Para saber mais sobre a situação da população imigrante no Brasil – e em São Paulo, especificamente -, entrevistei por correio eletrônico a Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas.

Integrante do Movimento Humanista, o coletivo é composto por mulheres voluntárias, que concorrem ao Conselho Municipal de Imigrantes da Cidade de São Paulo. As eleições ocorrem a partir de 18 de maio e as representantes da Equipe de Base Warmis são a jornalista Natali Mamani e psicóloga Sandra Morales.

Candidata titular ao Conselho Natali Mamani é imigrante boliviana de origem Aymara, tem 26 anos e desde os quatro está no Brasil. Sandra Morales, candidata suplente, tem 42 anos, é peruana e vive há oito anos em nosso país.

 

Com candidatas ao Conselho Municipal de Imigrantes, a Equipe de Base Warmis defendem a regularização imigratória como direito fundamental.

 

Com o objetivo de qualificar o debate público sobre imigração e políticas para populações migrantes, as candidatas compartilham conosco a visão que possuem da situação brasileira, e quais as principais demandas.

Natali e Sandra descrevem ainda como o Conselho de Imigrantes de São Paulo atua para garantir direitos básicos a pessoas e famílias em situações de desamparo e violações. Violências, muitas vezes, sofridas nos países de origem e, novamente, em território nacional.

Xenofobia, racismo, machismo, LGBTQIA+fobia são algumas das violências que atingem populações imigrantes no Brasil. Pessoas que buscam acolhimento em um país, supostamente, hospitaleiro. Ou, pelo menos, assim um dia imaginado.

 

Como vocês descrevem a Equipe de Base Warmis?

− Somos mulheres voluntárias. Queremos transformar nossa realidade e melhorar as condições nas quais vivemos, desenvolvendo e promovendo atividades em nossas comunidades.

A Equipe de Base Warmis, que faz parte do Organismo Internacional Convergência das Culturas, tem por missão facilitar e estimular o diálogo entre as culturas, denunciar e lutar contra toda forma de discriminação e todo tipo de violência.

Ao atuar nessas frentes, a Equipe de Base Warmis visa promover e garantir os Direitos Humanos, apoiar a integração social e comunitária, promover a intermulticulturalidade na vida social, e divulgar a Metodologia da Não Violência Ativa, promovendo ações para orientar mudanças positivas nas pessoas e na sociedade.

 

O Conselho Municipal de Imigrantes de São Paulo têm eleições este ano de modo virtual. Qual é o objetivo dessas eleições?

− Este ano ocorrem as eleições para o Conselho Municipal de Imigrantes, devido ao aumento dos casos de covid-19, a votação virtual foi alterada para os dias 18 e 25 de maio, e o voto presencial será no dia 23 de maio.

No entanto, a votação presencial somente ocorrerá se a Cidade de São Paulo estiver, na semana anterior à realização do pleito eleitoral, classificada como fase 2 – laranja, ou em uma fase menos restritiva, do Plano São Paulo.

Este é um momento importante para todas e todos imigrantes da cidade de São Paulo, um dos únicos momentos em que é possível exercer o direito ao voto, especialmente no contexto político que se vive no Brasil.

Assim, votar para as eleições do CMI representa o direito de escolher aqueles e aquelas que vão representá-las junto ao município.

 

Como você participa dessas Eleições?

− Nós somos parte do Coletivo Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas e este ano nosso coletivo está concorrendo a uma cadeira no CMI, cadastrada para as eleições com o número 034.

 

Por que seu coletivo apresentou candidatura?

− A Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas apresentou sua candidatura porque temos por objetivo lutar pelos direitos dos imigrantes e especialmente das mulheres imigrantes da cidade de São Paulo.

 

Quais são os objetivos e as propostas?

− Estamos a oito anos articulando e apoiando ações que combatam a violência contra a população imigrante da cidade. Com decorrer dos anos de trabalho pudemos participar de diversos trabalhos e ações dentro da comunidade migrante, o que trouxe aprendizados e conhecimentos que desejamos levar ao CMI, buscando dar voz da melhor forma aos grupos mais vulneráveis.

 

 Vocês poderiam traçar um panorama da situação da imigração no Brasil?

− O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (SINCRE), da Polícia Federal, revelam um aumento da imigração desde 2009. Em 2019, estima-se  mais de 1 milhão de pessoas migrantes no Brasil − o que representa um 0,4% da população do país.

Segundo o SINCRE, entre as 10 nacionalidades mais presentes no país, três são sul-americanas – pessoas vindas da Bolívia, Argentina e do Uruguai, que representam 15% do total dos migrantes. Se somarmos todas as nacionalidades sul-americanas sobe para 25% do total de imigrantes no brasil.

 

Carnaval Boliviano em São Paulo. Crédito da imagem: Zé Carlos Barreta/Creative Commons.

 

E a situação em São Paulo, especificamente?

− Ainda com indicadores do SINCRE, do total dos migrantes internacionais registrados no Brasil, aproximadamente 32% encontram-se no município de São Paulo.

Seguindo tendência do país, a nacionalidade mais representativa no município é portuguesa, com 19% de imigrantes.

Do total de 64.953 bolivianos e bolivianas registradas no Brasil, aproximadamente 73% moram no município de São Paulo. Essa população imigrante ocupa a segunda posição no município, com uma taxa de representatividade muito maior do que no nível nacional – por volta de 17% em São Paulo, contra 7% em todo Brasil.

A presença de outros grupos regionais é muito menor no município. Por exemplo, os argentinos representam quase 4%, enquanto os peruanos e os chilenos chegam a aproximadamente 2,5% cada grupo, entre o total de migrantes em território brasileiro.

 

Vulnerabilidade, discriminação e escravidão

− Entre os grupos de migrantes regionais objetos de pesquisas específicas, encontram-se, primeiramente, pessoas da Bolívia. Em segundo lugar, os haitianos. Estas investigações colocaram em evidência a existência de situações de vulnerabilidade que afetam aos migrantes regionais. Também identificou obstáculos para acesso a direitos sociais e serviços públicos, entre outros aspectos, como a inserção de migrantes regionais no setor têxtil da cidade de São Paulo e a incidência de práticas análogas à escravidão receberam grande atenção.

 

Migração forçada. Do que se tem notícia, o Brasil foi o território em que mais se escravizou pessoas e por mais tempo em todo o mundo. Calcula-se que em torno de 5 milhões de almas chegaram aqui. Muitas ficaram na “kalunga grande”, a travessia do Atlântico. Detalhe do resto de um navio tumbeiro, Museu Afro Brasil – São Paulo. Crédito da imagem: : Rodrigo Tetsuo Argenton/Creative Commons.

 

− A relação entre migrações regionais e situações de vulnerabilidade desses coletivos ganhou particular visibilidade, chegando a ser paulatinamente construída como um “problema social”, especialmente a partir da primeira década do século XXI.

A situação de irregularidade migratória que ainda afeta a amplos setores de migrantes, deriva de vários fatores, mas principalmente das restrições impostas pelo marco normativo, constitui um dos temas mais discutidos.

 

O que é o Conselho Municipal de Imigrantes de São Paulo?

− O Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) faz parte da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura da Cidade de São Paulo.

O CMI é um órgão consultivo composto por 32 conselheiros, sendo 16 titulares e 16 suplentes, que têm como objetivo participar da formulação, implementação, monitoramento e avaliação da Política Municipal para a População Imigrante, instituída pela Lei Municipal 16.478, de 8 de julho de 2016, e pelo Decreto 57.533, de 15 de Dezembro de 2016.

 

Como se organiza?

− A composição do CMI é paritária entre representantes do poder público e a sociedade civil: oito secretarias municipais previstas no Decreto, e oito membros da sociedade civil, eleitos dentro de três categorias: (i) coletivos, associações e organizações de imigrantes; (ii) coletivos, associações e organizações de apoio a imigrantes e (iii) pessoas físicas imigrantes.

 

Quais as principais lutas que enfrentam imigrantes no Brasil?

− Em primeiro lugar está garantir direitos sociais. Esses direitos que se relacionam com a dignidade do ser humano e estão pautados na visão de cuidar do bem-estar das pessoas. São direitos sociais: direito à educação, à saúde , ao trabalho, à moradia, à cultura, entre outros.

 

“Regularização imigratória como direito fundamental”

 

− Para milhares de migrantes e refugiados, o acesso a esses direitos é complexo, principalmente devido ao seu status de imigração, as implicações que isso acarreta e a crescente criminalização da migração.

 

− Qual a relação do conselho de imigrantes na garantia de direitos?

− Apesar de algumas Leis de migração (como no Brasil), para estados reconhecerem direitos como saúde e educação, independentemente da situação de imigração, encontra-se dificuldades.

Portanto, a Equipe Base Warmis propomos a importância de propor a regularização imigratória como um direito fundamental, visto que a posse dos documentos de imigração facilita o acesso a todos os demais direitos sociais no país de residencia.  Para isso estamos promovendo a Campanha Regularização Já!

A situação contemporânea da pandemia Covid-19 complicou o processo de migração e impôs ainda mais restrições.

 

“Aqui vivo, aqui voto”

− É importante destacar que uma reivindicação histórica da população migrante no Brasil é o direito ao voto, vedado pela Constituição Federal, que determina que apenas os nacionais ou estrangeiros naturalizados podem votar. Durante anos, a campanha “Eu moro aqui, eu voto aqui” tem sido uma das bandeiras mais importantes levantadas pelo movimento migratório.

O Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil é uma articulação que reúne movimentos sociais, lideranças de imigrantes, entidades, centrais sindicais e associações que atuam com o tema migratório.

Desde 2013, o grupo defende a aprovação da PEC – Proposta de Emenda Constitucional 347, apresentada à Câmara Federal. A proposta prevê a possibilidade de imigrantes votarem e receberem votos nas eleições brasileiras.

Neste sentido o Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) organiza as conferências municipais de políticas para imigrantes. São espaços para promover a discussão e formulação de ações da Política Pública para a População Imigrantes em São Paulo.

 

“Fazer parte do CMI é um caminho para acompanhar o cumprimento de Políticas para Imigrantes de São Paulo”

 

− As conferências permitem que propostas para melhorar a garantia de direitos e atendimento nos serviços públicos municipais possam ser votadas e direcionadas ao poder público. A primeira conferência foi realizada em 2013 e foi fundamental para a implantação da Política Municipal para a População Imigrante (PMPI) que foi consolidada pela Lei Municipal nº 16.478/16 e pelo Decreto Municipal nº 57.533/16.

A partir de 2016, com a Lei Municipal 16.478 e seu Decreto 57.533, a conferência municipal de política para imigrante é convocada e organizada pelo Conselho Municipal de Imigrantes No ano de 2019, o CMI foi o responsável por articular a 2ª Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes junto à Comissão Organizadora (COM) e a partir dela, foi elaborado o 1° Plano Municipal de Políticas para Imigrantes de São Paulo.

Portanto, fazer parte do CMI é um caminho para acompanhar o cumprimento dos eixos estabelecidos no Plano Municipal de Políticas para Imigrantes de São Paulo.

 

“Somos imigrantes, mães e voluntárias. Somos testemunhas diárias da discriminação por nossa cor, nossa aparência, nosso sotaque, nossos costumes”

 

Com relação a gêneros, sexualidades e idades, quais são as questões específicas de mulheres, crianças e adolescentes imigrantes?

− A análise das experiências migratórias de mulheres, homens e pessoas trans pode ser muito diferente. Em muitas sociedades ou contextos, diferenças de gênero e diversidades sexuais são sinônimos de desigualdades e ou estigmatização.

Assim, o gênero pode ser outro motivo de discriminação além da nacionalidade, características étnico-raciais, orientação sexual, idade e fatores socioeconômicos, entre outros. Essas discriminações estão interligadas e dificultam as possibilidades de acesso aos direitos sociais e aos serviços públicos para as mulheres migrantes.

 

Violência obstétrica

− As mulheres imigrantes não estão a salvo de nenhum tipo de violência. Outra campanha importante é a nossa luta pela não violência no parto, no Brasil, uma de cada quatro mulheres relata que foi vítima de violência obstétrica. Somos imigrantes, mães e voluntárias. Somos testemunhas diárias da discriminação por nossa cor, nossa aparência, nosso sotaque, nossos costumes. E, no momento do parto, isso é mais grave, porque muitas vezes as enfermeiras e os médicos têm preconceitos, não nos entendem e ou nos tratam mal. Queremos que essas violações parem, queremos ser respeitadas e tratadas com igualdade. Queremos que o Brasil saiba o que estamos passando, e para isso temos que denunciar.

 

Medo

− Muitas gestantes imigrantes da cidade de São Paulo não fazem o Pré-natal e nenhum acompanhamento médico por medo de ser discriminada ou maltratada. Colocam em risco sua saúde e a de seus bebês.

Outro problema é que a maior parte das mulheres imigrantes preferem um parto normal por ser parte de sua cultura. Só que, na maioria dos casos, não conseguem.

 

E com relação ao racismo e a xenofobia? O que enfrentam imigrantes no Brasil?

 − Como é um grupo heterogêneo, migrantes enfrentam diferentes tipos de discriminação durante a jornada migratória e no país de destino. Essas discriminações incluem racismo, xenofobia, sexismo, LGBTQIA+fobia, capacitismo, classismo, discriminação por idade e religião.

Às vezes, a discriminação é o motivo que leva a pessoa a migrar. Essas expressões de discriminação e violência variam desde manifestações “sutis” à violência institucional.

Podemos citar como exemplo o impedimento ao acesso à assistência médica ou à educação por parte de funcionários públicos, mesmo quando as leis de imigração garantem esses direitos.

Outro exemplo é a adoção de políticas de imigração e procedimentos de controle racista; expressões de violência contra migrantes pela sociedade civil na vida cotidiana, entre outras situações.

 

“Há o preconceito de que se trate de países pobres, gerando uma série de estereótipos sobre migrantes desses países.”

 

− Também é importante perceber como a xenofobia se articula com a nacionalidade e a classe social. Os migrantes sofrem maiores experiências discriminatórias quando o estado nacional de origem ocupa uma posição hierarquicamente inferior, seja econômica, política ou simbolicamente em relação ao país de acolhimento.

É o caso das comunidades haitiana, peruana, paraguaia e boliviana no Brasil e na Argentina, pois há o preconceito de que se trate de países pobres, gerando uma série de estereótipos sobre migrantes desses países.

 

Contra a cultura

− Essa discriminação ocorre com maior força quando as pessoas mantêm o uso de suas roupas tradicionais, como o uso das “polleras”, saias típicas. Ou quando celebram festas ou realizam rituais.

Em alguns casos, a pressão é tão grande que há migrantes que preferiram não manifestar a própria cultura, ou mesmo negá-la, interrompendo assim o patrimônio cultural e a transmissão de conhecimentos próprios e próprios de seus descendentes.

 

O Conselho oferece um curso de Português para imigrantes. De que formas educadoras, educadores e pessoas em geral podem colaborar?

− A oferta de cursos de Português para imigrantes é uma das metas prioritárias da Coordenação de Políticas para imigrantes. Mas o que eles fazem é um cadastro das instituições ofertantes de cursos de Português para imigrantes e colocam no site.

Este é um projeto que podemos ampliar, trabalhando em conjunto com educadoras e educadores para criação de atividades e cursos que beneficiem a comunidade imigrante. Ações que beneficiem tanto na conscientização das pessoas, em geral, e de docentes, em especial, a respeito da importância da implementação de cursos de Português gratuitos para imigrantes.

 

Durante a pandemia, que ações foram tomadas pelo conselho para maior proteção de imigrantes no Brasil?

− Durante a pandemia o Conselho Municipal de Imigrantes da Cidade de São Paulo aumentou as possibilidades de articulação e construção de respostas conjuntas entre o poder público e a sociedade civil. O tema foi tratado durante as reuniões. Foi criado um grupo temático específico para tratar da questão.

 

Auxílio e informação

− Foram emitidos ofícios para Caixa Econômica Federal e para a Receita Federal relativos aos impedimentos de acesso ao auxílio emergencial e de regularização de documentos. Assim, fortaleceu a campanha pela regularização migratória ampla, tendo apoiado formalmente o PL 2699/2020, que tramita na Câmara Federal.

O conselho também apoiou a tradução de materiais informativos sobre o coronavírus e o acesso ao auxílio emergencial, e possibilitou a aderência de organizações do CMI ao Programa Cidade Solidária da Prefeitura Municipal de São Paulo e à subsequente distribuição de cestas básicas para migrantes e refugiados.

 

 De que maneiras imigrantes podem participar do conselho e das decisões? Brasileiras e brasileiros podem participar do conselho e contribuir com as ações?

− Segundo regimento interno, os membros do CMI podem defender e promover os direitos das pessoas imigrantes, bem como sua inclusão social, cultural, política e econômica, por meio da articulação interinstitucional entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e organizações da sociedade civil de apoio a imigrantes. Além de trabalhar de forma articulada com os/as Conselheiros/as imigrantes eleitos/as para os Conselhos Municipais, em especial o Conselho Participativo Municipal, visando à descentralização das políticas públicas.

Toda Pessoa pode pronunciar-se sobre matérias que lhes sejam submetidas pela Coordenação de Políticas para Imigrantes e Promoção do Trabalho Decente ou outros entes da Administração Pública. Cidadãos e cidadãs podem fomentar e estimular o associativismo e a participação política das pessoas imigrantes nos organismos públicos e movimentos sociais; convocar e realizar, a cada dois anos, as Conferências Municipais de Políticas para Imigrantes e Audiências e Consultas Públicas que envolvam a população imigrante.

E as pessoas conselheiras da sociedade civil deverão ser imigrantes em sua maioria.

 

Pressenza agradece às imigrantes Natali Mamani e Sandra Morales por nos ajudar a compreender melhor a difícil situação de pessoas imigrantes no Brasil e o papel do Conselho Municipal de Imigrantes de São Paulo.