Por Paulo Henrique Martins

 

A arte antecipa, muitas vezes, tendências históricas ainda não reveladas. Podemos exemplificar com a película “Contágio” (2011) dirigida por Soderbergh. O filme trata da propagação de um vírus que, como a Covid 19, teria surgido no Oriente e migrado para o Ocidente com efeitos que lembram a atual pandemia: desorganização social, mobilização intensa de profissionais da saúde e luta da ciência pela vacina para conter a doença. Logicamente a sociedade de consumo frenética não entende os sinais que vem sendo denunciados há algum tempo pelas críticas estética e científica. O evento pandêmico está, entretanto, rompendo as salvaguardas técnicas, econômicas e sanitárias e gerando alucinações ideológicas com efeitos nefastos na política. O caso brasileiro é emblemático. O negacionismo de Bolsonaro e simpatizantes, o número alarmante de mortes, a desorganização da vida econômica, social e cultural, o confinamento inevitável e a perda dos espaços de sociabilidades revelam uma cena aterrorizadora que apenas conhecíamos em filmes de ficção.

Com o crescimento da pandemia e com o estrangulamento da logística hospitalar, a crise entra num novo patamar de risco no Brasil. Até agora as classes médias e ricas podiam se prevenir da contaminação se trancando nas suas residências com geladeiras cheias e internet funcionando de modo eficiente. Agora temos um outro fator preocupante que está começando a assustar os segmentos sociais mais abastados: a pandemia ameaça romper a distância hierárquica que separa historicamente ricos e pobres. A realidade é que os trabalhadores manuais e de serviços básicos como farmácias, hospitais, mercados, lojas além de porteiros e empregadas domésticas continuam a se aglomerar nos ônibus por não disporem de outros modos de transporte para poder servir os ricos. Estas pessoas continuam a pegar transportes públicos porque precisam “ganhar a vida”. O vírus revela-se, então, como um vetor de contágio socialmente explosivo. Como esta ameaça de ruptura dos fundamentos sociais e raciais da desigualdade vai impactar na política e nas eleições?