Construtora quer levantar um condomínio de luxo no local; processo deve ser retomado nos próximos dias

Matéria de Roberto Almeida, do Opera Mundi

Berlim – Moradores de Berlim protestaram hoje (1º) contra a demolição de um trecho do muro que dividiu a cidade durante a Guerra Fria. Tratado como patrimônio cultural e histórico da cidade, o East Side Gallery, repleto de grafites emblemáticos, está na mira de uma construtora que pretende levantar um condomínio de luxo às margens do rio Spree, que corta a cidade.

A demolição do muro começaria pela manhã, mas cerca de 300 manifestantes conseguiram impedir momentaneamente o trabalho dos guindastes, que retiraram apenas um pedaço da parede, de cerca de um metro e meio de largura. Nele há um grafite do Portão de Brandemburgo. Nas frestas foram enfiadas notas falsas de 100 euros, em crítica à especulação imobiliária, e deixadas dezenas de mensagens de protesto contra sua eventual demolição.

“Nossa história não é bonita, mas não pode ser jogada fora”, dizia uma delas. “Parem com a demolição. Ninguém precisa de condomínios de luxo aqui.”

A expectativa de ativistas era barrar a retirada definitiva do muro e abrir novo diálogo com governo e prefeitura sobre a área. No entanto, policiais cercaram o terreno onde o condomínio será construído e os trabalhos devem ser retomados nos próximos dias. Berlinenses montaram vigília em frente ao local para acompanhar o desenrolar da história.

O trecho do muro de Berlim em questão é o único remanescente do original, construído em 1961 pelo governo da Alemanha Oriental. Artistas portugueses, alemães, russos e brasileiros deixaram mensagens de paz nas grossas paredes de cimento. Um dos grafites mais famosos, e mais vendidos como imagem estampada em souvenirs, é o do caloroso beijo do então líder russo Leonid Brezhnev e do chefe da Alemanha Oriental, Erich Honecker.

Em 2009, a área, considerada um dos principais pontos turísticos da cidade, recebeu um investimento para revitalização de cerca de 2,5 milhões de euros (ou R$ 6 milhões) do governo alemão. O terreno, que há 20 anos era considerado terra de ninguém, exatamente pela proximidade com o muro, hoje é tido como privilegiado e com o metro quadrado em alta.

De um lado da parede da East Side Gallery há um parque linear, de frente para as águas tranquilas do rio Spree. Do outro, fica a movimentada avenida Mühlenstraße e a arena multiuso O2 World. Em uma caminhada de 10 minutos, os turistas – ou futuros moradores do condomínio de luxo – podem chegar ao bairro boêmio de Friedrichshain, onde há cafés, restaurantes e movimentadas feiras de produtos usados.

A demolição do trecho do muro levanta uma nova discussão sobre gentrificação, tema perene entre ativistas sociais berlinenses. Há muita polêmica sobre os efeitos nocivos das ondas de imigração de artistas para a capital alemã, atraídos pelos aluguéis baratos. Eles indiretamente subsidiam a especulação imobiliária e empurram os moradores originais para bairros mais distantes.

O protesto contra a demolição foi tido por manifestantes como uma empreitada anticapitalista. O tema é o mesmo de muitos murais grafitados. A associação de artistas da East Side Gallery escreveu um apelo à população de Berlim e aos turistas para impedir a derrubada do trecho. “Somos contra a abertura planejada do muro. Não concordamos que, para benefícios privados, esse monumento seja destruído de novo”, diz, em nota.