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Tenho esse amigo¹ que faz Doutorado em Teoria do Estado e Direito Constitucional na PUC e o faz porque está buscando de alguma maneira entender a realidade social. A mim interessa mais a individual.
Conversamos por quase duas horas. Eu tentando entender e fundamentar minhas opiniões e ele me explicando. Falou-me sobre como a sociedade funciona e como deveria funcionar. Sobre o processo que permite a uma minoria impor suas vontades à maioria discordante. Concordamos que tudo tem um começo difícil de identificar e consequências facilmente perceptíveis. Não cabe a mim – e tampouco o quero -, discutir o a gênesis – o início – desse processo, mas sim como trabalho todos os dias para mantê-lo: corrupto, desigual, arbitrário, contínuo.
Julgando-me honesta, trabalhadora e justa defendo com eloquência acrítica a punição severa de criminosos, chegando – em alguns casos como o do estupro – a defender a pena capital.
– Bandido bom é bandido morto! Tem mais que levar tapa na cara mesmo! – digo irada.
Porém, revolto-me ao ter meu veículo com IPVA atrasado e multas apreendido numa operação policial.
– Sou trabalhadora, não tive dinheiro para pagar! Ficam aqui fazendo blitz ao invés de subir o morro! Prender bandido que é bom nada! Aí ficam esses pivetes roubando a gente pela rua, não se pode nem mais sair tranquilo de casa!
Reconheço a violência na contemporaneidade, contudo não vejo que legitimar por exortações e leis a violência policial só aumenta a violência de um modo geral, inclusive contra mim que posso a qualquer momento ser tomada por marginal e tratada como tal. Creio que a lei é para todos, porém me ofendo quando aplicada a mim. Defendo punição capital para o estupro, desde que o estuprador não seja eu mesma.
Minha visão de mundo não considera o fato de a população carcerária ser composta em sua maioria por homens que nem sequer chegaram a completar o ensino fundamental, condenados à penas de 4 a 8 anos de reclusão por crimes contra o patrimônio, ou seja, roubo, estelionato, tráfico de drogas, apropriação indébita, receptação.²
Em paralelo, lembro-me de quando perguntaram à Madre Tereza de Calcutá de quem era a culpa da fome do mundo, ela respondeu: “É minha. Se eu tivesse trabalhado mais, comprado menos supérfluos, repartido mais meu pão, menos pessoas teriam passado fome”. Difícil pensar que todo o resto também não me caiba.
Não sei se está claro para você, mas para mim foi bastante complicado relacionar a concentração de renda defendida e sustentada por mim com as estatísticas. Foi doloroso, porém fundamental compreender que grande parte dos crimes cometidos podem também ser entendidos como um pedido não oficial por igualdade social. Sou eu quando escolho comer um pão e jogar o outro fora que concentro a comida. Sou eu quando defendo que o ensino superior não pode ser facilitado aos que tem menor renda que concentro as oportunidades.  Sou eu, também, a responsável pela imposição e manutenção das desigualdades e violência. Sou responsável nas minhas atitudes do meu dia a dia. A culpa pode sim, ser atribuída a mim.
Por Nany Pereira*.
1-      Meu amigo é Professor do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense, doutorando em Direito pela PUC-RJ, meu herói e minha preocupação revolucionária. Abraço-te com carinho, meu bem, grata pela ajuda.
2-      Estes são dados extraídos do DEPEN (Departamento do Sistema Penitenciário do Ministério da Justiça)

 

* especial para Pressenza – saiba mais sobre o Projeto da Pressenza com estudantes para escreverem sobre Direitos Humanos