Adriana Paz Lameirão*, especial para o Jornalismo B | Em 14 Jun 2016

Na noite do dia 12 de maio, fui chamada a ir à escola Júlio de Castilhos, o tradicional Julinho, em Porto Alegre, por minha filha. Cheguei a tempo de assistir a assembleia dos alunos que deliberou pela ocupação de 24 horas. No momento em que este artigo é escrito, já são pelo menos 40 escolas ocupadas pelos estudantes secundaristas no Rio Grande do Sul, todos em luta por Educação. A partir do dia 16 de maio, uma greve dos professores estaduais somou-se a essa luta.

Desde o dia 12, um grupo de pais tem dado suporte à ocupação do Julinho, seja levando alimentos, cobertas e agasalhos, seja participando de assembleias, rodas de conversas ou, até mesmo, integrando algum grupo de trabalho (as comissões). Eu e outra mãe, juntamente com alguns professores, passamos a noite de quinta para sexta com eles na escola. Nós, mães, fomos as primeiras integrantes da Comissão de Alimentação, que, no dia seguinte, foi assumida inteiramente pelos próprios alunos.

Por que eles ocuparam a escola? Nas palavras dos próprios alunos, a ocupação foi uma ação política com vistas a “chamar a atenção para uma demanda que, por outros meios, tem sido ignorada pelos governantes”, que é a situação da educação no Rio Grande do Sul. Essa forma de ação política se justifica, segundo eles, porque “não é de hoje que nossas escolas estão com problemas de infra-estrutura, porém, o governo ignora as reivindicações de diretoras/es de escolas e as denúncias do próprio Cpers acerca disso”. E complementam: “para piorar a situação, o atual governo tem atrasado o repasse das verbas para as escolas, motivo pelo qual suas direções não podem tomar providências quanto ao conserto ou manutenção dos problemas que aparecem e têm se acumulado”. Mais: “a ocupação nada mais é do que nós, estudantes, gritando que a educação pública do RS precisa de socorro. É a nossa única esperança de sermos ouvidos!”

Porém, suas motivações não se encerram na situação da infra-estrutura da escola. Em suas reuniões e assembléias, eles têm demonstrado preocupação com o Projeto de Lei OSCIPs, que é uma forma de privatização mascarada do ensino público estadual, e o Projeto de Lei Escola sem Partidos, que poderá significar o cerceamento da liberdade de expressão e reivindicação de alunos e professores no ambiente escolar. Portanto, é uma pauta mais do que legítima, pois coloca luz em políticas de desmonte da educação pública e de censura no ambiente escolar, que vêm sendo tramitadas em silêncio na Assembleia Legislativa do RS, que tem ampla maioria governista e pode aprovar facilmente esses projetos à revelia dos interesses dos estudantes e de toda a comunidade escolar. Também reivindicam uma educação de qualidade e. no entendimento deles, isso passa pela valorização dos professores. Ouvi a seguinte frase de uma aluna em uma assembléia: “professores ganhando pouco e com salários parcelados têm qual motivação para entrar em sala de aula e nos ensinar?”.

Esse movimento secundarista tem se caracterizado pela independência e apartidarismo. É um movimento genuinamente dos estudantes e uma das regras da ocupação do Julinho é que o protagonismo das atividades, das reivindicações e da própria ocupação, é deles. Aceitam o apoio e solidariedade de pessoas públicas (políticos), de partidos ou coletivos partidários, desde que respeitem o seu protagonismo e não tentem aparelhar a luta deles. Inclusive os pais e professores que têm acompanhado a ocupação têm respeitado isso, opinando acerca dos assuntos discutidos em caráter de sugestões e acatando suas decisões. Outra regra de ouro da ocupação é a horizontalidade: não há líderes, o que caracteriza a democracia vertical e representativa. Eles estão praticando a democracia direta, debatendo tudo e tomando todas as decisões coletivamente em assembleias.

Inclusive nas comissões as decisões são tomadas coletivamente por seus integrantes. Além da comissão de alimentação, há as comissões de comunicação, segurança e atividades (que cuida da programação da ocupação). Quanto à limpeza da escola, não há uma comissão específica. Em mutirão, todos varrem, passam pano no chão, limpam banheiros, cozinha e refeitório. É uma obrigação de todos os alunos.

O que tenho observado a cada dia que vou na ocupação é o grande crescimento e fortalecimento desses alunos enquanto cidadãos. Os alunos tímidos e inseguros de antes foram substituídos por alunos conscientes de que o que estão fazendo é o exercício de sua cidadania e de que assumir o protagonismo de suas demandas é a melhor forma de luta. De jovens acostumados a deixarem as reivindicações e decisões a cargo de professores, do CPERS ou de políticos, agora são jovens fazendo política. E isso é uma aula para toda a sociedade. Na primeira assembléia, eles mal sabiam como conduzir, visto que são jovens que não militam em partidos ou coletivos políticos. Depois, já estavam cientes de que a assembléia tem que ter uma mesa e essa mesa fazia as inscrições de quem queria falar, anotava as proposições e fazia os encaminhamentos para a aprovação de todos. E aprenderam isso sozinhos! Sem a tutela de partido político, sindicato ou movimento social qualquer. Só por isso, avalio que a ocupação já teve ganhos.

Eles estão quebrando o paradigma dominante na sociedade, a partir do qual são olhados e julgados: o de que adolescentes e jovens são irresponsáveis, alienados, bagunceiros, festeiros e etc. Estão mostrando que sabem o que querem e, no momento, querem ter voz, querem falar por si mesmos, querem uma escola pública e de qualidade. Essa quebra de paradigma tem colocado certa tensão entre os ocupantes da escola e alguns professores e membros da direção da escola. Nos primeiros dias, alguns deles foram à escola para certificarem-se de que nada havia sido depredado e de que nenhum espaço “proibido” a eles fora acessado. Acostumados ao autoritarismo, chegaram impondo-se, inclusive na base do grito, e não querendo escutar os alunos ou esperar sua vez de falar. Esse é um enfrentamento que vai perdurar ao longo da ocupação. Mas é positivo, porque nos faz questionar que tipo de escola queremos, que tipo de relação entre direção, professores e alunos queremos, enquanto sociedade. Queremos um modelo de educação que conforma os estudantes, ditando-lhes como devem ser, agir e como pensar ou queremos formar cidadãos, sujeitos políticos? Essa resposta é importante, pois dela depende a mudança da forma de fazer política que, hoje, a sociedade brasileira tanto repudia.

*Mãe de aluna que integra a ocupação do Colégio Júlio de Castilhos e cientista política.

Fonte Jornalismo B

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