Matéria de Estevan Muniz, da Rede Brasil Atual

São Paulo – A Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul vai investigar a possível contaminação por fazendeiros do córrego que passa pela aldeia kaiowá Ypo’i, no município de Paranhos, próximo à fronteira com o Paraguai. Os indígenas entregaram uma mostra coletada da água do riacho à Fundação Nacional do Índio (Funai), que encaminhou para análise ao Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (Imasul) e acionou a polícia. Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou ontem (20) à Polícia Federal (PF) a instauração de um inquérito para apurar o suposto “envenenamento” que os índios afirmam ter sofrido. Na semana passada, o conselho Aty Guassu, que reúne lideranças Guarani-Kaiowá de 50 comunidades no estado, divulgou um vídeo, produzido por dois professores indígenas, que mostra o riacho coberto por uma espuma branca.

Desde que os índios reocuparam o território da aldeia de Ypo’i em 2009, eles vêm enfrentando atritos com fazendeiros. Três integrantes da aldeia já foram assassinados. Os professores e primos Genivaldo e Rolindo Vera foram assassinados três dias depois que o grupo indígena chegou ao território. O primeiro foi encontrado morto no mesmo córrego, com sinais de tortura e o cabelo raspado. O corpo do segundo até hoje não foi achado. Em 2010, houve o caso de Teodóro Recalde, noticiado à época por vários veículos de comunicação. Em setembro daquele ano, ele também foi assassinado a facadas por cruzar um “bloqueio” que o fazendeiro Fermino Escobar, dono da terra em que eles se instalaram, impôs à aldeia, dificultando-lhes o acesso até a cidade. Para chegar lá, com o impedimento de Escobar, eles deviam caminhar quatro quilômetros a mais, e por terras paraguaias.

“As crianças estavam tomando banho quando viram a espuma branca”, contaram os indígenas a representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A contaminação teria ocorrido na quarta-feira da semana passada (14). “Ela tomou conta do córrego inteiro por dois dias”, disseram.

Ricardo Guarani, integrante do Aty Guassu, contou à RBA que, quando os indígenas se deram conta da contaminação, seguiram as espumas até a área de uma fazenda, onde viram dois tambores derrubados na beira do rio. “Acredito que quem deixou aqueles tambores ali tenham sido trabalhadores das fazendas dos arredores. Não sabemos se foi a mando dos fazendeiros”, disse.

Para os indígenas da aldeia Ypo’i, trata-se de um atentado contra a comunidade. Segundo os indígenas, não é a primeira vez que o riacho é envenenado. “Logo quando a gente chegou, os fazendeiros jogaram gado morto no rio, querendo dificultar nossa vida”, relataram.

O córrego passa a 200 metros da aldeia e é a principal fonte de água para os índios, que lhes serve para beber, cozinhar e tomar banho. “Agora a gente não pode usar. Ainda tem espuma boiando nos cantos. Estamos muito assustados”, disseram.

A assessoria de imprensa da Funai disse que não há previsão para o resultado da análise da Imasul.

Em nota, o MPF afirmou que o objetivo do inquérito cuja abertura pediu à PF seria de confirmar se houve ou não a contaminação e de identificar os responsáveis. “Se for confirmada a contaminação da água, os autores podem responder pelos crimes de envenenamento ou poluição de água potável (artigos 270 e 271 do Código Penal, respectivamente). As penas podem chegar a 15 anos de prisão”, diz o texto.

Manifestação internacional
A Survival International, organização internacional que defende os direitos indígenas em todo o mundo, fez uma denúncia a órgãos de imprensa de vários países. Em nota, seu diretor, o antropólogo inglês Stephen Corry, ressaltou a importância do governo federal de assistir à polícia local nas investigações. “Os Guarani têm suportado por muito tempo uma campanha de terror maliciosa e inventiva que busca lhes tirar da terra que lhes pertencem por direito. Os autores deste último ato cruel e perverso devem ser levados à Justiça”, afirmou ele.

Região
No mês passado, outra comunidade Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul chamou a atenção do MPF, do governo federal e da imprensa. Índios da comunidade Pyelito Kue divulgaram um manifesto em que afirmavam preferirem morrer a serem retirados dali, o que fez muitos pensarem que se tratava de uma carta de suicídio coletivo. Após a veiculação da carta na internet e manifestações sociais em várias cidades do Brasil, a Justiça Federal, no dia 30 de setembro, suspendeu a liminar que determinava a retirada dos 170 índios localizados na fazenda Cambará, na cidade de Iguatemi. Contudo, a Justiça limitou o território ocupado pelos indígenas a apenas um dos 760 hectares da propriedade até que a Fundação Nacional do Índio (Funai) demarque uma reserva para a comunidade.