Jurista alemão Claus Roxin, um dos pais da teoria do ‘domínio do fato’, diz que conceito não pode ser usado sem presença de provas – como fez a suprema corte brasileira.
A matéria é de Maurício Thuswohl, da Rede Brasil Atual
Rio de Janeiro – O propalado “rigor técnico e jurídico” do julgamento do mensalão, tantas vezes afirmado pelo relator do processo, Joaquim Barbosa, e por outros ministros do STF, vem recebendo vários questionamentos. Nos últimos dias, as críticas aos métodos usados no Supremo surgiram em diversas frentes, atacando pontos cruciais que sustentaram a argumentação do relator e resultaram na condenação de 25 dos 37 réus envolvidos no processo.
As críticas vão desde a denúncia de cerceamento de defesa de um dos réus até o questionamento do conceito jurídico do “domínio do fato”, utilizado por Barbosa como base argumentativa para condenar por uma suposta liderança do esquema do mensalão aqueles que tinham posição hierárquica superior, notadamente o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino, mesmo sem a presença de provas concretas nos autos. Outro pilar da argumentação do relator, o desvio de dinheiro público da empresa Visanet, também foi questionado a partir da publicação de uma reportagem que afirma que o dinheiro, de fato, não era público e nem foi desviado.
O questionamento mais emblemático à condução do julgamento do mensalão partiu do jurista alemão Claus Roxin, um dos pais da teoria do “domínio do fato”. Em entrevista ao jornal Folha de SPpublicada ontem (11), ele afirma que a tese não foi bem aplicada pelo STF, pois a posição hierárquica por si só não é suficiente para comprovar a culpa de um réu:“Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”, disse.
Roxin avalia que a condenação sem provas concretas “seria um mau uso” da teoria do domínio do fato. Segundo o jurista alemão, para ter sua condenação justificada,“a pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem”.
Ao comparar o julgamento do mensalão com a condenação pela Corte Suprema do Peru do ex-presidente Alberto Fujimori, também amplamente apoiada na tese do “domínio do fato”, Roxin ressaltou a importância da prova concreta que, segundo ele, deve ser priorizada em detrimento de indícios e depoimentos de outros réus: “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ‘ter que saber’ não basta. Essa construção (‘dever de saber’) é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados”, disse.
Visanet
O suposto desvio de dinheiro público da empresa Visanet, comprovado nos autos do processo, segundo o entendimento da maioria dos ministros do STF, é questionado por uma reportagem publicada na edição de novembro da revista Retrato do Brasil. A reportagem reproduz uma auditoria interna feita pelo Banco do Brasil que demonstra que durante a gestão do ex-diretor de Marketing do banco, Henrique Pizzolato, condenado no julgamento do mensalão, a diferença entre os valores dos serviços demandados pelo banco e o valor dos serviços que tinham nota legalmente emitida pela Visanet jamais ultrapassou 1%.
Feita por 20 auditores do BB ao longo de quatro meses, a auditoria analisou o período entre 2001 e 2005, alcançando, portanto, os dois anos anteriores à gestão de Pizzolato. Segundo a reportagem, a auditoria joga por terra a tese, defendida por Joaquim Barbosa e acatada pela maioria do STF, de que Pizzolato teria desviado R$ 73,8 milhões do banco para as empresas controladas pelo publicitário Marcos Valério.
“Os auditores procuraram saber se existiam os comprovantes de que as ações de incentivo autorizadas pelo BB no período tinham sido de fato realizadas. (…) Os auditores procuraram, então, os mesmos documentos na CBMP (Visanet), que é, por estatuto, a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação e dos documentos originais de comprovação da realização dos serviços. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena – em proporção aos valores dos gastos autorizados, de 0,2% em 2001, de 0,1% em 2002, de 0,4% em 2003 e de 1% em 2004”, diz a reportagem.
Cerceamento de defesa
Pizzolato também é personagem de outro questionamento ao julgamento do mensalão surgido nos últimos dias. Seu advogado, Marthius Cavalcante Lobato, deu entrada em uma petição junto ao STF para requerer vistas de um processo que corre em segredo de Justiça e no qual o ex-diretor de Marketing é objeto de uma investigação que pretende apurar se outros diretores do banco teriam participado do esquema do mensalão.
Iniciada em 2006 sob a coordenação do procurador geral da República, Roberto Gurgel, a investigação toma como pressuposto uma das teses da defesa de Pizzolato ao admitir que os supostos desvios do Fundo Visanet para a empresa DNA Propaganda, de Valério, foram decididos por um colegiado dentro do banco, o que tornaria injusto o indiciamento de apenas a um único réu no processo do mensalão.
Em entrevista à Carta Maior publicada ontem (11), Lobato afirma que a Procuradoria Geral da República “sempre negou a existência de uma decisão colegiada, afirmando que Henrique Pizzolato fez autorizações isoladamente, muito embora estivesse de forma paralela fazendo investigação em sentido contrário”.
O advogado defende a tese de que, uma vez a investigação paralela e sigilosa tendo apontado a existência de uma decisão colegiada, os demais participantes desta decisão também deveriam figurar necessariamente como réus no processo do mensalão. Se isso fosse feito de forma correta, sustenta o advogado, “haveria necessidade de prova, por parte da Procuradoria Geral da República, da participação ativa de todos os envolvidos”.