O planeta está se aquecendo como nunca visto, uma vez que as “temperaturas do solo” têm atingido recordes históricos tanto no Hemisfério Norte como no Hemisfério Sul, e um aumento da temperatura dos oceanos tem afetado as principais regiões de pesca no extremo norte do mundo, que se encontram ameaçadas de uma maneira sem precedentes.1

De acordo com a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (NOAA, na sigla em inglês), julho de 2021 foi o mês mais quente já registrado na história do mundo. O sistema de satélites da União Europeia (UE) também confirmou que os últimos sete anos foram os mais quentes já registrados.

O excesso de calor traz imprevistos de escala inimaginável: infraestruturas herdadas há décadas estão hoje em risco de mau funcionamento e/ou de colapso total. Ninguém esperava que tantos problemas fossem começar tão cedo. Ninguém previu um calor tão grande e recordes consecutivos de norte a sul batendo à nossa porta tão rapidamente. E todo esse impacto com uma temperatura apenas 1,2 °C acima da linha de base estimada para o aquecimento global.

Nesse contexto, e com profunda preocupação, o Conselho de Relações Exteriores dos EUA (fundado em 1921) declarou: “Mais de um quinto da população global agora vive em regiões que já experimentaram um aquecimento superior a 1,5 °C (2,7 °F), considerado um aumento que quase todas as nações concordam que deve ser evitado para que o risco de danos causados pelas mudanças climáticas diminua significativamente”. 2 

Além disso, conforme declarado pelo Conselho: “A exposição a uma temperatura constante de bulbo úmido de 35 °C (95 °F), que é um ponto de calor intenso acompanhado de umidade extrema (mais de 90%), foi identificada como o limite para a sobrevivência humana. Quando as condições de bulbo úmido se desenvolvem, o suor deixa de evaporar da pele da pessoa e o corpo não consegue se esfriar. Uma exposição de apenas algumas horas a esse tipo de calor já é suficiente para causar a morte. Algumas regiões, incluindo o Sudoeste da América do Norte, o Sul da Ásia e o Oriente Médio, já enfrentaram condições desse tipo ou bem próximas, e certas áreas sofrerão os efeitos de forma mais intensa do que outras. Uma projeção indica que, até 2030, apenas na Índia, esse tipo de onda de calor poderá afetar mais de duzentos milhões de pessoas”.

Um ponto importante, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), é que apenas 8% das 2,8 bilhões de pessoas que vivem nas partes mais quentes do mundo dispõem de ar-condicionado.

Além disso, o Conselho afirma: “A infraestrutura de hoje não foi construída para resistir a temperaturas crescentes”. Assim, o calor global está ultrapassando rapidamente as capacidades atuais de infraestrutura, passo que é um caminho garantido para um desastre em uma escala raramente, ou jamais, vista.

Com o tempo, o calor excessivo pode comprometer ou até destruir prédios e outras construções. O clima quente, quando atinge temperaturas muito elevadas, faz com que as linhas da rede elétrica cedam. Quando a água usada para resfriar as usinas fica muito quente, a produção de eletricidade diminui de forma significativa e as condições de seca reduzem os níveis de água impactando especialmente a eficácia de usinas hidrelétricas. Isso já é uma ameaça no Brasil, onde a energia hidráulica representa 62% da capacidade total de geração de energia elétrica no país.3

Nos EUA, a represa Hoover, que fornece energia elétrica para 8 milhões de pessoas, está em seu nível mais baixo desde 1937, época da construção da represa em que os gestores de água ainda estavam enchendo o reservatório.

Além disso, muito calor causa danos às pontes levadiças de aço.  Os trilhos das linhas ferroviárias podem se deformar sob intenso calor, fato que realmente ocorreu e causou cancelamentos nas viagens de trens na Europa em 2019. 4 E os aviões podem ter dificuldades para voar em condições extremas de calor.

De acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês), quando as cidades são expostas ao calor extremo, a temperatura local pode aumentar em até 15 °C acima das condições das áreas rurais vizinhas, transformando efetivamente as principais cidades do mundo em autênticas fornalhas.

O verão da América do Sul de 2022 já registra um calor de derreter: “Praticamente toda a Argentina e países vizinhos como Uruguai, Brasil (sul do país) e Paraguai estão vivendo os dias mais quentes de suas histórias”. A informação é de Cindy Fernández, meteorologista do Serviço Meteorológico Nacional dos EUA.5

Em 12 de janeiro de 2022, a Argentina registrou temperaturas do solo de 129 °F (53,89 °C) que resultaram em apagões. “Trata-se de uma onda de calor de características extraordinárias, com valores extremos de temperatura que serão analisados após sua conclusão, e pode gerar alguns recordes históricos de temperaturas na Argentina, além de persistência de calor”, afirma o meteorologista Lucas Berengua.6

Como consequência, a infraestrutura elétrica argentina entrou em colapso, deixando 700 mil pessoas sem energia e os sistemas de purificação de água potável afetados. As temperaturas do solo na Argentina refletiram as leituras de apenas 6 meses atrás do hemisfério Norte, que, em retrospecto, serviram como um mau presságio para o continente sul, que inicia agora  seu verão.

O calor tem sido tão forte na Argentina que, por um curto período, o país foi considerado o lugar mais quente do mundo, superando partes da Austrália que costuma ter essa triste honra durante o verão austral.

De acordo com a BBC News, a Austrália igualou seu dia mais quente já registrado com uma temperatura de 50,7 °C ou 123,26 °F em Onslow, Austrália Ocidental em 13 de janeiro de 2022. A temperatura média normal para Onslow (uma cidade costeira) nesta época do ano é 36,5 °C, não 50 °C. Além disso, Mardie e Roebourne, duas outras cidades da região, registraram temperaturas acima de 50 °C. E, na Austrália Meridional, Oodnadatta chegou a 50,7 °C em 2 de janeiro de 2022.7

O verão de 2021 na região norte do planeta testemunhou o Antropoceno, período geológico de influência humana, transformar-se no Piroceno, quando um número impressionante de incêndios florestais consumiu vastas áreas do hemisfério Norte. Foi “o verão do inferno”. O aquecimento global secou as pastagens, e as florestas se transformaram em material altamente inflamável. O chefe do Serviço Florestal dos EUA declarou uma “crise nacional de incêndios florestais”.8 

Os incêndios no Oregon e na Califórnia foram tão devastadores que criaram sistemas climáticos próprios. A cidade de Lytton, na Colúmbia Britânica, foi destruída pelo fogo como um palito de fósforo em chamas. As temperaturas do solo no estado de Washington, em junho de 2021, atingiram 145 °F (62,78 °C) durante uma onda de calor sem precedentes na região do Pacífico Noroeste dos EUA – temperatura considerada quente demais para permitir sequer andar perto do concreto ou do asfalto.

No noroeste do Canadá, as províncias de Ontário e de Manitoba sofreram 157 incêndios florestais graves que foram tão intensos a ponto de também criar sistemas climáticos próprios.

A Sibéria vivenciou incêndios florestais de proporções bíblicas como jamais visto. Um estudo mostrou que o calor extremo aumentou em 600 vezes a probabilidade de incêndios devido às mudanças climáticas. A região mais setentrional da Sibéria registrou temperaturas escaldantes de 118 °F (48 °C) em junho.

Na região do Mediterrâneo, o verão de 2021 foi marcado por abrasadores incêndios florestais na Turquia e na Grécia, com temperaturas do solo acima de 53 °C.9

Existe um recado importante em meio a essa ladainha desanimadora do mundo sucumbindo ao calor, pois isso tudo está acontecendo com o aquecimento global de apenas 1,2 °C acima dos níveis do período pré-industrial. Mas, devemos começar a contar o período pré-industrial (vale também para o pós-industrial) desde 1880 ou 1950, ou deveria ser desde 1750? Ou toda essa situação é ainda pior do que o que nos foi dito até então? Resposta: observe as evidências e julgue por si mesmo.

Os fatos mencionados acima são referentes às condições climáticas nos últimos 12 meses em todo o mundo, que se mostraram ainda piores do que o previsto, especialmente quando estamos apenas 1,2 °C acima do suposto nível pré-industrial. Nesse sentido, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) estabeleceu um alerta vermelho em 1,5 °C, aumento acima do qual graves problemas climáticos ocorrerão, e fixou o patamar de 2 °C como o limite extremo que não deve ser excedido. No entanto, com base nas condições climáticas desafiadoras já evidentes vistas com um aumento de 1,2 °C, nos perguntamos quais serão os desafios chegando a esse nível de 1,5 °C?

O fato é que com um aquecimento de apenas 1,2 °C, o mundo já enfrenta diversos problemas com as falhas de infraestrutura combinadas ao dano emergente causado pelo bulbo úmido, que traz o risco potencial das pessoas morrerem ao saírem nas ruas.

Tudo isso realça o peso das próximas eleições legislativas americanas de meio de mandato que ocorrerão neste ano. Se os republicanos, também conhecidos como negacionistas, ganharem o controle, você pode começar a “preparar sua malinha”. Em outras palavras, o calor global vai sair ganhando!

Por outro lado, se os democratas obtiverem um controle que permita tomar realmente medidas construtivas a respeito dos gases de efeito estufa e estabelecer uma liderança global para zerar as emissões líquidas dentro de uma década, isso quer dizer que há uma pequena possibilidade de sobrevivência para a humanidade, mas as chances estão diminuindo rapidamente.

Até agora, os níveis excessivos de calor global que causam tais prejuízos foram, em parte, resultado do fracasso da liderança política de ambos os principais partidos americanos, inúmeras vezes alertados pelos cientistas para minimizar as emissões de CO₂. Os avisos vêm sendo reiterados há décadas, como um disco arranhado que repete a mesma música em vão.

Os líderes dos EUA fracassaram terrivelmente em proteger os estadunidenses da ameaça existencial mais anunciada, mais comentada e mais óbvia que o país já enfrentou!

O calor global gerado pelo ser humano é fácil de descrever: as emissões de dióxido de carbono (CO₂) ou de metano (CH₄) provenientes de carros, trens, aviões, caminhões, rebanhos de gado, usinas de energia, poços de petróleo e gás, ou mesmo procedentes da indústria cobrem a atmosfera e levam à retenção de calor, ou seja, ao “efeito estufa”. Isso provoca um aumento previsível e contínuo das temperaturas globais, que já ultrapassou recordes históricos conhecidos desde a época que o ser humano esfregou dois gravetos para fazer fogo pela primeira vez.

 

1 The Oceans Are Overheating, 14 de janeiro de 2022

2 A World Overheating, Conselho de Relações Exteriores dos EUA, 18 de outubro de 2021

3 Brazil Hydro Plants May Go Offline From Drought, Bolsonaro Warns, Bloomberg News, 27 de agosto de 2021

4 Sag, Buckle and Curve: Why Your Trains Get Cancelled in the Heat, Wired: 26 de julho de 2019

5 “Another Hellish Day” South American Sizzles in Record Summer Temperatures, The Guardian, 14 de janeiro de 2022

6 Discussão de dados do satélite Copernicus Sentinel 3

7 Australia Equals Hottest Day on Record at 50.7 °C, BBC News, 13 de janeiro de 2022

8 Here are the 6 Major Regions Literally on Fire Right Now, Gizmodo, 29/07/21

9 Programa europeu de observação da Terra (GMES, na sigla em inglês), Satélite Copernicus Sentinel 3

 


Traduzido do inglês por Adri Heery / Revisado por Graça Pinheiro