Por VijayPrashad¹ e John Ross²

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apoiado pela maior parte do Establishment estadunidense, aprofundou o ataque do governo dos Estados Unidos à economia chinesa.  A “guerra comercial” parecia ser uma boa estratégia para a base política de Trump, que de alguma forma esperava que um ataque econômico à China pudesse milagrosamente criar prosperidade econômica para os EUA. Em 2018, Trump impôs tarifas sobre mais de 200 bilhões de dólares em vários produtos chineses. Em seguida, a administração de Trump foi atrás de empresas chinesas de alta tecnologia, como Huawei, ZTE, ByteDance (os proprietários do TikTok) e WeChat.

Nada disso funcionou muito bem. Trump enfrenta julgamentos legais negativos sobre sua “guerra comercial” e a economia dos Estados Unidos escorrega em um território pessimista. E não é apenas Trump. Tanto o Partido Republicano quanto o Partido Democrata estão comprometidos com uma política que não levará a China a se render às ambições estadunidenses. Se os EUA podem ou não voltar atrás nesta orientação política e iniciar um diálogo com a China ainda não se sabe; fazer isso, sem dúvidas, seria desejável.

Contratempos legais

Os desafios legais na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Norte da Califórnia foram contra a administração de Trump. Este é um contratempo para a orientação política do governo dos Estados Unidos.

Depois que Trump anunciou as tarifas contra uma ampla gama de importações chinesas, o governo chinês assumiu formalmente o assunto por meio do mecanismo de disputa da OMC. Após um estudo significativo, a OMC voltou com um veredicto.  Em 15 de setembro de 2020, um painel de três pessoas da OMC concluiu que os EUA haviam violado as disposições do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (GATT), o tratado que estabeleceu a própria OMC.  Esta foi uma derrota importante para os Estados Unidos; a administração de Trump tem 60 dias para entrar com um recurso.

O governo dos Estados Unidos não gosta de perder. O representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, divulgou uma declaração condenando a decisão. “Este relatório do painel”, disse Lighthizer, “confirma o que o governo Trump vem dizendo há quatro anos: a OMC é completamente inadequada para impedir as práticas tecnológicas prejudiciais da China”.  Os EUA paralisaram a capacidade da OMC de emitir um veredicto vinculante final, uma vez que o tribunal de apelações da OMC não está mais funcionando devido à recusa de Washington em aceitar novos membros.

Em 1994, os EUA pressionaram pela criação da OMC, redigiram muitas de suas regras e trouxeram a China para a OMC em 2001. Como os EUA se sentiam no comando do mundo, a OMC trabalhou para promover seus interesses; agora que a economia da China cresceu em força, os EUA consideram as regras da OMC onerosas. O livre comércio só é útil para governos, como o dos Estados Unidos, quando é benéfico para suas empresas; caso contrário, o princípio do livre comércio é facilmente rejeitado.

Mesmo dentro dos EUA, há dúvidas sobre as políticas de Trump. Um juiz assinou um mandado de segurança para deter a tentativa de Trump de impedir que os residentes dos EUA usem o WeChat como meio de comunicação com pessoas na China.  A pressão sobre o TikTok também pode se dissipar após as eleições dos Estados Unidos.

Divergência Econômica 

Um analista sênior do Federal Reserve Bank de St. Louis diz que o impacto econômico do lockdown “caótico” nos EUA criará grandes transtornos por pelo menos uma geração. É improvável, diz ele, que os Estados Unidos sejam capazes de “se recuperar facilmente”. Quando questionado sobre a recuperação da China, ele disse que, até o momento, as coisas parecem muito melhores. Mas qualquer dependência persistente da China no mercado dos EUA terá um impacto negativo em seu crescimento.

A China basicamente quebrou a cadeia de infecção do Covid-19, embora as autoridades permaneçam vigilantes para novos surtos. Já nos Estados Unidos, é difícil falar em uma segunda onda, pois a primeira ainda não atingiu seu pico.

O que isso significa é que já no segundo trimestre de 2020, o produto interno bruto (PIB) da China aumentou para 3,2% em relação ao índice do ano anterior; enquanto isso, o PIB dos EUA caiu 9% em comparação ao mesmo período. A China já está se recuperando, enquanto os EUA nem sabem se a infecção já atingiu seu auge ou não.

Os EUA e a China publicam medidas um tanto diferentes da produção industrial, mas o contraste é tão marcante que não deixa dúvidas quanto às tendências relativas. A China publica dados para o valor agregado total por empresas industriais, que em agosto de 2020 foi 5,6% maior do que no ano anterior, enquanto, em contraste, a produção industrial dos EUA em agosto de 2020 foi 7,7% menor do que em 2019.  O nível de produção industrial da China era maior do que seu nível um ano antes, enquanto o dos EUA estava bem abaixo dele.

Como resultado da retomada econômica mais dinâmica da China, o comércio chinês está se recuperando rapidamente em comparação com o comércio estadunidense. Isso fica evidente para as importações – que para outros países são suas exportações. Em julho, o último mês para o qual há dados relacionados aos Estados Unidos e à China, as importações da China quase recuperaram os níveis pré-pandêmicos – sendo apenas cerca de 1% menor do que no ano anterior. Em contraste, as importações dos EUA ainda estavam cerca de 11% abaixo em relação ao ano anterior.

O resultado dessas tendências é que a China será o centro da retomada econômica mundial após o cenário de recessão durante a pandemia de Covid-19 – enquanto os EUA não contribuirão com quase nada nesse sentido.

As últimas projeções globais do FMI indicam que em 2020-2021, a China será responsável pela maioria absoluta de 51% do crescimento mundial, e os Estados Unidos por apenas 3% – e as últimas previsões do FMI para os EUA indicam que isso pode ser uma previsão exagerada de seu crescimento. A maioria dos outros contribuintes para o crescimento mundial, de acordo com a análise do FMI, serão as economias asiáticas que têm fortes relações comerciais com a China – Coréia do Sul, Indonésia, Filipinas, Vietnã e Malásia.

Para analisar a situação global, o impacto da crise de Covid-19 tem uma repercussão muito dramática sobre o padrão de desenvolvimento da economia mundial, dividido entre economias em desenvolvimento e economias avançadas. Os dados nas projeções do FMI mostram que em 2021 o PIB nas economias avançadas ainda estará 3,6% abaixo do seu nível em 2019, enquanto nas economias em desenvolvimento será 2,7% acima. Esta é uma distribuição importante do crescimento econômico mundial a favor das economias em desenvolvimento e contra as economias mais avançadas.

As estimativas de abril do FMI indicam que em 2020-2021 mais de 95% do crescimento econômico mundial ocorrerá nas economias em desenvolvimento – os dados do banco de dados do World Economic Outlook de abril do FMI projetam que 51% do crescimento mundial ocorrerá na China e 44% em outras economias em desenvolvimento. Menos de 5% do crescimento econômico mundial ocorrerá nas economias avançadas.

Ao tentar reorientar o comércio mundial para fora da China e dentro dos Estados Unidos, estes estão, portanto, tentando fechar outros países em subordinação a seu próprio crescimento muito baixo, em vez da economia de crescimento mais avançada ocorrendo na China. Isso é evidentemente muito prejudicial para as economias dos outros países.

Este artigo foi produzido pela Globetrotter.


¹ Historiador, editor e jornalista indiano. Trabalha como escritor e correspondente chefe da Globetrotter. Também é o editor-chefe da LeftWord Books, diretor do Tricontinental: Institute for Social Research e um membro sênior não residente do Instituto de Estudos Financeiros de Chongyang, da Universidade Renmin da China. Escreveu mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seu último livro é Washington Bullets, com introdução de Evo Morales Ayma.
² Membro sênior do Instituto de Estudos Financeiros de Chongyang, da Universidade Renmin da China. Anteriormente foi diretor de política econômica para o prefeito de Londres.

 

Traduzido do inglês por Marcella Santiago / Revisado por Isabela Gonçalves