é preciso que paremos para pensar no grau de influência/responsabilidade de um governante que a todo momento faz apologia à violência, e que destruiu inúmeras políticas públicas que visavam salvaguardar os interesses dos indígenas e dos pescadores (embora saibamos que eram paliativas) pode ter nesse horroroso fato… Porque, para esse governo, é crucial que o Estado esteja apartado daquele território chamado Amazônia, onde imperam o garimpo, a pesca ilegal, o desmatamento, e, inclusive, segundo alguns especialistas, o tráfico de entorpecentes.

Não nos esqueçamos

Além disso, é preciso que pensemos sobre o grau de omissão do atual governo em relação aos perigos existentes naqela zona específica, o Vale do Javari, que Bruno Pereira relatou à Polícia Federal pouco antes de ser assassinado, sem que esta tenha tomado as devidas providências, alegando não possuir os equipamentos necessários para a realização de diligências no local. A pegunta que não quer calar é: e por que as Forças Armadas não assumiram o controlepara a impedir que a violência se instalasse e culminasse nos assassinatos daqueles dois homens?

Ora, as nossas Forças Armadas estão preocupadas com as urnas eletrônicas, com a “lisura” do processo eleitoral, quando não é da sua competência imiscuir-se nessa questão.  Estão preocupadas em mater seus cargos na administração pública federal: em agosto de 2021 um estudo mostrou que os militares ocupavam 70 órgãos, com mais de 15% do total de cargos; em abril desse mesmo ano, o presidente da República publicou Portaria que permitiu que generais recebessem até 350 mil reais a mais em um único ano. Portanto, as preocupações de nossas Forças Armadas são outras, muito diferentes de estabelecer o controle do território amazônico para impedir que as terras indígenas sejam invadidas, ou que haja o desmatamento…

Como vemos, o Brasil enveredou pelos caminhos equivocados. A paz, a harmonia e a vida não fazem parte das aspirações desse governo que se estabeleceu desde 2018. E isso tem favorecido o recrudescimento dos mais variados tipos de violência, inclusive aquelas perpetradas pelo próprio Estado.

Bruno e Dom não foram os primeiros que morrerem lutando pelos direitos humanos das populações indígenas amazônicas e pelo meio ambiente. Lembremo-nos de Chico Mendes e Doroty Stang, dois casos que também tiveram repercussões internaciomais, mas que, infelizmente, não serviram como motivação para o Estado brasileiro aplicar políticas estruturais visando a paz, a preservação ambiental e a conservação da vida humana naquele território.

Mas não nos esqueçamos de Genivaldo de Jesus Santos, asfixiado pela Polícia Rodoviária Federal; Möise Kabagambe, espancado até a morte por um mau patrão que não queria lhe pagar o que devia; Durval Teófilo Filho, assassinado pelo vizinho militar que o “confundiu com um bandido”; Marielle Franco, assassinada em uma emboscada, porque escancarava o desmandos ocorridos no Rio de Janeiro tomado por milicianos; as chacinas da Candelária, do Cabula… Infelizmente, a lista é enorme!

Pararemos com Bruno e Dom ou deixaremos as coisas no curso em que estão e continuaremos fingindo que estamos em um Estado democrático de direito?