Por Catarina Barbosa – Brasil de Fato | Belém (PA)

 

Intitulado “Barão do Rio Branco”, o “polo de desenvolvimento” prevê projetos em cima de terras indígenas

 

A missão de evangelizar indígenas está associada ao debate sobre a questão territorial de etnias brasileiras. Um exemplo é a denúncia feita por um funcionário que atua junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Ele afirma que o contato religioso com indígenas isolados é na verdade mais um passo para realização do projeto “Barão do Rio Branco”, do governo federal, que prevê inúmeros projetos que irão rasgar terras indígenas ao meio.

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O polo de desenvolvimento, como é chamado pelo governo federal, prevê a construção de uma ponte sobre o Rio Amazonas, ao prolongamento da BR-163 e a construção de uma hidrelétrica na Calha Norte, na região de Trombetas, no Pará.

“Locais onde existem povos indígenas isolados que coincidem com os locais desses megaprojetos, principalmente esse “Barão do Rio Branco” é um componente da execução desse tipo de projeto. A atuação dos missionários fazendo contato com os povos isolados é uma forma de tornar o crime menos declarado, digamos assim. É o trabalho que o SPI [Serviço de Proteção ao Índio] fazia antigamente, a própria Funai já fez, assim como os sertanistas. É uma atualização, deixando todo o trabalho para os missionários”, diz o funcionário que prefere não se identificar.

O projeto cortará terras indígenas e quilombolas. Racismo Ambiental – Reprodução

 

O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi criado em 1910 e atuou até 1967, quando foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que atua até o dias atuais. Ele explica que a política de proteção é algo que veio com a Constituição de 1988, antes elas eram frentes de contato.

No que diz respeito aos indígenas isolados, com base na Constituição de 1988, em seu artigo 231, eles têm o direito à “política de não contato”. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, diz a lei.

 

Salvando almas?

No dia 2 de fevereiro deste ano, o pastor evangélico Ricardo Lopes Dias foi nomeado para o cargo de Coordenação das políticas de isolados. Lopes é reconhecido por executar a missão de “levar a palavra” para os “não alcançados”.

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Apesar do Brasil ser um estado laico e os indígenas terem o direito de manifestar suas culturas e crenças, o missionário é denunciado por entidades indígenas e pelos próprios índios de continuar evangelizando as pessoas.

Lopes é ligado ao movimento Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que desde 1950 evangeliza indígenas brasileiros e está com a nomeação em análise. No site da MNTB, eles dizem que estão presentes em mais de 40 etnias no Brasil, 2 países da África e 1 país da Ásia.

A entidade para a qual Ricardo Lopes Dias presta serviços, adquiriu ainda um helicóptero R66, que custa R$ 4 milhões, para facilitar o traslado dos missionários até as aldeias.

O MPF pediu a saída dele do cargo por incompatibilidade técnica e risco de retrocesso na política de não contato. Além de genocídio e etnocídio contra os povos indígenas. O processo está nas mãos da juíza titular Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília.

No entanto, em 27 de agosto, o indígena matsé, Jaime Mayoruna foi nomeado para exercer o cargo de Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Jari, no Amazonas, onde consta o maior número de isolados do Brasil. O indígena foi contactado por Lopes Dias, em Palmeira do Javari, no Amazonas.

O funcionário ligado à Funai e Sesai conta que não é segredo que diversas etnias foram extintas na América como um todo devido ao avanço de doenças na Amazônia. Na TI Nhamundá, os não indígenas relatam a presença de muitos povos isolados, que geralmente são migrantes e o risco do contato é justamente pelo genocídio.

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“Essas pessoas são muito frágeis. Desde 1500 eles passam por uma onda de epidemias  como essa que estamos vendo agora de coronavírus. Sob vários aspectos eles já viveram diversas vezes eventos que podemos chamar de “fim de mundo”, diz ele.

A atuação de evangelizadores levou organizações que atuam em defesa da causa indígena a apresentarem um relatório na Comissão de Direitos Humanos da ONU. O relatório aponta que o desmonte nas políticas ambientais do governo Bolsonaro são responsáveis por agravar a situação dos povos isolados e a Funai é o órgão com pior situação.

A violência contra os indígenas

Bolsonaro, desde a campanha, deixou claro que não teria compromisso com a preservação dos povos indígenas. Para o historiador Márcio Couto Henrique, doutor em história pela da Universidade Federal do Pará (UFPA), a nomeação de Lopes uma prova disso.

“A escolha que ele fez, de um evangélico na coordenação de índios isolados tem a ver com esse pensamento dele de que é necessário civilizar o índio. O discurso do Bolsonaro é um discurso totalmente atrasado, preconceituoso e é um discurso de violência contra as populações indígenas”, reforça.

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Couto destaca que o presidente está indo contra a própria constituição brasileira em suas ações.

“A constituição garante a esses grupos, que nós chamamos de isolados o direito de não manter contato e o Estado deveria garantir a proteção. Garantir a esses índios o direito que eles têm legalmente de fazer contato ou não, de fazer contato de bem quando fosse conveniente para eles, mas quando o Bolsonaro escolhe um evangélico para esse cargo tão importante, ele está sinalizando que esse cidadão vai colocar em prática essa perspectiva da evangelização, que vai ser uma verdadeira tragédia para os povos isolados do Brasil”, analisa.

Edição no Brasil de Fato por: Daniel Lamir

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