Este post foi escrito por Khalid Ibrahim, diretor-executivo do Centro do Golfo para os Direitos Humanos (GCHR), uma organização independente e sem fins lucrativos que promove a liberdade de expressão, associação e reunião pacífica na região dos países do Norte da África e do Oriente Médio, conhecida como MENA.

Os defensores dos direitos humanos não têm armas, além de palavras, para defender os direitos humanos e garantias civis do seu povo. Seus inimigos, por outro lado, têm todas as armas convencionais à sua disposição, incluindo a prisão, em sua tentativa de acabar com o trabalho pacífico destinado a construir um futuro próspero para todos os cidadãos.

Não obstante, o ativismo pelos direitos humanos segue em marcha firme, ainda que confinado numa cela de penitenciária. “O trabalho dos defensores dos direitos humanos não termina com a prisão dos ativistas”, diz um defensor dos direitos humanos no Bahrein, Abdulhadi Al-Khawaja, que em 2017 fez seis greves de fome para exigir seus direitos e os de outros prisioneiros de consciência, que também lutam pela mesma causa, enquanto ele cumpria prisão perpétua por sua luta, diga-se de passagem pacífica, pelos direitos humanos.

Suas palavras inspiraram um evento on-line em árabe, inglês e persa. “O Prisioneiro e a Caneta” foi o evento realizado pelo Centro do Golfo para os Direitos Humanos (GCHR) em parceria com a Anistia Westminster Bayswater, em 22 de outubro de 2020. Aqui apresentamos alguns dos pensamentos dos defensores dos direitos humanos presos e de outros que participaram desse evento.

Em seu poema, “Carta ao meu pai”, Maryam Al-Khawaja, uma ativista declarada, resume o vulcão de dor que assola os corações das famílias dos prisioneiros de consciência:

Como eu poderia te dizer
Que há dias em que desejo ardentemente voltar a ser criança
Para viver num mundo em que pensava ter entendido
Num mundo em que me sentia segura

Porque você e mamãe eram meus super-heróis

Em outra parte, expressando sua decepção por não realizar seus sonhos em um mundo livre e justo, ela acrescenta:

Baba, você esteve na prisão do inimigo por nove anos
E para me entender,
Preciso te contar sobre o mundo
Sobre os sonhos que tivemos
Sobre os sonhos pelos quais lutamos
O preço que você pagou para que suas filhas pudessem crescer em um mundo melhor
Não foi como esperávamos

Em seguida, ela fala com força e clareza do apoio que os governos repressivos estão recebendo, bem como do sofrimento que os ativistas têm que enfrentar, enquanto buscam um refúgio seguro:

E o sofrimento dos imigrantes ativistas
Vivemos no mesmo mundo
Onde o Ocidente fala sobre direitos humanos
Mas apoia aqueles que os violam
Em nome da geração de empregos e da economia
Em seguida, ergue a sua horrenda cabeça
Contra aqueles que se atrevem a buscar refúgio dos que se insurgem
Para puni-los pelo simples fato de existirem 

Ahmed Mansoor é um poeta sonhador, que espalha o amor como gotas suaves de chuva em todos à sua volta, e diz: “Vou fazer um sol para você com as minhas mãos e pendurá-lo na varanda do meu coração.” Em 2007, o poeta dos Emirados Árabes Unidos publicou sua primeira antologia, intitulada Beyond the Failure (Além do Fracasso, em tradução livre). Um trecho de um dos poemas dessa coleção, intitulado “Excesso de Fogo”, fala sobre o tempo e a dor:

O tempo não suporta mais minha ferida
Até porque não tenho ferida, assim como não existe o tempo e a consolação

Razan Zaitouneh é uma advogada síria que litiga na área de direitos humanos e é uma ativista que optou por viver entre seu povo, compartilhar da sua dor, ajudá-los e não tentou fugir das graves ameaças que recebeu antes de seu sequestro, apesar das ofertas que recebeu para emigrar para o Ocidente. Ela viveu o cerco em Ghouta, na planície rural que cerca a cidade de Damasco, e em 18 de novembro de 2013, escreveu um artigo chamado Nos Diários do Cerco… A resistência é consumida pela espera, no qual declarou que:

“Eu estava destinada a passar por essa experiência de ficar sitiada com uma amiga que passou muitos anos na prisão. Dificilmente um evento como esse transcorre sem que ela compare o cerco à prisão, dizendo que as duas experiências são muito semelhantes, analisando-se por diferentes prismas.”

Proeminente ativista feminista, a Dra. Hala Al-Dosari leu uma carta escrita por Nouf Abdulaziz, publicada após sua prisão, em 6 de junho de 2018, incluindo o seguinte parágrafo que explica a tragédia que os defensores e ativistas de direitos humanos enfrentaram, quando foram tratados como inimigos por causa de suas atividades pacíficas pelos direitos humanos:

“Olá, meu nome é Nouf, e não sou uma provocadora, incitadora, destruidora, terrorista, criminosa ou traidora. Sou filha de uma mãe adorável que sofre por minha causa, como penso, e filha de uma família honrada e honesta que sofreu muitos danos por causa do que me aconteceu. Eu sou uma estudante de pós-graduação que nunca teve a chance de concluir formalmente seus estudos. Costumo me resumir em umas poucas características e aqui vão elas: escritora, viciada em leitura desde os seis anos de idade e inteligente, segundo meu pai; sou uma garota quieta, exceto pelas perguntas que atormentam a minha mente.”

“Nos esforços para concluir esta introdução boba, falarei com vocês e compartilharei algumas das muitas perguntas que fervilham na minha cabeça: Por que a nossa pátria é tão pequena e pressionada, e por que sou considerada uma criminosa ou inimiga da pátria!”

Nassima Al-Sada é uma proeminente defensora dos direitos humanos da Arábia Saudita, que foi presa em 30 de julho de 2018. Ela escreveu vários artigos defendendo os direitos civis e políticos, incluindo os direitos das mulheres, por exemplo, o direito de dirigir um carro. Neste trecho de “Sonhos de 2014 para o Avanço da Mulher Saudita”, Nassima fala sobre sonhos não concretizados:

“Ainda temos um longo caminho pela frente para termos sucesso nas conquistas pelo que ainda resta no que tange aos direitos humanos, que se caracterizam por serem indivisíveis e inalienáveis. Para que as pessoas possam exercer seus direitos, devem existir mecanismos e procedimentos escritos e uma estrutura institucional eficaz que proteja, monitore e supervisione a sua implementação.”

Para finalizar, um trecho do poema “À minha mãe”, do poeta palestino Mahmoud Darwish:

Anseio pelo pão da minha mãe,
Aguardo ansiosamente pelo café da minha mãe,
Pelo toque da minha mãe penteando meus cabelos.
A infância cresce dentro de mim,
Dia após dia, dentro de mim.
E eu prezo tanto pela vida,
Porque, se eu morresse,
As lágrimas da minha mãe me fariam morrer de vergonha.

Nossos melhores pensamentos que vão para os nossos colegas encarcerados não esmorecem, não desaparecem, mas, pelo contrário, crescem dia após dia, para que os nossos sonhos floresçam e façam com que os nossos países sejam regidos pelos princípios de justiça, liberdade, igualdade e dignidade humana.


Traduzido do inglês por José Luiz Corrêa da Silva / Revisado por Thaís Ribeiro Bueno

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