Por Mario Osava

Os brasileiros se sentem sufocados pela chuva de informações sobre os enormes tentáculos de corrupção com que operou a maior construtora do país, a Odebrecht, um conglomerado de empresas com presença em dezenas de setores e países. Mas o império empresarial construído por três gerações da família Odebrecht está desmoronando em três anos da Operação Lava Jato, investigação do Ministério Público Federal, que apura a corrupção que desviou milhares de milhões de dólares dos grandes negócios do grupo petroleiro estatal Petrobras.

Marcelo Odebrecht, que presidiu o grupo de 2008 a dezembro de 2015, está detido desde junho de 2015 e foi condenado em primeira instância a 19 anos de prisão. Em outubro, deixou de resistir e aceitou colaborar com as investigações judiciais, como decisão empresarial. Um total de 77 dirigentes do grupo, boa parte já afastada de suas funções, apresentou mais de 900 testemunhos a procuradores da Lava Jato, provocando um terremoto entre políticos brasileiros e por toda a América Latina.

O compromisso é revelar todas as ilegalidades cometidas pela empresa e por seus agentes nos países onde já foram identificadas práticas de suborno para obtenção de contratos para obras públicas. O Departamento de Justiça norte-americano divulgou em dezembro que a Odebrecht destinou supostamente US$ 1,038 bilhão para subornar políticos e funcionários governamentais em dez países latino-americanos e dois africanos, incluído o Brasil, onde ficou 57,7% dessa quantia.

Os Estados Unidos fazem suas próprias investigações, que podem culminar com condenações penais locais, porque várias empresas do conglomerado, como a construtora e a petroquímica Braskem, operam nesse país e suas ações são cotadas na Bolsa de Nova York. Isso também acontece com a Petrobras, considerada vítima da corrupção em seus megaprojetos de extração e submetida a várias investigações judiciais por parte de possuidores de ações nos Estados Unidos.

Esse país mais a Suíça, cujos bancos foram usados para ocultar ou legitimar capitais ilegais, assinaram acordos de cooperação com o Judiciário brasileiro, na atual ofensiva contra a corrupção em solo brasileiro. Os efeitos são esmagadores. No Brasil, espera-se que as revelações do ex-presidente da Odebrecht provoquem um tsunami na política. Fala-se de duas centenas de parlamentares e governantes que teriam recebido subornos, inclusive membros das cúpulas atuais dos poderes Executivo e Legislativo.

O grupo empresarial havia criado um departamento especializado na compra e no pagamento de favores, que, segundo a justiça norte-americana, resultava ser um bom negócio. Cada dólar “investido” em subornos produzia US$ 12 em contratos. Essa estimativa se baseia em mais de cem projetos executados ou em andamento na Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela, mais os africanos Angola e Moçambique.

Parte do vale de Caracas, vista do Metrocable de San Agustín, uma das inúmeras obras tocadas pela Odebrecht na Venezuela durante o governo de Hugo Chávez (1999-2013. Foto: Raúl Límaco/IPS

 

A ordem de detenção solicitada por tribunais peruanos contra o ex-presidente do país Alejandro Toledo (2001-2006), que residiria nos Estados Unidos, e denúncias envolvendo os atuais presidentes da Colômbia, Juan Manuel Santos, e do Panamá, Juan Carlos Varela, constituem apenas a ponta do iceberg. Ainda não se sabe o que revelaram os dirigentes e ex-dirigentes da Odebrecht, como ex-diretores da área externa do conglomerado e ex-presidentes de braços especializados em infraestrutura, engenharia industrial ou logística.

Espera-se que, nos próximos meses, novos números sobre supostos subornos sejam acrescentados aos já revelados nos Estados Unidos, encabeçados pelos US$ 599 milhões distribuídos no Brasil, US$ 98 milhões na Venezuela, US$ 92 milhões na República Dominicana, US$59 milhões no Panamá e US$ 50 milhões em Angola. No Peru, foram “apenas” US$ 29 milhões desde 2005. É pouco, considerando que somente no gasoduto do Sul, ainda em construção, os investimentos previstos somam US$ 7 bilhões. O governo peruano já decidiu retirar o controle dessa obra das mãos da Odebrecht.

A Rodovia Interoceânica, que cruza o sul peruano desde a fronteira com o Brasil até portos no Oceano Pacífico, envolve, junto com a Odebrecht, outras três construtoras brasileiras – Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão –, todas investigadas por suspeita de corrupção. Durante a presidência de Alan Garcia (2006-2011), foi assinado com o Brasil um acordo para a construção de cinco grandes hidrelétricas no Peru, anulado por seu sucessor, Ollanta Humala (2011-2016) que, no entanto, tem sua campanha eleitoral sob suspeita de ter recebido US$ 3 milhões brasileiros.

A Odebrecht, que tem a concessão de Chaglla, a terceira maior hidrelétrica do Peru, com 462 megawatts de potência, seria a principal construtora das novas usinas. A multiplicação dos escândalos locais ou setoriais lança luz sobre os tentáculos dessa construtora. A Braskem, braço petroquímico do grupo, é acusada de distribuir US$ 250 milhões em subornos para apoiar seu papel de líder em produção de resinas termoplásticas, com 36 fábricas no Brasil e nos Estados Unidos, além da Alemanha.

O império, nascido em 1944 como uma simples construtora, foi se diversificando no último meio século e se expandiu para atividades tão diversas como a agroindústria da cana-de-açúcar, o desenvolvimento de tecnologias militares ou empresas de serviços petroleiros, de logística e de indústria naval, entre outras. No começo dos anos 1970, construiu a sede da Petrobras, selando uma relação que desembocou no desastre atual, que destruiu a reputação da empresa orgulhosa de sua “Tecnologia Empresarial”, um conjunto de princípios éticos e operacionais ao qual se atribuiu sua rápida expansão, mas que não previu a corrupção.

Pode-se atribuir o auge do conglomerado à sua visão estratégica e um modo de operar que teve sucesso até começar a Operação Lava Jato: ser “amigo do rei” era parte de seus métodos. Angola é o melhor exemplo. O ainda presidente do Conselho de Administração do grupo, Emilio Odebrecht, filho do fundador Norberto Odebrecht, se reúne anualmente com o presidente angolano José Eduardo dos Santos, em Luanda, para discutir projetos para o país. Oficialmente, trata-se de fazer um balanço das obras executadas pela empresa e definir novas metas.

Essa prerrogativa do grande empresário se justifica pela forte presença de sua construtora nas obras vitais de Angola, um país em reconstrução, nas áreas de energia, recursos hídricos, rodovias e urbanização. A Odebrecht conta com um prestígio único nesse país, desde que construiu a hidrelétrica de Capanda, no rio Kwanza, entre 1984 e 2007, com interrupção e riscos devido à guerra civil (1975-2002). Agora constrói a maior central angolana, Lauca, também no rio Kwanza, com capacidade de 2.067 megawatts.

Sua onipresença em Angola leva a empresa a administrar o Belas Shopping, centro comercial de luxo no sul de Luanda, executar o plano hídrico para abastecer a capital, preparar a primeira parte do distrito industrial na periferia da capital, construir conjuntos habitacionais, e recuperar a indústria açucareira angolana.

Em Cuba a construtora também cuidou do estratégico projeto da ampliação do Porto Mariel e da gestão de uma central açucareira, em busca de recuperar esse decaído setor cubano. Em outros países, como Panamá, Peru e Venezuela, se destaca a quantidade de obras e projetos a cargo da empresa brasileira, em áreas tão diversas como transportes urbanos, estradas e pontes, portos, centrais elétricas, hidrocarbonos e, inclusive, agricultura.

Esse ciclo expansionista acabou. Muito endividada, com seu faturamento desmoronando, sem acesso a crédito, inclusive em bancos de fomento brasileiros, e com o estigma de corruptor, o conglomerado procura colaborar com a justiça dos países envolvidos, tentando acordos que lhe permitam continuar operando e se recuperar mais adiante. Agora resta saber se a Odebrecht é “tão grande que não pode quebrar”, com se disse de alguns bancos na crise mundial iniciada em 2008.