Será que as eleições de outubro reservam promessas para a comunidade LGBTQ da Lituânia? Enquanto grandes partidos voltaram atrás em questões como a legalização da união homoafetiva, os eleitores LGBTQ e aliados agora têm mais opções de voto do que em eleições anteriores, alega Simonas Bartulis.

Países bálticos em foco. As redes de Rádio e Televisão Lituanas dão vez e voz a um fórum de especialistas dessa região. “Sobretudo, não há liberdade para os lituanos. Há liberdade apenas para os homossexualistas [sic], transexualistas e lésbicas”, diz Astra Astrasukaitè, candidato do partido de centro, durante um debate eleitoral recentemente televisionado.

A citação ilustra um mito popular na Lituânia, de que os direitos LGBTQ receberam atenção desproporcional e seus ativistas têm ganho todas as disputas políticas até então. O mito, repetido com frequência por conservadores e tradicionalistas, serve para desviar o foco da questão: sustentando que os direitos da comunidade LGBT vêm sendo assegurados ao máximo, ou atacando-os como se fossem uma conspiração totalitarista e gananciosa.

Este mito é tão incorreto quanto exagerado. A verdade é que muito da política de direitos humanos lituana é pouco positiva há décadas, em especial para tópicos mais controversos. O último esforço para trazer à tona os direitos da comunidade LGBTQ lituana foi em 2004, quando o Seimas (Parlamento da Lituânia) conseguiu a aprovação da Lei de Oportunidades Iguais. Desde então, melhorias marginais surgiram nos tribunais (regionais ou europeus), mas não pela legislação.

Retrocesso

No entanto, só os tribunais não são uma medida duradoura para assegurar os direitos da minoria, nem deveriam ser o principal meio de convencer a sociedade da necessidade de proteção aos direitos LGBTQ.

Em termos de legislação, houve desgaste nos direitos LGBTQ. Na última década, o Seimas alterou a Lei de Proteção ao Menor para censurar informações sobre a comunidade LGBT. A lei acaba de ser usada ano passado para este fim. Em 2017, a Family Strengthening Law (Lei de Fortelecimento da Família) ganhou força, excluindo lares não tradicionais da definição de família.

Dado o desgaste dos direitos LGBTQ da Lituânia, será que as próximas eleições irão contra a corrente?

Posicionamento dos Partidos

Se observarmos, a candidata que lidera as pesquisas do partido conservador Homeland Union (União da Pátria – TS-LKD), apoiava muito mais a união homoafetiva do que agora. Nos debates, Ingrida Šimonytė se recusa a responder à pergunta, ao dizer que o partido não tem uma opinião unificada sobre a questão. As eleições presidenciais diferem da partidária, na qual ela tinha mais liberdade para dar sua opinião.

Mesmo antes das eleições de 2016, o partido estava mais acomodado com seu líder Gabrielius Landsbergis expressando seu apoio pela legalização da união homoafetiva em debate. Portanto, a tática de fugir da pergunta que o partido adota agora é decepcionante.

Mudanças internas dentro do partido TS-LKD provavelmente contribuíram para um retrocesso em relação aos direitos LGBTQ, como o apoio de membros do Partido como Laurynas Kasčiūnas e Paulius Saudargas em recente votação interna, o que inevitavelmente firmou posições mais conservadoras de estratégias de campanha e plataformas políticas.

O atual partido no poder, o Farmers and Greens Union (União dos Camponeses e Verdes Lituanos – LVŽS), que é apontado como segundo colocado bem próximo aos conservadores, também consolidou posição hostil aos LGBTQs. Havia esperança em 2016, de que parte do partido daria apoio ou seria neutro a questões ligadas à neutralidade de gênero na união estável, mas essa esperança desapareceu.

Membros progressistas dos LVŽS, como Dovilė Šakalienė, saíram do partido, e o primeiro-ministro Saulius Skvernelis, visto até o início de seu mandato como moderado em questões sociais, abraçou a ala mais conservadora do partido, representada por Ramūnas Karbauskis e Agnė Širinskienė.

Mesmo que algumas pessoas ainda digam que o LVŽS tem políticos a favor da causa LGBTQ, como Tomas Tomilinas, o partido tem passado muitas leis anti-LGBTQ, como a definição de que a união é entre parceiros comerciais, e não membros de família.

À Direita

A competição pode ser um dos motivos pelo qual os partidos retrocederam. Tanto o TS-LKD quanto o LVŽS estão no meio de questões sociais, comprometidos a disputar por votos com pontos de vista mais conservadores.

Além disso, os partidos de centro-direita podem estar sentindo pressão de novos partidos, que fazem campanha às suas custas. Por exemplo a Nacionalinis Susivienijimas (Aliança Nacional) e a Krikščionių Sąjunga (Aliança Cristã) têm atacado diretamente à TS-LKD por terem alegado se que tornaram sócio-liberais ao extremo.

Conforme as pesquisas, é improvável que qualquer partido pequeno de direita consiga mais de 5% dos votos e entre para o Seimas. No entanto, a força desses partidos vem da perícia em pautar questões sociais como os direitos LGBTQ. Para o TS-LKD e o LVŽS, faz sentido manter suas posições anti-LGBTQ no novo parlamento como defesa aos ataques.

Mais do que usar a comunidade LGBTQ para ampliar sua base de votos, os partidos têm histórico consistente de leis anti-LGBTQ. Kasčiūnas e seus partidários conservadores defendem em debates a restrição de família como casamento entre sexos opostos, e chegou a propor leis que proibissem a cirurgia de confirmação de gênero. O LVŽS também lutou ativamente contra os esforços para introduzir uma união estável neutra em termos de gênero. Outros partidos menores têm pautas ainda mais conservadoras.

Desdobramentos possíveis

Espera-se que o maior número de vagas no Seimas seja para o TS-LKD e o LVŽS. É difícil prever um parlamento que avance em qualquer aspecto dos direitos LGBTQ.

Por outro lado, nem todas as mudanças dos últimos quatro anos foram desanimadoras.

O Liberal Movement (Movimento Liberal) manteve sua posição a favor da união homoafetiva, mesmo sendo pouco claros a esse respeito durante sua campanha. O novo Freedom Party (Partido da Liberdade) dá esperança a muitos eleitores LGBTQ.

Com Tomas Raskevičius, candidato assumidamente gay, no topo da lista, o partido é o que mais foca sua pauta nos direitos LGBTQ. Sua plataforma é inflexível e inclui tanto propostas de casamentos entre pessoas de mesmo sexo, quanto direito às pessoas transgêneras. O partido adota uma campanha radical acerca de questões controversas, por serem pequenos, mas há dúvidas se terão chances de conseguir ultrapassar a barreira dos 5% para entrar no Seimas.

A mudança mais dramática pode vir dos Sociais-Democratas (LSDP). Sua pauta hoje, atende à maioria das posições que os ativistas LGBTQ pedem, incluindo o fim da censura anti-LGBTQ, apoio à neutralidade de gênero em uniões estáveis e direitos às pessoas transexuais. É um passo enorme para um partido, cujo Ministro da Justica e ex-membro, chegou a dizer que união homoafetiva era apenas publicidade.

O LSDP é apontado como terceiro colocado nas pesquisas, e pode se tornar o maior apoio político a favor da comunidade LGBTQ no parlamento da Lituânia. Muitas pessoas estão felizes em ver que a mudança a favor da comunidade LGBTQ é apoiada pela liderança e por Gintautas Paluckas.

No entanto, alguns membros da comunidade gay ainda se mantêm cautelosos, e não apenas por causa do mau histórico do partido. Assim como a maior parte dos partidos em 2020, o LSDP não está militando ativamente políticas a favor dos LGBTs como o Freedom Party. Provavelmente por medo de afastar seus eleitores moderados.

A preocupação entre muitos da comunidade gay é se o LSDP está disposto a gastar recursos para apoiar seus direitos no novo Seimas.

Em resumo, os eleitores LGBTQ e todos aqueles que dão importância à causa, estão divididos entre o Freedom Party (ou Liberal Movement) e os Sociais-Democratas.

Hoje, esses eleitores têm mais escolhas  do que no passado, o que é um sinal de progresso.

Por outro lado, o crescente apoio à comunidade LGBTQ em diversos partidos, não muda a tendência atual de que os LGBTQs não têm seus direitos respeitados.

Simonas Bartulis é filósofo, graduado em política e economia em Yale-NUS. Reside em Singapura, trabalha como consultor educacional escreve sobre direitos humanos e questões LGBTQ.


Traduzido do inglês por Fabricio Altran / Revisado por José Luiz Corrêa da Silva

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