Texaco (cujo sucessor é Chevron) extraiu o petróleo no Equador de forma exclusiva, de 1967 a 1992, sem se preocupar pelo meio ambiente nem pela população local.

No começo, eram duas empresas, a Texado e a Gulf Oil. Porém, na metade dos anos 70, Gulf Oil se retirou. Assim, a Texado se tornou a cabeça do consórcio, junto com a empresa petroleira recém-criada do governo equatoriano CEPE (Corporação Estatal Petroleira Equatoriana).

O Equador não contava com nenhuma experiência no âmbito da exploração do petróleo, portanto, a Texaco tomava para si toda a gestão do projeto. Na península de Santa Elena, o Equador tinha desde os anos 40 uma pequena refinaria em alguns campos petroleiros, bem pouco. O Equador se converteu em um país explorador de petróleo em 1972, quando produziu seu primeiro barril de petróleo cru.

Jorge Jurado, Embaixador do Equador na Alemanha. Fonte: Wikipedia | Foto: Tobias Baumann

[/media-credit] Jorge Jurado, Embaixador do Equador na Alemanha. Fonte: Wikipedia | Foto: Tobias Baumann

Qual a dimensão dos danos ocasionados à natureza e à população?

Os danos foram quantificados em termos das superfícies contaminadas por causa da extração feitas durante esses 20 anos, de 1972 a 1992. Todas as atividades realizadas antes de 1972 eram do âmbito da busca do petróleo. Texaco cavou 356 poços de petróleo e abriu 1000 piscinas sem cobertura, deixando resíduos de todo tipo lá dentro, principalmente o petróleo, lodo de perfuração e água contaminada. Quando a empresa abandonou o país, levou a cabo a limpeza de 162 das piscinas, que usou como pretexto para afirmar que havia realizado um saneamento ambiental completo. Porém, em vez de limpá-las, o que fizeram foi jogar para debaixo da terra. E o governo do presidente Mahuad tomou a desafortunada decisão de assinar o certificado de finalização para a limpeza dessas 162 piscinas. Se trata de um documento que irritou muito, já que não se menciona nada do restante das piscinas. É um contrato que não deixa claro a verdadeira situação. Dito de forma coloquial, foi uma grande puxada de tapete, uma armadilha em que o governo de Mahuad caiu.

Foto: Tobias Baumann

[/media-credit] Foto: Tobias Baumann

Chevrou-Texaco formava junto com a empresa estatal CEPE um consórcio, e desde 1990, a CEPE (atualmente Petroequador) se encarrega da exploração por conta própria. Chevron-Texaco atribui agora toda a responsabilidade da destruição do meio-ambiente à Petroequador. Mas qual é a responsabilidade do Estado equatoriano?

Sim, essa é até hoje a opinião da Chevron, que é totalmente inaceitável por várias razões. O consórcio com a CEPE existia, é claro, mas a responsabilidade técnica e gerencial dentro do consórcio era única e exclusivamente da Texaco. Era ela que realizava a extração do Petróleo. A CEPE começou a fazer algumas extrações muitos anos depois. A responsabilidade é, portanto, de quem se encarregou da extração e dispõe da tecnologia e experiência. Curiosamente, a Texaco dispunha dos conhecimentos técnicos necessários para realizar extrações de forma racional, já que ela fazia assim na California, onde existiam regulações que todas as empresas deviam cumprir. Equador passou a formar parte dos países petroleiros em 1972, sem os conhecimentos necessários, sem a institucionalidade e sem nenhuma consciência ambiental. Naquela época, ainda não existia essa consciência em muitas partes do mundo. O conceito de proteção do meio-ambiente começou e se expandiu a partir da década de 70. É necessário ter em conta o contexto: Equador era um país agrícola, e continua a ser, porém naquela época a agricultura era sua única fonte de investimentos. Dessa forma, tanto o governo equatoriano como a população tinham grande interesse na exploração do petróleo, em obter os meios necessários para desenvolver o país. A sensibilidade sobre as causas e efeitos da contaminação ambiental começou então a surgir naquela época. Durante duas décadas, o país deu um salto qualitativo: novas formas de produção de economia, etc. Tudo isso levou a elaborar nos anos 90 novas leis ambientais, e se criaram novas instituições, como o Ministério de Energia e posteriormente o Ministério do Ambiente. Esses elementos iam surgindo pouco a pouco em volta do novo problema e suas consequências cada vez mais graves.

É uma argumentação muito simples utilizada pela Chevron hoje em dia para livrar-se da responsabilidade. Existe uma simetria muito clara, e, se de fato a empresa norteamericana tivesse tido boa vontade, teria aplicado os mesmos processos e técnicas que já estavam utilizando na Califórnia. Mas como naquele Equador de então não existia nenhum órgão de controle para esse tema, a Texaco decidiu seguir o caminho do “business as usual”, ou seja, maximizar o lucro nas costas da população e do meio-ambiente. Simples assim.

Tanto o processo de Aguinda como o processo do Lago Agrio são demandas civis das comunidades indígenas atingidas, contra a Chevron-Texaco.

Foi um processo civil entre pessoas físicas e a empresa Chevron-Texaco, Aguinda e 1500 pessoas além das comunidades indígenas. O Estado equatoriano não estava envolvido. Mais tarde sugiram outros processos, porém a princípio se tratava de um processo puramente civil.

Com que apoio contavam as comunidades indígenas nesse processo que durou quase 20 anos?

Aqui é necessário fazer a diferenciação cronológica. O que foi dizer é complicado porque se trata de uma situação que reflete a realidade do meu país. Porém é realidade. Nenhum governo anterior a 2007 se preocupou em proteger as comunidades equatorianas nessa luta de Davi contra Goliat. Dessa forma, só contavam com o apoio de um grupo de advogados norteamericanos, que obviamente tinham seus próprios interesses no assunto. No sistema judicial americano, os escritórios de advocacia que atuam nas “class action” (demandas conjuntas) estão interessados em apoiar uma causa comum pelo benefício notável que podem ter.

O Estado equatoriano não pôde exercer nenhuma influência no processo por se tratar de um processo civil. Não obstante, havia sido possível ajudar aos atingidos de muitas outras maneiras. Os governos anteriores a 2007 estavam interessados em manter uma relação ótima com o governo dos Estados unidos, e com o capital transnacional. Portanto, evitaram fazer comentários e se mantiveram à espera de que o assunto passasse sem prestar nenhum tipo de ajuda aos atingidos. Por exemplo, falamos de ajuda tão concreta e simples como proporcionar água potável e limpa aos habitantes da região contaminada. Dessa forma, se pos o problema nas mãos das administrações das comunidades que, por sua vez, não dispunham de fundos para tais programas. Não tinham dinheiro nem para programas de ajuda nem para saneamento. Foi uma clara amostra de que não existia vontade política nem interesse algum pela situação das comunidades indígenas da região.

Somente a partir do ano de 2007, os atingidos começaram a receber apoio do governo do Equador. Em setembro ou outubro do mesmo ano, o presidente Corre foi o primeiro membro do governo que visitou pessoalmente a zona contaminada.

Chevron-Texaco conseguiu a transferência do processo de Nova Iorque ao Equador, e em troca se comprometeu a aceitar a sentença dos tribunais do Equador. Porém, apesar da Chevron-Texaco ser condenada a pagar 9500 milhões de dólares (por volta de 6200 milhões de euros), até hoje não pagaram nada, pelo contrário! A empresa respondeu com demandas contra as comunidades indígenas atingidas e com uma demanda contra o Estado equatoriano. O que opina de tudo isso e quais são as possíveis consequências?

Atualmente, existem dois litígios diferentes. Existe a demanda das comunidades indígenas contra a Chevron-Texaco, que resultou favorável e condenou a Chevron a pagar 9500 milhões de dólares. Além disso, essa sentença foi ratificada pela Corte de Cassação, que é a máxima instância judicial do Equador. Dessa forma esse litígio está resolvido.

O problema agora é como cobrar o dinheiro. Como bem disse, Chevron-Texaco não quer pagar. A comunidade dos demandantes está estudando em vários países a maneira de poder embargar bens da Chevron para poder cobrar o dinheiro que Chevron deve. Recentemente, houve uma primeira tentativa na Argentina. Uma juíza argentina aceitou o processo contra Chevron na Argentina. Porém, lamentavelmente, 7 semanas depois outra juíza anulou o processo. Prefiro não comentar nada mais a respeito. Porém a realidade é que esse caminho na Argentina está definitivamente fechado.

Logicamente, a principal tentativa de fazer a Chevron pagar se levou a cabo nos Estados Unidos, através de uma demanda de execução de sentença, porém o juiz de Nova Iorque, Lewis Kaplan, a vetou em primeira instância. A sentença contra a comunidade dos demandantes se converteu também em uma sentença contra o Estado equatoriano, já que o juiz Kaplan disse que não aceita a autoridade judicial do Equador. Se trata de uma decisão muito irritante e sem precedentes na jurisdição; um juíz de primeira instância declara e sentencia que a sentença judicial de um Estado soberano não tem nenhuma validez. Ou seja, estamos liquidando todos os preceitos jurídicos internacionais.

Essa decisão se embasa no pressuposto de que a sentença contra a Chevron foi realizada de forma corrupta e manipulada, apesar de que não havia apresentado nenhuma prova. Nesses 10 anos de litígio no Equador, interviram 3 juízes diferentes. Demonstrou-se que o segundo juiz figura atualmente na lista de assalariados da Chevron, e que goza de proteção por parte da Chevron e dos Estados Unidos; pois bem, esse juiz declarou que o terceiro juiz, que foi quem ditou a sentença, foi manipulado por parte dos demandantes. Um juiz que recebe dinheiro da Chevron declara como testemunha que a sentença foi manipulada pelos demandantes indígenas. Isso é um disparate jurídico sem igual.

A comunidade de demandantes tenta agora, por um lado, anular a sentença do juiz Kaplan nos Estados Unidos, e por outro lado, explorar as opções de abrir um processo de embargo contra a Chevron em outros países. No Canadá, um juiz abriu a causa, então ali existe alguma possibilidade.

Aqui na Alemanha, existe um comitê de solidariedade importante que está muito comprometido em obter fundos econômicos para manter o processo ativo e superar os obstáculos legais que a Chevron está encaixando.

Deputada Federal Eva Bulling-Schröter e Deputada Municipal Sabine Bock

[/media-credit] Deputada Federal Eva Bulling-Schröter e Deputada Municipal Sabine Bock

Além disso, o juiz Kaplan também se utiliza da lei RICO (Racketeering Influence and Corrupt Organizations Act), que é uma lei criada nos Estados Unidos há 10 anos, para lutar especificamente contra o crime organizado, contra a mafia. Kaplan utiliza essa lei argumentando que, por trás da sentença equatoriana, existe na verdade uma organização criminosa que quer prejudicar uma empresa americana, no caso a Chevron. As comunidades amazônicas, que exigem da Chevron uma indenização por danos e prejuízos por destruir seu espaço vital, pelo aumento de doenças, principalmente câncer, e como resultado, de mortes causadas pela contaminação, agora são acusadas, junto com seus advogados, de organização criminosa.

Por esse motivo, a via judicial nos Estados Unidos, ao menos nessa instância, está completamente obstruída, de forma que está se tentando chegar à segunda instância. Porém, no momento, para isso faltam meios econômicos.

E as possíveis consequências da demanda de Chevron contra o Equador?

Com efeito, Chevron apresentou uma demanda arbitral internacional contra o Estado equatoriano.

Com o motivo dos tratados bilaterais de investimento (TBI) que Equador e os Estados Unidos da América assinaram?

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Correto, o Equador assinou esse acordo em 1995, e 2 anos depois entrou em vigor, em 1997. Lembrando que Texaco finalizou a extração e abandonou o país em 1992, ou seja, 5 anos antes de entrar em vigor esse acordo. E o tribular arbitral internacional decidiu a favor da Chevron em primeira instância, porque o Equador não prestou nenhuma ajuda à associação Chevron-Texaco para resolver o litígio. Porém, isso quer dizer que estão aplicando o acordo com efeito retroativo. Estamos de novo diante de uma interpretação muito irritante da jurisprudência.

O que a Chevron tenta com isso é obrigar o Estado equatoriano a pagar a quantia da indenização por danos e prejuízos de 9500 milhões de dólares, dado que corresponderia a uma alta porcentagem do orçamento estatal, e que praticamente deixaria o Estado roto. Estamos falando de consequências muito graves.

Quais são os aspectos positivos dessa sentença contra a Chevron?

Em primeiro lugar, demonstrou-se que a sociedade civil e as organizações podem apresentar e ganhar uma demanda contra uma mega-empresa, uma das maiores empresas do setor mais importante do mundo, o da energia. Chevron é o segundo maior consórcio dos Estados Unidos, e ocupa o sexto lugar em nível mundial. O orçamento anual da Chevron é maior que o de 80% dos países do mundo.

Esse exemplo mostra que, sim, é possível que a população pode se organizar, e assim conseguir o que se propõe. É algo muito valioso, é a demonstração da força que tem a população organizada.

E além disso sem meios econômicos…

… e um processo que durou 20 anos. Sim, existem caminhos. É certo que nesse caso deram as circunstâncias favoráveis, que em outros casos pode não dar. Mas é um exemplo da luta do Equador, e pode servir a muitas outras comunidades e sociedades, creio eu. Muitas grandes empresas multinacionais e estatais estão cometendo excessos e injustiças contra a população em muitas partes do mundo, na Europa também. E aqui, temos um dos melhores exemplos, com o qual devemos aprender e que devemos recordar.

Que apoio deseja da sociedade alemã para a campanha solidária “Mão Suja”?

Gostaria de responder a essa pergunta como representante oficial do Equador na Alemanha. Queremos que o caso Chevron alcance a maior difusão possível em todos os âmbitos da sociedade. Tanto o governo federal e o Parlamento, como os Estados federados (Bundesländer) tem que estar cientes desse caso. Obviamente, nós faremos todo o possível para informar a população civil e fomentar assim a solidariedade com o Equador. Me refiro a uma solidariedade com as comunidades equatorianas, porém também com o próprio país do Equador. O que está acontecendo hoje em dia no Equador pode acontecer em qualquer outro país. Por isso, é importante chegar a um final feliz nesse caso, mesmo que depois de 40 anos e de tudo que aconteceu todo esse tempo não possibilite chamar de “happy end”. É necessário recuperar essa zona do Amazonas. Queremos um fim que demonstre que os Estados soberanos, que a população desses Estados, tem direitos, e que juntos podemos conseguir que isso não volte a acontecer no futuro. Isso nos daria certa sensação de satisfação.

Mais informações
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A Mão Suja de Chevron

Traduzido da versão em espanhol por Kinho Schiavo