Como mulher, imigrante e ativista não são poucas as situações nas quais me sinto desvalorizada e invisível.

Só para ilustrar vou relatar uma situação recente, nossa Equipe de Base foi convidada para participar de una mesa de fechamento, no dia dos Direitos Humanos, de um curso sobre migrações. A organização encaminhou os requisitos:

– Enviar, por email, a Proposta de Trabalho, preenchida e assinada, verificando os campos em vermelho e completando o documento anexo.
– Enviar, por email, a Declaração de Tributos Mobiliários, preenchida e assinada;
– Enviar, por email, cópia dos seguintes documentos:
1.Comprovação da sua titulação, seja diploma, certificado ou ata de defesa de tese;
2.Cédula de identidade;
3.CPF.
– Curriculum Lattes ou Vitae
– Comprovante de residência recente (um dos últimos três meses)/PIS/PASEP
– Nº Inscrição no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
– Número de inscrição do Trabalhador (NIT)
– Nº Banco/Agencia/número de conta corrente

No nosso caso não temos como comprovar o item 1. (motivo pelo qual não participamos, não cumpríamos os requisitos), e acredito que poucos imigrantes ativistas cumprem todos esses requisitos. Claro que a participação seria remunerada e por esse motivo solicitaram tudo isso, para comprovar pagamento.

Teríamos participado sem pagamento (tudo o que fazemos é de forma gratuita), porém não se deu essa opção, mas, seria justo?

Questão N°1:
Porque se são eventos, cursos, que tem um discurso de inclusão, valorização, etc. para  os imigrantes, tem requisitos tão burocráticos? Pasmem, é difícil na prática ter uma conta corrente se você é imigrante.
Comprovante de residência é outro item complicado porque os imigrantes muitas vezes não reúnem todas as condições para alugar por conta própria, então alugam entre vários ou encontram outras formas (sei que é aceito como comprovante um  escrito que diga onde você mora, porém nem imigrantes residentes faz muitos anos conhecem essa opção)

PIS/Pasep  outro item difícil.
Os imigrantes estamos em situação vulnerável, precisamente porque existe muita burocracia para regularizar nossa situação e é por isso que não conseguimos nos inserir como cidadãos (nem sequer temos direitos políticos).

Questão N°2:
Nada contra acadêmicos, porém esse olhar de só valorizar o acadêmico e desvalorizar o conhecimento empírico dos imigrantes ativistas, ou ativistas em geral, me chama muito a atenção. Porque não pode se dar o seu devido valor a esse conhecimento fruto da experiência? Há muitas pessoas que são convidadas a falar sobre os imigrantes porque fizeram algum trabalho sobres nós e parecesse que  sua fala tem mais valor que a fala dos próprios imigrantes. Só lembrando que  muitos desses trabalhos acadêmicos são fruto  de acompanhar esse trabalho dos ativistas ou fazer questionários que resumem o trabalho de base de anos dos mesmos.
Acredito que seria muito mais rico para as mesas de debate se pesquisadores e imigrantes colocassem juntos suas opiniões, complementando-se.

Questão N°3:
Porque vemos tão pouco espaço para os imigrantes se expressar, e quando nos é dado algum espaço por via de regra temos 3 min para falar porque o “tempo esta acabando” e “todos tem que falar”?

Questão N°4:
Nossa trajetória, todo o que fazemos como ativistas de forma gratuita, não nos da elementos suficientes para ser valorizados e poder colocar o que pensamos nas mesas de debate? Incomoda tanto assim o que expressamos? Reclamamos muito? Não gostam de encontrar posicionamentos divergentes a suas afirmações?

Síntese

Recebemos e-mails com pedidos de desculpas por parte da organização pela situação de constrangimento, porque foi isso o que aconteceu, constrangimento. Nos foram dados vários motivos para o acontecido que podem ser válidos. Mas não podemos mais deixar passar coisas como essas como fatos isolados, porque não são.

Acontecem uma e outra vez e agora decidimos que vamos a falar publicamente para visibilizar o que temos guardado na garganta e que não podemos falar porque incomoda, fatos como quando fomos violentadas verbalmente por membros do conselho gestor da UBS do Canindê de tal forma que chorei  de raiva por ver outras mulheres brasileiras não fazerem nada porque elas eram também vitimas de essa mesma violência e não sabiam como agir; chorei de raiva de ver meus filhos que estavam comigo, expostos a esse maltrato e ainda tive que ver aos “senhores” (foram 2 idosos, o que não justifica seu comportamento) ficar felizes por verme chorar e sair vitoriosos.

Ou como quando minha companheira da Warmis chorou também por ser discriminada e agredida verbalmente por outra mulher brasileira em um espaço de formação de gênero na sua sub-prefeitura, e ainda depois dita mulher saio falando aos quatro ventos que ela que foi discriminada e maltratada denunciando a professora do curso por defender a minha companheira do maltrato.

Devíamos ter registrado boletim de ocorrência nos dois casos, mas também não estávamos preparadas para isso, ninguém esta preparado para lidar com a violência; preferimos pensar que foi algo isolado que aconteceu e não fazer nada, só esquecer.

Porém como ativistas não podemos esquecer que temos que falar e colocar o que esta acontecendo para mudar a situação.
 
Por Jobana Moya (imigrante boliviana, humanista e ativista)