O Vício da África em Ajuda Externa
Por Mesay Berhanu Gemechu*
É o começo do fim da excessiva dependência da África da ajuda externa?
A decisão de Trump de encerrar o fluxo de ajuda destinada ao mundo em desenvolvimento, especialmente à África, canalizada por meio da USAID nas últimas décadas, pode ter sido uma grande surpresa para muitos países africanos. Quase nenhum desses países estava bem preparado para lidar com as ramificações políticas, econômicas e sociais de tal decisão. No entanto, a própria ideia mascarada por essa decisão talvez não fosse inteiramente nova para os líderes desses países, se tivessem estado dispostos a ouvir os conselhos e alertas ecoados por Dambisa Moyo, economista zambiana, há mais de uma década, desde a publicação de seu livro “Dead Aid”, em março de 2009.
No livro, Moyo sustenta que a ajuda externa tem sido desastrosa para a África. Com base nos fundamentos econômicos que lançaram as bases do modelo de ajuda nas décadas de 1950 e 1960, a ajuda visava preencher a lacuna de poupança nos países recém-descolonizados para promover o investimento e o crescimento econômico. No entanto, Moyo argumenta que as evidências empíricas das últimas seis décadas não demonstram que a ajuda tenha alcançado o desenvolvimento econômico desejado nem a consequente redução da pobreza.
Embora a África tenha recebido mais de um trilhão de dólares em ajuda nos 60 anos anteriores à publicação do livro de Moyo, na década de 1970 apenas 10% da população vivia com um dólar por dia, enquanto hoje um em cada três africanos continua vivendo abaixo da linha de pobreza global. Segundo Hamel, Tong e Hofer (2019), o número de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 por dia chegou a 422 milhões, representando mais de 70% dos mais pobres do planeta.
O argumento de Moyo se concentra especialmente no tipo de ajuda que envolve apoio orçamentário bilionário fornecido por governos de economias avançadas e suas instituições. Outros tipos de ajuda, como humanitária ou caritativa (ex: enviar meninas à escola), não são o foco de sua crítica, embora ela aponte que esses tipos também costumam ter pouco impacto sustentável a longo prazo. Moyo destaca que essas ajudas são frequentemente mal implementadas, com altos custos administrativos e pouca relevância local.
Ela defende fortemente a eliminação do apoio financeiro oferecido por governos ricos a países em desenvolvimento como os africanos, independentemente de serem empréstimos com juros baixos ou subsídios. “São esses bilhões que prejudicaram, sufocaram e atrasaram o desenvolvimento da África” (Dead Aid, p. 9). Moyo propõe que essa ajuda seja encerrada em um período de transição finito e transparente de cerca de cinco anos. Ajuda eficaz, segundo ela, ocorreu na Revolução Verde na Índia, no Plano Marshall e na transformação da Coreia do Sul — todas com duração limitada.
Já os compromissos indefinidos com a África produziram efeitos opostos, pois seus governos passaram a considerar a ajuda como fonte permanente de capital. Isso revela o fracasso desses governos em buscar fontes alternativas de financiamento para o desenvolvimento. Em entrevista à TVO (Canadá), Moyo afirma que “o modelo de ajuda permite que os governos africanos abdiquem de suas responsabilidades”. Ela diz que esses governos não podem continuar esperando que doadores internacionais cuidem da saúde, educação, segurança e infraestrutura. “Este não é um problema africano, é um problema global. Devemos garantir que os governos africanos estejam liderando essa tarefa”, disse no Fórum de Liderança Jepson, em 2009, na Universidade de Richmond.
O casamento entre ajuda externa, corrupção e conflito
Entre os efeitos indesejáveis da ajuda bilionária está o aumento da corrupção, que sufoca o empreendedorismo essencial ao crescimento econômico. O Índice de Percepção da Corrupção de 2022 mostrou que apenas quatro países da África Subsaariana — Seychelles, Cabo Verde, Botsuana e Ruanda — superaram 50 pontos na escala de 100. Os outros 90% ficaram abaixo disso. O relatório também destaca que a corrupção se agrava com conflitos e violência, o que enfraquece a capacidade dos governos de mobilizar recursos e apoio público. Por sua vez, a instabilidade alimenta ainda mais a corrupção, num ciclo vicioso.
Moyo cita África do Sul e Botsuana como exemplos de países que rejeitaram a ajuda externa. Ruanda é um dos piores casos: segundo o Banco Mundial (2020), mais de 74% de seu orçamento vem da ajuda. Em 2019, Ruanda recebeu US$ 1,191 bilhão em ajuda — o terceiro maior volume no mundo, atrás apenas de Malawi e Micronésia.
Como o Estado é visto como fonte de capital na África, a ajuda externa estimula conflitos e disputas pelo poder. Segundo o mesmo relatório, cinco dos dez países menos pacíficos da África Subsaariana (República Centro-Africana, Sudão, RD Congo, Sudão do Sul e Somália) estão entre os 30 mais corruptos do mundo. Conflitos em Burkina Faso, Mali e Sudão do Sul, e violência armada no Congo e na Somália também figuram entre os que mais recebem ajuda internacional.
O papel da China na África
Moyo sugere que África reduza a dependência da ajuda, aumentando o comércio e o investimento estrangeiro direto. Ela elogia a China por investir em infraestrutura onde o Ocidente falhou por décadas. Pesquisa do Pew Research Center (2019) mostrou apoio popular à presença chinesa. A China investe em recursos naturais, bancos e agricultura — e, segundo Moyo, sem culpa ou pena, como faz o modelo de ajuda ocidental.
Ela reconhece preocupações com direitos trabalhistas, meio ambiente e governança, mas critica a hipocrisia do Ocidente: “Dizer à China para não investir na África enquanto empresta dinheiro aos EUA ou compra empresas britânicas é intelectualmente desonesto.”
Moyo dá o exemplo das redes contra a malária, que foram importadas para a África e acabaram com a produção local — quando poderiam ter sido fabricadas internamente, gerando empregos e atacando o problema de forma sustentável. Ela propõe alianças com países que precisam de produtos africanos, como a China, em vez de depender de subsídios ocidentais ou enfrentar barreiras comerciais — que, entre países africanos, ainda chegam a 19% (contra 12% no resto do mundo). Em 2021, o comércio intra-africano representava apenas 14,4% das exportações do continente, contra 59% entre países asiáticos.
Dinheiro morto
Citando o economista peruano Hernando De Soto (O Mistério do Capital, 2001), Moyo argumenta que o problema da África não é falta de dinheiro, mas de “dinheiro morto” — ativos sem valor de troca. Os pobres têm bens, mas não conseguem convertê-los em capital por falta de propriedade formal. É essa desconexão que impede o funcionamento do capital.
Ela elogia também os microcréditos de Muhammad Yunus (Bangladesh), que arrecadou mais de US$ 1 bilhão mesmo durante a crise de 2008, com altíssimo índice de pagamento. Ainda assim, Moyo admite que o modelo tem limites quanto à escala e impacto sobre a pobreza.

Segundo ela, as maiores críticas a seu livro vieram de ONGs ocidentais, que têm interesse direto na manutenção do sistema de ajuda, mais benéfico a elas do que aos africanos pobres.
Tese de uma reformadora inflexível
Michael A. Clemens, do Center for Global Development, critica o livro em sua resenha “Tese de uma reformadora inflexível”. Segundo ele, a denúncia da ajuda é convincente, mas não original; já as soluções propostas são originais, porém pouco convincentes. Ele afirma que as quatro propostas de Moyo carecem de provas de eficácia. Clemens cita o exemplo do Gabão — um dos poucos países citados por Moyo por atrair capital por meio de bônus — que está entre os 12% piores no índice de controle da corrupção, segundo o Banco Mundial. Para Clemens, o problema não é apenas a ajuda, pois outras fontes de financiamento também falham.
Ajuda externa e crescimento econômico
Diversos estudos têm resultados divergentes sobre o impacto da ajuda externa. Estudo de Tang e Bundhoo (2017) com dez países africanos entre 1990 e 2012 concluiu que a ajuda só afeta positivamente o crescimento quando há boa governança e instituições sólidas.
Outro estudo de Abate (2022), com 44 países entre 2002 e 2019, mostrou que ajuda em contextos de baixa qualidade institucional e pouca liberdade econômica tem efeito negativo.
Estudo de Rahnama, Fawaz e Gittings (2017) mostrou que ajuda externa é benéfica em países de renda média alta, mas negativa nos de baixa renda, especialmente onde há desemprego, inflação e corrupção elevados.
Apesar de ser o maior receptor de ajuda externa do mundo, muitos países africanos seguem nos últimos lugares no IDH e na Renda Nacional Bruta per capita. Dos 55 países africanos, metade tem IDH baixo e os dez últimos do mundo são africanos (exceto Iémen).
No geral, os estudos ajudam a explicar os efeitos negativos da ajuda externa em países marcados por corrupção e baixa liberdade econômica. Isso fortalece o argumento de Moyo de que a ajuda não tem sido eficaz na transformação africana. A decisão da administração Trump de suspender a ajuda ao Sul Global pode ser o momento ideal para que os líderes africanos optem por caminhos alternativos — e talvez reconheçam a previsão de Dambisa Moyo, ignorada por tantos anos.
*Mesay Berhanu Gemechu é formado pela Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros (Seul), com foco em desenvolvimento internacional e África. Foi editor adjunto do jornal etíope Addis Fortune e correspondente africano da Fundação Coreia-África em 2023. Atualmente vive em Seul. Contato: gmesayb24@gmail.com







