Joaquim Barbosa admite que a mídia brasileira é de direita e racista. Avaliando a ausência de diversidade político-ideológica, Barbosa lembrou que há apenas três jornais de circulação nacional, “todos eles com tendência ao pensamento de direita”.

Em discurso há pouco no evento de comemoração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, realizado pela Unesco, na Costa Rica, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, afirmou que a mídia brasileira é afectada pela ausência de pluralismo.
Ressaltando que neste ponto falava como acadêmico, e não como presidente do STF, Barbosa avaliou que esta característica pode ser percebida especialmente pela ausência de negros nos meios de comunicação e pela pouca diversidade política e ideológica da mídia.

A apresentação do presidente do STF deu-se em quatro partes voltadas a apresentar uma perspectiva multifacetada sobre liberdade de imprensa. Na abertura, reafirmou o compromisso da corte e do país com a liberdade de expressão e de imprensa, e ressaltou que uma imprensa livre, aberta e economicamente sólida é o melhor antídoto contra arbitrariedades. Barbosa lembrou a ausência de censura pública no Brasil desde a redemocratização em 1985.

Na segunda parte, o ministro apresentou como o tema é tratado na Constituição de 1988, que pela primeira vez reservou um capítulo específico para a comunicação. Segundo Barbosa, no sistema legal brasileiro nenhum direito fundamental deve ser tratado como absoluto, mas sempre interpretado em completa harmonia com outros direitos, como privacidade, imagem pessoal e, citando textualmente o texto constitucional, “o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Nesse sentido, ressaltou o ministro, o sistema legal brasileiro relaciona a liberdade de expressão com a responsabilidade legal correspondente. “A lei aplica-se a todos e deve ser obedecida. A liberdade de imprensa não opera como uma folha em branco ou como um sinal verde para violar as regras da sociedade”, afirmou Barbosa.

Na terceira parte do seu discurso, Joaquim Barbosa apresentou dois casos em que o Supremo Tribunal Federal teve que lidar com a liberdade de expressão e de imprensa. No primeiro, lembrou a a análise que o STF teve de fazer sobre a publicação de obras racistas contra judeus por parte de Siegfried Ellwanger. Neste caso, a corte avaliou que a protecção dos direitos do povo judeu deveria prevalecer em relação ao direito de publicar casos discriminatórios. Em seguida, falou sobre a lei de imprensa, que foi derrubada pelo Supremo por ser considerada em desacordo com a Constituição e extremamente opressora aos direitos de liberdade de expressão e de imprensa.

Antes de encerrar, porém, Barbosa fez questão de ressaltar que não estaria a ser sincero se não destacasse os problemas que via na mídia brasileira. Falando da ausência de diversidade racial, o ministro lembrou que embora negros e mulatos correspondam à metade da população, é muito rara a sua presença nos estúdios de televisão e nas posições de poder e liderança na maioria das emissoras. “Eles raramente são chamados para expressar as suas posições e a sua expertise, e de forma geral são tratados de forma estereotipada”, afirmou o ministro.

Avaliando a ausência de diversidade político-ideológica, Barbosa lembrou que há apenas três jornais de circulação nacional, “todos eles com tendência ao pensamento de direita”. Para ele, a ausência de pluralismo é uma ameaça ao direito das minorias. Barbosa finalizou as suas observações sobre os problemas do sistema de comunicação destacando o problema da violência contra jornalistas. “Só neste ano foram assassinados quatro profissionais, todos eles trabalhando para pequenos veículos. Os casos de assassinatos são quase todos ligados a denúncias de corrupção ou de tráfico de drogas em âmbito local, e representam grave violação de direitos humanos”.

Em resposta a questionamentos do público, Barbosa lembrou que um dos motivos da impunidade nos crimes contra a liberdade de imprensa é a disfuncionalidade do sistema judicial brasileiro, que tem quatro níveis e “infinitas possibilidades de apelo”. Além disto, a justiça brasileira tem, na perspectiva de Barbosa, sistemas de protecção aos poderosos, que influenciam directamente os juízes. “A justiça condena pobres e pretos, gente sem conexão. As pessoas são tratadas de forma diferente de acordo com seu o status, cor de pele ou poder econômico”, concluiu Barbosa.

Por João Brant, da Costa Rica, Observatório do Direito a Comunicação