Todas as línguas que as Primeiras Nações americanas nos legaram estão sob ameaça, umas mais que outras. Na América espanhola, a esmagadora hegemonia do espanhol e a visão teórica monista e homogeneizadora dos Estados e suas políticas têm sido uma influência, ao longo da história, contrária ao uso, à conservação e ao desenvolvimento das línguas ameríndias. A partir dessa visão, atribuiu-se à escola um papel civilizador e espanholizante do qual ela ainda não consegue despojar-se. Hoje as ameaças se multiplicam no contexto de dispositivos e de políticas econômicas, sociais, culturais e, inclusive, militares, contrárias aos interesses dos povos indígenas.

Ainda que no âmbito global haja maior consciência sobre os direitos coletivos e individuais desses povos e sobre a diversidade étnica, cultural e linguística em geral, na América Latina persistem ideologias e visões contrárias à heterogeneidade cultural e linguística que caracteriza o continente. O eurocentrismo, a discriminação e o racismo reinantes repercutem de maneira negativa na atitude dos falantes de espanhol, que não demonstram receptividade suficiente e motivação diante da diversidade idiomática e da aprendizagem das línguas originárias da América.

A verdade é que a sobrevivência das línguas indígenas não depende apenas das famílias e das sociedades indígenas, mas de todos os habitantes da região: crianças, adolescentes, jovens e adultos. Dada a colonialidade do poder, do saber, do ser e do falar vigentes, as ideologias e as atitudes dos hispanoparlantes a respeito das línguas indígenas e, sobretudo, das mulheres e dos homens indígenas repercutem na situação das línguas originárias e até mesmo no que ocorre com elas dentro das famílias e das comunidades indígenas. Se os setores hegemônicos modificarem seus pontos de vista contrários aos povos indígenas, suas culturas e suas línguas, essa transformação terá um impacto nas decisões que as famílias e as comunidades tomem sobre as línguas das pessoas mais velhas. Em outras palavras, quanto menor o racismo e a discriminação, maiores serão as oportunidades de recuperação e de revitalização das línguas indígenas no âmbito comunitário.

Construir possibilidades democráticas e abrir janelas de oportunidade para o uso e a sustentação das línguas indígenas requer múltiplas ações a partir de espaços igualmente diversos.

Ao Estado e às suas instituições cabe fazer todo esforço possível para se comunicar em línguas indígenas e não somente em castelhano; por isso é necessário que haja      funcionários que falem as línguas das localidades onde trabalham e também de intérpretes, tradutores e mediadores culturais indígenas. Do mesmo modo é possível aproveitar os numerosos recursos tecnológicos existentes e, por exemplo, criar centrais telefônicas que atendam os moradores em suas línguas, e produzir aplicativos em línguas indígenas sobre diferentes temas e oferecer diversos serviços.

Nesse contexto, cabe aos sistemas educativos empreender ações para refutar o racismo e a discriminação vigentes, assim como motivar e seduzir os estudantes hispanoparlantes para que se interessem e aprendam uma língua indígena, e descubram e valorizem o patrimônio cultural indígena de seus países. Por esse motivo é urgente romper com a equação “línguas indígenas = passado” e passar a associá-las com a contemporaneidade e o futuro. Nessa jornada é necessário inovar e enriquecer os enfoques e as metodologias de aprendizagem de idiomas para que os hispanoparlantes aproveitem suas aulas de língua originária e gostem delas; utilizando vídeos, aplicativos, jogos e canções, entre outras estratégias para que isso aconteça.

Nesse sentido, os meios de comunicação estão destinados a desempenhar um papel fundamental na modificação das ideologias linguísticas dominantes que ameaçam o presente e o futuro das línguas indígenas. Será que não é possível planejar programas divertidos de rádio e de televisão que promovam a aprendizagem de línguas indígenas, e que levem ao uso e ao proveito destas línguas, ao mesmo tempo que revelem as vantagens sociais e cognitivas do bilinguismo?

É imprescindível que todas e todos os latino-americanos consigam despojar-se das ideologias que foram historicamente assumidas contra as sociedades indígenas, suas culturas e seus idiomas. Nesse caminho, seria incrível que nos aproximássemos com curiosidade e interesse do aprendizado de uma língua indígena. Todo idioma é uma janela que nos permite entrar em um mundo desconhecido e diferente. Aprender uma língua indígena também nos ajuda a descobrir como seus falantes pensam e sentem, bem como adquirir conhecimentos novos e variados, úteis para todas e todos. Dessa maneira, estarão mais próximas as possibilidades de uma convivência democrática entre as pessoas que são diferentes. 


Traduzido do espanhol por Graça Pinheiro / Revisado por Aline Arana