Crises com o mesmo nível de gravidade, no passado, culminaram no suicídio de Getúlio Vargas, deposição de João Goulart e impeachment de Fernando Collor de Mello.

Depois da divulgação da delação do senador petista Delcídio do Amaral, ex-líder do governo no Senado, que trata do desvio ilegal de recursos da Usina de Belo Monte para a campanha de 2014 do PT-PMDB; da convenção nacional do PMDB que aprovou a independência do partido em relação ao governo; e das manifestações realizadas no dia 13 de março, o maior protesto de oposição a um governo já registrado na história do país, a presidente Dilma Rousseff está mesmo numa situação extremamente crítica, com pouca chance de escapar do impeachment ou da cassação do mandato, a não ser que decida abreviar a agonia do governo e a paralisia do país com a própria renúncia.

Mesmo a presença do ex-presidente Lula na equipe de governo dificilmente evitará o andamento do processo de impeachment no Congresso Nacional, estimulado por novas delações sobre o envolvimento de aliados do governo nos contratos fraudulentos da Petrobras, tanto na 1ª instância da Operação Lava Jato quanto no foro especial dos parlamentares e ministros no Supremo Tribunal Federal. Na turbulência das denúncias de corrupção e diante da desagregação da base partidária-parlamentar de sustentação do governo, fica inviável superar os graves danos causados pela crise econômica, com PIB negativo dois anos seguidos, inflação alta, esfacelamento da indústria e aumento do desemprego.

Cresce em todo o país a percepção de que o governo Dilma não dá mais, que é preciso encontrar uma saída constitucional para outro governo, mesmo que seja de transição, negociado, mas que tenha maior respaldo no Congresso Nacional e credibilidade nas ruas, que respeite as instituições e os poderes da República, que leve adiante questões fundamentais para o povo brasileiro, entre as quais o enfrentamento da crise econômica com desenvolvimento, sem impor maiores sacrifícios aos trabalhadores; a defesa dos direitos e conquistas sociais; ampla reforma política com reorganização partidária e novas regras para o sistema de representação; e combate sistemático à corrupção, de maneira a punir todos os envolvidos e conter a histórica sangria dos recursos públicos.

Apostar na continuidade desse governo e no prolongamento da crise política, econômica e social, significa apostar na maior fragmentação da sociedade brasileira, no esgarçamento do tecido social, na radicalização das posições e no confronto, o que aumentará ainda mais os danos aos trabalhadores e aos que mais precisam da proteção do Estado. Apostar na continuidade desse governo, que perdeu o apoio da população por incapacidade e desmoralização, é apostar na trilha da tragédia – que acaba nas saídas mais traumáticas com rupturas trágicas, como aconteceu no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, na deposição de João Goulart, em 1964, e no impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992.

Se a saída de transição não é com o vice Michel Temer, que se encontre um novo presidente no Congresso Nacional para substituir o deputado Eduardo Cunha. Imaginar que a Dilma vai conseguir reverter a situação como aconteceu com o governo Lula em 2005, é um tremendo engano. Lula só escapou do mensalão porque o ex-ministro José Dirceu assumiu toda a responsabilidade pela operação palaciana; porque o empresariado nacional, inclusive com o apoio da grande imprensa burguesa, chegou à conclusão de que melhor seria manter o Lula, com a CUT e os movimentos sociais domesticados, do que correr o risco com outro presidente; e também porque a economia mundial, na época, estava amplamente favorável ao Brasil, bem diferente da situação atual.

Hoje, ao contrário, por mais que Dilma, Lula, ministros e dirigentes do PT tentem se proteger mutuamente contra as denúncias de crimes, por mais que tentem reverter o quadro de falta de credibilidade no governo, não contam mais com o amplo leque de apoio que tinham em 2005, inclusive na base da pirâmide social, muito menos nas classes médias, no empresariado e nas instituições da República. Em 2005 a imprensa burguesa ajudou a segurar o processo de impeachment contra Lula, mas agora, com a Operação Lava Jato em ação, a imprensa burguesa, por interesse de classe e por interesse profissional, não tem agido para barrar processo de impeachment, ainda mais que a sociedade acompanha muito de perto tudo o que tem sido denunciado. Tanto é que as pesquisas de opinião apontam que mais de 70% dos brasileiros querem a saída de Dilma Rousseff, por impeachment ou outro mecanismo constitucional e legal.

Insistir na manutenção de um governo desacreditado é prolongar o sofrimento do povo e agravar mais ainda as várias faces da crise. A quem interessa aumentar o número de homens e mulheres desempregados e causar a instabilidade para milhões de famílias? A quem compete a responsabilidade por provocar a destruição de milhões de negócios e a desorganização de setores produtivos? Por que estão acirrando as armas da guerra mortal entre facções que disputam o poder? Por acaso está em jogo modelos e programas tão contrastantes e opostos ao ponto de se levar a disputa às últimas consequências? Por que o povo brasileiro terá de assistir a esse terrível e destrutivo espetáculo, durante meses, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal?

Em 1964, após ser golpeado por forças militares e pelo Congresso Nacional, o presidente João Goulart preferiu deixar o país sem oferecer resistência. Na época, muitos de seus apoiadores queriam que ele lutasse contra o golpe, mas Jango, segundo historiadores, seguiu para o exílio ciente de que, assim, evitaria um “banho de sangue” entre brasileiros. Em 1992, Collor de Mello resistiu no cargo presidencial, contra a vontade da nação, até a véspera do impeachment, e acabou por deixar o Palácio do Planalto completamente isolado e humilhado, numa demonstração de que estava tão somente preocupado com sua pessoa e não com a situação do país.

Por mais que a presidente Dilma e seu séquito digam que ela é mulher de fibra, resistente, que não se deixa abater por nada, está no momento dela avaliar se vale mesmo a pena levar o país ao sacrifício unicamente para preservar o cargo de presidente. Quem garante que ela vai passar por tudo o que tem ainda por vir sem chegar ao gesto extremo de Getúlio Vargas? Compete ao grupo mais íntimo da presidente Dilma Rousseff ponderar sobre o que é melhor para ela e para o Brasil. Evitar que ocorra uma tragédia é o mínimo que as lideranças políticas podem fazer nesse momento. Antes que seja tarde demais.