OLHARES

 

 

Texto escrito em 2 de setembro

 

Estava assistindo novamente — por lazer e, de certa forma, por interesse — “O Homem do Sputnik”, filme de chanchada com Oscarito, Zezé Macedo, Jô Soares e Norma Benguell. É um dos que considero mais divertidos desta fase do cinema. Uma das inúmeras obras cômicas, com caráter ligeiramente crítico, da dupla Carlos Manga (direção) e Cajado Filho (argumento e roteiro). Cajado Filho é, talvez, o autor preto com maior número de sucessos roteirizados em longa-metragem, além de ter feito boa bilheteria — mesmo nas consideradas mais fracas — na história do cinema nacional.

O filme narra, de forma satírica, a trajetória de um comerciante de ovos, Anastácio, que vai para a capital com sua esposa Diocleciana, a fim de pedir a reparação por suas galinhas mortas com a queda, em seu sítio, do satélite russo Sputnik, que está sendo procurado pelos centros de poder da chamada Guerra-fria, EUA e USSR. Em uma das cenas mais marcantes, Norma Benguell faz a francesa Bebé, sigla de Brigitte Bardot, e seduz o protagonista cantando.

Corta para Black

Fade in para uma vinheta em animação 3D, parecendo feita nos anos 90, com o planeta Terra sendo deformado e se transformando no Covid-19. O satélite Sputnik parte do planeta e começa a girar em torno dele. À medida que o satélite gira em torno do planeta consumido pelo vírus, saem descargas de energia que vêm restaurando a Terra à aparência original. Assim, surge a logo do Sputnik V, a proposta de vacina do governo Russo na corrida farmacêutica pela prevenção no combate ao Corona Vírus.

Buscando agora na internet, não encontro mais a animação da propaganda presente nos principais players de vídeos gratuitos — norte-americanos, of course. Só o encontro nas memórias de alguns poucos telejornais… Brasileiros! Corrida pela informação na internet também faz parte do jogo. Ou, como mencionam no filme — em um diálogo entre os espiões yankees e russos com Diocleciana, esposa de Anastácio –, “atrás da cortina está a verdade”, fazendo referência à chamada “cortina de ferro” da antiga União Soviética.

Essa é só a ilustração do que o mundo se tornou após a Segunda Guerra Mundial. Ele se dividiu binariamente — a princípio, por duas ideologias que não se apresentam como soluções para uma harmonia mundial. Até porque o movimento do mundo, desde os anos 1950, se baseia no movimento criado por um desses poderes em oposição ao outro. De novo surge uma batalha para impor que existe certo e errado e que o errado é o outro: o oposto do certo. Lembrando uma filosofia de botequim que o amigo Cataldo mencionou outro dia: no choque entre o mar e a pedra, quem se fode é sempre a sardinha.

Corta para a cena do “O Homem do Sputnik”, onde o “Camarada Karamazov”, do governo russo, recebe a informação de que o Sputnik teria caído no “Brazil”, diante de um casal de camponeses famintos.

Karamazov

– “Brazil”? Onde fica isso?

Camponesa

– Na América…

Karamazov e seus soldados se viram espantados para ela.

Camponesa

– (…), mas na debaixo.

O filme é de 1959, uma década antes da chegada à Lua, pelos norte-americanos. A América de cima.

A corrida espacial, disparada pela Guerra-fria, dura até os dias de hoje. Não acabou com a queda do muro de Berlim, nem com o “fim do apartheid”, na África do Sul. Os foguetes e misseis até tentam voltar ao espaço, mas, no momento, em busca de uma nova moradia para a humanidade. Mas Marte seria o Oásis para quem afinal?

Em paralelo à busca por novos condomínios mais distantes do Sol, a corrida da indústria farmacêutica pela tão sonhada vacina, que devolverá a liberdade de ir e vir aos povos escolhidos de cada país, persiste. Cito povos escolhidos pois há uma busca pelos povos não-escolhidos, que terão, ao menos, o “privilégio”, com muitas aspas, de serem testados primeiro com essas fórmulas urgentes e milagrosas oferecidas por impérios históricos mundiais, unindo-se a esses a China.

A França não está no protagonismo das ações, mas, sem siglas ou charme, tentou seduzir suas ex-colônias para servirem de cobaias para suas pesquisas na corrida por esta vacina.

Lógico que ao mencionar países, não ignoro que quem os coloca em xeque por suas iniciativas, por vezes genocidas, sempre são seus governantes. Em alguns casos fica difícil distanciar a história de uma nação do ato despropositado ou mal intencionado de quem está no comando naquele momento.

No mundo onde a informação, avançada e em tempo real, consegue gerar desinformação e onde processos de censura não são filtrados por máscaras e álcool em gel, todos esperam por uma vacina da qual ninguém quer ser o primeiro a experimentar.

Uma das piadas mais repetidas em “O Homem do Sputnik” pelos governos russo, norte-americano e francês é: “por que o Sputnik caiu no Brasil”?

E eu pergunto “por que será que o Brasil se tornou o destino preferencial dos experimentos da vacina?”

Se pensar que, no Brasil, se criou uma desconfiança sobre as vacinas em função do progressivo desmonte do sistema de saúde na última década, não é de se estranhar que sejamos um dos destinos preferenciais para teste destes diversos experimentos.

O Brasil, nesse momento, tem, sozinho, o número de mortos que o mundo tinha em meados de abril. O Brasil se tornou o mundo em 5 meses. E o Sputnik ainda nem deu o número de voltas necessária para o mundo infectado voltar a se restabelecer.