A pobreza nos Estados Unidos afeta desproporcionalmente mulheres e pessoas não brancas, e é exatamente isso que dificulta a ação política para enfrentá-la — mesmo havendo inúmeras soluções.

Por Sonali Kolhatkar

Um estudo em andamento na cidade de Stockton, Califórnia, avalia como a vida de americanos de baixa renda pode melhorar se eles simplesmente receberem dinheiro — uma fonte de renda modesta, mas confiável e sem restrições. O programa piloto Stockton Economic Empowerment Demonstration (SEED) selecionou aleatoriamente 125 participantes de áreas residenciais atingidas pela pobreza, fornecendo-lhes 500 dólares por mês, para usarem da forma que quisessem, pelos últimos dois anos. A maioria dos participantes eram mulheres (69%) e pessoas não brancas (53%). Os resultados preliminares do primeiro ano são estimulantes para os interessados em soluções que lidem com a crescente desigualdade nos Estados Unidos, especialmente por estarem ligados a questões raciais e de gênero. Nesse período, os participantes do estudo conseguiram empregos numa taxa duas vezes maior que a do grupo de controle. No início do estudo, 28% dos participantes estavam empregados em tempo integral, e, após o primeiro ano, esse número subiu para 40 por cento.

Sukhi Samra, diretora do SEED, me contou em entrevista que, embora Andrew Yang, que já foi candidato à presidência e agora concorre a prefeito de Nova York, tenha ajudado a popularizar a ideia de uma renda básica universal (UBI), o estudo sendo realizado em Stockton sobre uma “renda mínima garantida” (GBI) é um pouco diferente da proposta de Yang. Samra explica que “a diferença é que a renda garantida está ligada a questão da renda”, em vez de ser distribuída a todos. “É mais frequentemente vista como uma ferramenta de equidade, especialmente racial e de gênero”, acrescenta.

Ela esclarece o quão importante é entender o conceito de GBI à luz dos “movimentos de justiça social e racial da década de 1960, quando tínhamos o Dr. Martin Luther King Jr., a National Welfare Rights Organization e os Panteras Negras defendendo uma renda garantida como a forma mais simples e eficaz de abolir a pobreza”. De fato, o Dr. King escreveu em seu último livro, chamado “Where Do We Go From Here: Chaos or Community?“, que estava “convencido de que a abordagem mais simples provará ser a mais eficaz — a solução para a pobreza é aboli-la de forma direta por meio de uma medida amplamente discutida: a renda garantida”.

Stockton é um local adequado para um experimento como esse. Conhecida como “a cidade mais diversa dos Estados Unidos“, teve a sua economia devastada pelas forças do mercado mais de uma década atrás, durante a crise imobiliária nacional, e declarou falência em 2012. A desigualdade de raça é gigantesca, e a minoria branca da cidade desfruta de uma renda média que é quase o dobro da dos negros. Este microcosmo de grandes cidades norte-americanas também sofre com problemas de saúde, crimes e policiamento excessivo, tanto que ganhou outro apelido: uma das “cidades mais miseráveis dos Estados Unidos“. Então, em 2016, a cidade elegeu seu primeiro prefeito negro, Michael Tubbs, que, por acaso, também foi a pessoa mais jovem eleita para o cargo.

A experiência de Stockton com uma renda garantida foi ideia de Tubbs, e ele financiou o SEED com doações privadas, para demonstrar que a equidade pode ser alcançada por meios diretos, como transferências incondicionais em dinheiro para aqueles que mais precisam. O fato de que a maioria dos participantes do estudo são mulheres e pessoas não brancas não é uma coincidência, já que esse é justamente o grupo demográfico que foi deixado para trás pelas tendências econômicas nacionais.

Samra explica que os pagamentos em dinheiro permitiram àqueles que conseguiram realizar a transição do trabalho de meio período para o de período integral fazer coisas básicas, como ir a uma entrevista de emprego, “não porque antes eram preguiçosos, mas, sim, trabalhadores assalariados que simplesmente não podiam perder um turno para ir a uma entrevista de outro trabalho, pois isso significava cortar algo no orçamento doméstico daquele mês”. Em outros casos, o dinheiro permitiu-lhes pagar a alguém para cuidar de seus filhos enquanto procuravam melhores oportunidade de emprego.

Outro resultado extremamente importante das transferências de dinheiro foi a evidente melhora na saúde mental e no bem-estar geral. Um artigo de 2020, publicado pelo National Bureau of Economic Research (NBER), revelou que “choques econômicos negativos causam doenças mentais, e programas de combate à pobreza, como os de transferências de dinheiro, melhoram a saúde mental”. Samra esclarece que, no início do estudo, quase todos os participantes podiam ser classificados como “clinicamente deprimidos”, mas, após um ano, houve uma redução significativa da ansiedade e da depressão, em comparação aos níveis observados no grupo de controle, demonstrando que “500 dólares por mês podem ser tão eficazes quanto outras formas de medicação”.

Os resultados preliminares do estudo são relativos ao ano anterior ao início da pandemia do coronavírus. O segundo ano do estudo ajudará a responder a uma pergunta que Samra definiu da seguinte forma: “Como exatamente uma renda garantida pode funcionar como uma vacina financeira?”. Evidências — ainda não comprovadas pelo estudo — apontam que, para alguns participantes, a transferência mensal de 500 dólares se tornou ainda mais importante durante a pandemia, pois lhes permitiu aderir ao “fique em casa” e outras medidas de prevenção, além de possibilitar o estoque de alimentos, já que poderiam pagar por isso.

Obviamente, a ideia de dar dinheiro a pessoas não brancas pobres para que consigam sobreviver é totalmente antitética para os republicanos e, até mesmo, para alguns legisladores democratas. Com o ataque ao bem-estar social promovido pelo governo — iniciado pelo presidente Ronald Reagan e que ganhou ainda mais força na administração de Bill Clinton —, o suporte financeiro aos pobres passou a ser perversamente mal visto como um desincentivo ao trabalho. Pessoas não brancas e mulheres são particularmente demonizadas e taxadas de parasitas que tiram proveito do sistema. A pobreza é vista como uma falha moral, sendo a assistência social uma recompensa imoral por tal falha. Segundo Samra, o estudo realizado em Stockton foi criticado com base no fato de que dar dinheiro às pessoas as desincentivaria a trabalhar. Até o momento, porém, o oposto tem sido demonstrado: uma renda garantida pode, na verdade, ajudar norte-americanos em situação difícil a conseguir empregos.

A linha de pensamento que vê a pobreza como uma falha moral persiste até hoje, já que várias leis para conter a devastação econômica causada pela pandemia incluíram auxílio direto na forma de transferências únicas ou mensais para desempregados. O senador republicano Tom Cotton denunciou o mais recente projeto de lei, o pacote de estímulo à economia intitulado American Rescue Plan, que acabou de ser aprovado pelo presidente Joe Biden, com o seguinte questionamento: “Como realizar transferências em dinheiro a assassinos e estupradores encarcerados ajudará a resolver a pandemia?”. Tomar norte-americanos pobres por “assassinos e estupradores” é uma tática conservadora comum.

A ajuda financeira para pessoas não brancas pobres nunca foi popular entre os norte-americanos mais ricos e brancos, e o então prefeito de Stockton, Tubbs, foi derrotado na sua tentativa de reeleição em novembro de 2020. Seu oponente, o republicano Kevin Lincoln, denunciou o programa de intervenção contra a violência por armas de fogo de Tubbs como “dinheiro para criminosos” e afirmou que “todo o financiamento do prefeito foi gerado para atender a seus próprios interesses”. Uma das análises que buscam entender a sua derrota indicou que “alguns residentes da região norte da cidade, mais rica, sentem-se ignorados”. Tubbs também foi alvo de uma impiedosa operação realizada nas mídias sociais de direita, através de um blog popular, baseada em representações racistas, mentiras, exageros e notícias falsas para tentar derrubar o jovem líder progressista.

Uma lição crucial do experimento realizado em Stockton, mas que não foi citada entre os resultados oficiais do estudo, é que, embora uma renda garantida possa, de fato, ajudar a solucionar os problemas que se propõe a resolver, a política norte-americana se mantém atolada em ideias racistas e conservadoras sobre quem merece ajuda. E é aí que se encontra o problema no cerne da nossa crise de desigualdade. Apesar dos resultados positivos do estudo, a derrota política do seu arquiteto, o prefeito Tubbs, reafirmou a cidade de Stockton como sendo um microcosmo simbólico do panorama geral norte-americano e os desafios contínuos para lidar com a pobreza ligada a questões de raça e gênero.

Este artigo foi produzido pela Economy for All, um projeto do Independent Media Institute.


Sonali Kolhatkar é a fundadora, apresentadora e produtora executiva do programa de rádio e televisão “Rising Up With Sonali”, que vai ao ar nas estações Pacífica e na Free Speech TV. Ela escreve para o Economy for All, um projeto do Independent Media Institute.


 

Traduzido por Samuel Francisco / Revisado por Gabriela Assis Santos