Em 1992, o Esquadrão Especial Antirroubo (que leva a sigla em inglês SARS – Special Anti-Robbery Squad) foi criado pelo Comissário da Polícia para conter uma onda de assaltos à mão armada na Nigéria. Em 2009, já havia se tornado uma unidade grande e poderosa, e seu foco se expandiu para além dos assaltantes armados, chegando aos fraudadores de internet. Tornou-se também uma organização fora de controle.

Membros dessa unidade podiam portar armas, dirigir carros não identificados e operar sem distintivos ou uniformes. Eles se tornaram conhecidos por seus assédios violentos a jovens nigerianos inocentes. E também forçavam esses jovens a sacarem dinheiro dos caixas eletrônicos e a fazerem transferências sob coerção.

Existem inúmeros exemplos de pessoas que foram estupradas, assediadas, açoitadas, extorquidas, feridas ou mortas pelo esquadrão.

Em 2016, foi lançada uma campanha pedindo a dissolução do Esquadrão Especial Antirroubo. Essa manifestação se espalhou e chamou atenção. Em três anos, a unidade foi reformada, revisada, descentralizada e desativada cerca de três ou quatro vezes, mas sem sucesso.

Então, no início de outubro, começaram os primeiros protestos contra o infame esquadrão da polícia. Um grupo, formado em sua grande parte por jovens, se reuniu em frente à Assembleia Estadual de Lagos para exigir o fim da unidade. Em poucos dias, milhares de manifestantes se reuniram em 100 cidades ao redor do mundo, colocando a hashtag #EndSARS entre os trending topics.

O governo anunciou em 11 de outubro que, mais uma vez, estava dissolvendo o Esquadrão Especial Antirroubo, mas os manifestantes não desistiram. Eles agora estão clamando por reformas mais amplas na polícia. Adejuwon Soyinka (jornalista e editor da plataforma The Conversation, divisão África) pediu a Damilola Agbalajobi (cientista política e conferencista – Universidade Obafemi Awolowo) que explicasse por que esses protestos são diferentes e quais poderiam ser suas implicações políticas.

O que torna esses protestos diferentes?

Em primeiro lugar, o protesto não é apenas sobre o Esquadrão Especial Antirroubo e sim o resultado da raiva reprimida contra as políticas desumanizantes do governo, má administração, injustiça, fome e também contra os altos preços da energia e dos combustíveis, o que culminou em um efeito cumulativo.

E é por isso que os manifestantes se recusaram a encerrar sua ação. Eles a enxergam como uma oportunidade única em suas vidas para lidarem com as injustiças nacionais que se apresentam críticas.

Esta geração de jovens nigerianos está fazendo um bom trabalho. Há uma boa coordenação, foram feitos arranjos para comida e água, bem como música para mantê-los ocupados. Eles têm equipe médica de prontidão, ambulâncias e banheiros móveis à disposição.

Contrataram seguranças particulares para proteção, levantaram dinheiro para suas necessidades e garantiram que as propriedades locais estejam seguras. E também deixaram claro que não têm um líder, o que pode ser resultado da desconfiança inspirada por líderes anteriores.

A Nigéria é considerada a capital mundial da pobreza. Mesmo assim, os jovens nigerianos protestam há mais de uma semana em todo país sem saquear lojas. E garantiram que as ruas serão limpas diariamente, após cada protesto, e que não haverá violência ou ilegalidade.

Outro fator-chave que torna este protesto único é o uso das redes sociais. A maneira como isso ajudou a mobilizar os manifestantes não tem precedentes.

Por que os protestos foram promovidos por jovens nigerianos?

Mais de 70% da população está abaixo dos 30 anos de idade. O desemprego atingiu 21,7 milhões no segundo trimestre de 2020 e os jovens correspondem a 13,9 milhões destes números.

Os jovens nigerianos são, portanto, os mais afetados pelas políticas governamentais que levaram à falta de emprego e de outras fontes significativas de sustento. Outro gatilho inclui o estilo de vida luxuoso que os líderes políticos levam – e o orçamento do governo direciona mais dinheiro para os membros da Assembleia Nacional do que para a saúde e para a educação.

Existem lições importantes nestes protestos?

Uma lição é que um novo contrato social está sendo escrito. Os nigerianos estão criando uma nova compreensão de como os líderes e funcionários públicos devem se relacionar com os cidadãos.

Em segundo lugar, os jovens estão reinventando a governança na Nigéria e trazendo uma nova cultura de afirmação de direitos entre os cidadãos.

A maioria dos manifestantes nunca viveu sob o regime militar. Isso é relevante?

Os 30% dos nigerianos que são adultos e passaram pelo regime militar parecem ter isso profundamente gravado em sua psique. Eles têm medo de homens de uniforme. E isso se tornou parte da condição dos nigerianos.

No entanto, os jovens acreditam que os homens de uniforme devem servir aos cidadãos e protegê-los. É uma relação completamente diferente. Os jovens estão mais propensos ao fato de que as coisas podem ser melhores e estão prontos a tomar seus destinos em suas mãos. Eles querem reinventar o país e torná-lo um lugar melhor para se viver.

O acesso dos jovens à internet também possibilita a comunicação; com isso, eles são capazes de alcançar o mundo de seus quartos.

A história do regime militar da Nigéria está desaparecendo?

A história e a experiência que a Nigéria teve durante a era militar não ressoam tanto entre os jovens nigerianos. Mas eles devem ter lido livros de História e, portanto, não desconhecem o passado. Porém, provaram não ser dissuadidos pelo uso de qualquer tipo de força.

A exclusão política dos jovens teve algum papel?

Por muitos anos, a Nigéria tem sido governada por líderes bastante idosos e eles não conseguiram encontrar soluções para os desafios da nação. A corrupção e a fome são abundantes. É óbvio que os jovens nigerianos se sentem alienados e agora estão prontos para tomar as rédeas e garantir uma boa governança.

Quais são as prováveis implicações políticas dos protestos?

Políticos e líderes estão despertando para uma nova sociedade politicamente consciente. Leia o comentário do governador do estado de Ekiti, Kayode Fayemi:

“Não há nada de errado no que os jovens estão fazendo. Acho que devemos incentivá-los a fazer mais perguntas”.

Vários governos estaduais estão começando a perceber a importância de ter um bom relacionamento com os jovens. Dado o despertar desta nova consciência política, as coisas mudam de figura para os líderes políticos do país.


Traduzido do inglês por Marcela APS Pedroso / Revisado por Thais Bueno

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