Por Marcelo Z Carota *

 

Esquerda reage, direita tradicional predomina, Bolsonaro é o grande perdedor

 

O resultado das eleições realizadas ontem (15) para escolha de prefeitos e vereadores em municípios dos 26 estados do Brasil (no Distrito Federal, não há eleições municipais) deixou evidente: o grande derrotado foi o presidente de ultradireita do país, Jair Bolsonaro (sem partido).

Após dois anos de seu mandato, a população do país não suporta mais o que ele, copiando seu ídolo, Donald Trump, adotou como políticas de governo: discursos de ódio; negacionismo da ciência no enfrentamento da pandemia de Covid-19; produção em escala industrial de fake news para mitificar sua imagem e tentar assassinar as reputações dos adversários e de cortinas de fumaça para abafar os escândalos de corrupção envolvendo seus filhos, sua mulher e seus aliados, todos blindados pela omissão do judiciário e da mídia do país; aparelhamento do Estado por pelotões de militares egressos da ditadura e fundamentalistas neopentecostais, todos sem qualquer preparo para a gestão de postos vitais à população, tais como Saúde, Educação, Infraestrutura.

Bolsonaro vive, pensa e age a todo instante como se o país não tivesse graves problemas econômicos, de desigualdade social que devolveu milhões ao Mapa Mundial da Fome, desemprego (13 milhões de trabalhadores fora do mercado formal), deixando que seu ministro da Economia, Paulo Guedes, qual um Chicago Boy, conclua o único projeto do governo que funciona de forma eficiente: a destruição total do Estado e da soberania do país, com especial apetite pela Petrobras.

Parte da rotina desse universo paralelo compreende mobilizar suas bases, as quais se resumem ao público virtual que mantém em seus perfis nas redes sociais e a uma claque que reúne regularmente à entrada do Palácio da Alvorada, a qual diverte com deboches aos adversários, ataques à imprensa, abraça, carrega crianças no colo – todos sem máscara, a começar por ele, para quem temer contaminação e morte pela pandemia é “coisa de maricas”. Ontem, porém, a realidade visitou Bolsonaro.

Ordem unida: direita, volver

O Brasil tem 212 milhões de habitantes, a esmagadora maioria não apenas está longe de Brasília, como também não tem acesso regular à internet, vivendo todos os problemas e dificuldades existentes na realidade que Bolsonaro renega. Deste total, 147,9 milhões são eleitores aptos a votar, dos quais, ontem, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 113 milhões foram às urnas.

Uma das maiores lideranças da esquerda brasileira, o pernambucano Miguel Arraes (1916-2005), dizia que “Na política, não existe vácuo”. Depois de dois anos vivendo em seu universo paralelo, falando apenas para os seus rebanhos, Bolsonaro descobriu a verdade das palavras de Arraes.

Eleitores de Valparaíso, Goiás, vão ás urnas para as eleições municipais 2020. Foto Marcelo Camargo, Agência Brasil.

Rebatizada de “centro” pelo mercado e pela mídia do país, já fartos do trumpismo à brasileira, e de olho nas eleições presidenciais de 2022, a direita tradicional foi a grande vencedora dos pleitos municipais, impondo a derrota mais sofrida a Bolsonaro, afinal, é composta por todos os partidos com os quais selou alianças para ter projetos de seu interesse aprovados, em troca dos quais despejou montanhas de dinheiro público, na forma de emendas parlamentares. Mas não basta dinheiro quando há poder envolvido, e as raposas destes partidos, percebendo o vácuo, ocuparam quase todas as praças que o presidente aliado trata como galinheiros.

Desses partidos da direita tradicional o que mais fincou bandeiras foi o Democratas (DEM), cuja liderança mais destacada é presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, que também sempre manteve uma relação dúbia com o governo, ora defendendo Bolsonaro, ora atacando seus ministros.

O DEM conquistou 398 prefeituras, sendo 3 delas em capitais: Curitiba, Florianópolis e Salvador, e poderá vencer mais uma justamente na terra de Rodrigo Maia, o Rio de Janeiro, onde Eduardo Paes é franco favorito contra o atual prefeito, Marcelo Crivella (REPUBLICANOS), apoiado por Bolsonaro.

Noutras capitais do país, já eleitos ou disputando segundo turno, candidatos dos demais partidos da direita tradicional: MDB, PSDB, PSB, PSD, CIDADANIA, PODEMOS, SOLIDARIEDADE, PSC, PP, PL, além do PDT, de centro-esquerda.

Maia comemorou as conquistas da direita com uma provocação: “Bolsonaro voltou ao seu tamanho natural, de antes da presidência”.

Não deixa de ser verdade, afinal, o presidente de ultradireita não conseguiu, até agora, eleger nenhum dos candidatos que apoiou, nem mesmo a candidata a vereadora Wal do Açaí, em Angra dos Reios (RJ), sua funcionária-fantasma quando deputado federal. Além disso, seu filho Carlos Bolsonaro (REPUBLICANOS) foi eleito para o quinto mandato de vereador, mas perdeu o status de mais votado, ficando atrás de Tarcísio Motta, do arquirrival PSOL – e é justamente esse tipo de derrota que mais irritou Bolsonaro.

A esquerda reage

Demonizar a esquerda, especialmente o (PT), pegando carona na já comprovada farsa da Operação Lava Jato, foi uma das plataformas mais exploradas por Bolsonaro em sua campanha à presidência – e a que mais votos lhe trouxe. Não à toa, convidou para assumir o Ministério da Justiça ninguém menos do que o principal ator da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro, que sem uma prova qualquer, usando manchetes e matérias da mídia, garantiu a prisão de Lula, abrindo caminho para a eleição de Bolsonaro. Não de hoje rompidos, Moro já começa a ser apresentado pela mesma mídia como potencial adversário do ex-chefe, em 2022.

Mas a esquerda brasileira, apesar de, infelizmente, ainda dividida, mostrou reação.

O PT elegeu 189 prefeitos, disputa o segundo turno com duas candidaturas em capitais, Vitória e Recife, onde a candidata, Marília Arraes, é neta do citado Miguel Arraes. Ela disputa a eleição tendo por adversário seu primo, João Campos (PSB), após eliminarem a candidata de Bolsonaro. O partido ainda disputa a prefeitura em 15 das 100 maiores cidades do país. Nada mal para quem, em 2016, elegeu apenas um prefeito numa destas cidades. Também elegeu 2.584 vereadores. Na Câmara Municipal de São Paulo, divide com o PSDB o status de partido com maior bancada, cada qual com 8 vereadores eleitos, e é do PT o vereador mais votado do país, o decano Eduardo Suplicy, reeleito com 167.427 votos.

Em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no extremo sul do país, região em que Bolsonaro teve muitos votos para a presidência, a comunista Manuela d’Ávila (PCdoB).disputará o segundo turno contra um candidato de direita, Sebastião Melo (MDB).

Foto Marcelo Camargo, Agência Brasil.

A conquista mais significativa da esquerda, entretanto, foi a obtida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), criado em 2004 por dissidentes do PT.

Num dos redutos mais conservadores do país, São Paulo, com tradição em eleger a direita, predominantemente o PSDB, e que foi determinante para a vitória da ultradireita personificada em Bolsonaro, o PSOL, com uma chapa puro-sangue, encabeçada por Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, e tendo por vice a veterana deputada federal Luiza Erundina, uma das fundadoras do PT, pelo qual foi eleita prefeita de São Paulo em 1988, chegou ao segundo turno com ampla folga sobre os adversários, entre eles o candidato apoiado por Bolsonaro, Celso Russomano (Republicanos), que terminou em 4º lugar no pleito.

Boulos e Erundina disputarão a vaga em pé de igualdade com o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), e já têm o declarado apoio de Jilmar Tatto, do PT, que disputou a eleição e terminou em 6º lugar, do ex-prefeito da cidade, o também petista Fernando Haddad, e do ex-presidente Lula.

Na Câmara Municipal da maior capital do país, o PSOL assumiu a terceira maior bancada, ao saltar de 2 vereadores, em 2016, para 6, com o pleito de ontem.

Além de São Paulo, o PSOL também disputa o segundo turno em Belém, capital do Pará, onde seu candidato, Edmilson Rodrigues, chegou com 11% à frente do candidato de direita, Delegado Federal Eguchi (PATRIOTAS).

Bolsonaro já estava dividindo seu tempo entre a agenda de insultos aos adversários e de animador de freak show, nas redes e para a sua claque em Brasília, e uma pré-campanha para 2022. Agora está claro que seu modus operandi não só não criou o bolsonarismo, como, sem Trump, sem influência e sem apoio popular, está isolado.

Para tentar mudar esta situação, primeiro, terá de sair do seu universo paralelo, o que já pode ser tarde demais, depois, governar de fato, mas, em dois anos de mandato, já provou que este não é o seu forte.

Pode ser o início do fim da ultradireita no Brasil, mas, pelo que se viu agora, a volta da direita tradicional, neoliberal, contra a qual caberá a esquerda imitar a adversária, ou seja: unir-se.


* Marcelo Carota é jornalista e escritor.
Blog: https//www.ladoz.medium.com