“Ninguém me contou, eu estava lá na mesa ao lado de Sérgio Amadeu, Sabrina Fernandes e Gregório Duvivier, além do próprio Glenn. O clima de tensão era enorme. Nossas falas eram interrompidas por rojões”, afirmou Castilho

Por Alceu Castilho

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A miserável imprensa brasileira conseguiu esconder – ou amortecer – o que aconteceu de principal, ontem, em Paraty: rojões foram atirados contra a mesa onde estava o jornalista Glenn Greenwald e na direção de uma multidão com pelo menos mil pessoas, por um grupo de apoiadores barulhentos do juiz Sérgio Moro. Ironicamente, durante um debate sobre “Jornalismo em tempos de Lava Jato”.

Os rojões foram disparados por dois homicidas em potencial. Chegaram bem perto do barco pirata da Flipei. Mas os coleguinhas da imprensa preferiram outras narrativas. Como se não fosse essa a notícia, em qualquer lugar sério do mundo. E não apenas o fato de os fascistas (não, não usaram essa palavra exata) terem abafado com som alto boa parte do debate.

O Globo foi quem chegou mais perto da notícia. Ainda que a tenha confinado ao subtítulo. Os demais veículos, nem isso. Folha e UOL tinham pelo menos três repórteres no local, fora os fotógrafos, mas elas preferiram passar ao largo do atentado – contra a liberdade de expressão e contra uma multidão.

Ninguém me contou, eu estava lá (embora o 247 tenha amputado minha participação), na mesa ao lado de Sérgio Amadeu, Sabrina Fernandes e Gregório Duvivier, além do próprio Glenn. O clima de tensão era enorme. Nossas falas eram interrompidas por rojões. O início do debate quase não foi ouvido pelo público.

Uma das repórteres da Folha, curiosamente convidada pelos organizadores da Flipei para acompanhar Glenn na chegada ao barco, em uma voadeira, escreveu um texto deslumbrado com o próprio furo. Mas não enxergou maior importância nos rojões, disparados na horizontal. Em determinado momento do texto, pareceu indignada ao informar que os organizadores infiltraram-se em grupos de Whatsapp da extrema-direita.

Sim, repórter, e foi com isso que eles souberam que haveria a manifestação. O que possibilitou a interrupção da passagem pela ponte – já que a polícia (indiferente ao atentado, assim como a organização da Flip) se entrincheirou por ali. Esse que foi o grande pecado político dos últimos dias? Ficar à mercê de uns rojõezinhos na cabeça, como você ficou, como eu fiquei, tudo bem, né?

Estamos tentando fazer jornalismo em tempos de barbárie. A Lava Jato é apenas uma expressão com resquícios de legalidade dessa violência abjeta, dessa celebração do grotesco. Um simulacro nadando no pântano, em meio a esta radicalização da história brasileira da infâmia.

Alguns de nós, jornalistas, continuaremos resistindo. Outros preferem fazer de conta que são intrépidos repórteres independentes, até mesmo “investigativos”, quando estão a serviço de uma narrativa putrefata – a de que ainda vivemos em tempos normais.

E não diante de gente que tem quase alguma ideia na cabeça. E alguns rojões na mão.