Por Jose Luís Vianna

 

Sem dúvida, os municípios produtores da Bacia de Campos estão numa profunda crise financeira. Num ano eleitoral, a pergunta que está no ar é: como administrar esses municípios com orçamentos tão afetados pela redução nos valores recebidos a títulos de Royalties e Participações Especiais?

As perguntas, em geral, giram em torno das previsões de arrecadação das rendas para os próximos anos e sobre as perspectivas da indústria regional do petróleo: o ciclo do petróleo está encerrado? Haverá uma recuperação da produção e dos valores das rendas? A Lei que redistribui as rendas pelos demais estados e municípios do Brasil, reduzindo, ainda mais, os valores recebidos por esses municípios, será sancionada? E, finalmente, diante da tragédia da má aplicação das rendas recebidas até hoje, a pergunta mais importante: o que fazer com as rendas, independente dos valores que venham a ter, daqui por diante?

Tratarei aqui dessas perguntas, na esperança de poder contribuir para o esclarecimento do enigma.

A redução do Orçamento é tão acentuada e as perspectivas da indústria petrolífera na região são tão pessimistas, que parece não haver solução no horizonte, a não ser o Ajuste Fiscal, cortando despesas importantes, começando com a demissão de servidores.

Considero isto uma simplificação da questão, além de um equívoco e uma grande injustiça, carente de um exame mais profundo da complexidade do contexto e da conjuntura em que estamos inseridos. É precipitado partir logo para soluções radicais, como se servissem para qualquer caso. Vamos analisar outras possibilidades.

Em que consiste a complexidade do problema orçamentário? Como enfrentá-lo? Ou, ainda, existe saída, sem recurso ao ajuste fiscal, com cortes de gastos essenciais e demissão de servidores, desde o primeiro momento?

É difícil resistir a posições simplistas, aparentemente inquestionáveis do ponto de vista técnico, científico e financeiro, como o Ajuste Fiscal, por mais que sua aplicação seja marcada, no Brasil, e no Mundo, por fracassos econômicos retumbantes e tragédias sociais irrecuperáveis.

Para começar, a questão é, acima de tudo, política. Esquecer isso e aplicar de forma nua e crua o Ajuste Fiscal é aceitar o agravamento da recessão, do desemprego e da pobreza como tragédias inevitáveis; é aceitar as desigualdades e as injustiças sociais como um preço necessário a pagar. Isso só faz sentido para quem não está entre os mais de 80% que pagam a conta, às vezes com a vida, do Ajuste Fiscal.

Sem dúvida, crise financeira requer tratamento racional, objetivo, técnico, mas todos esses aspectos estão subordinados à perspectiva política da abordagem do problema. Não há como escapar da dimensão política do drama que o município atravessa. Quais são as prioridades de uma política financeira?

Dito isso, apresento meus argumentos, referindo-me a Campos, mas que, no sentido mais amplo, aplicam-se aos demais municípios produtores do NF.

1) É uma crise de bilionário. De um município que assumiu compromissos de gastos em cima de uma expectativa de receitas, cuja maior parte provinha de uma fonte finita, instável, oscilante e imprevisível, em termos de valores. O petróleo se esgota com o tempo. Antes de se esgotar, sua produtividade e rentabilidade caem. Nesse meio tempo, seu preço está sujeito à geopolítica mundial, à sucessão de novas descobertas e de novas áreas de produção, aos ciclos de crescimento e declínio da economia mundial, ao controle maior ou menor de países e empresas sobre a produção e os preços. E, finalmente, depende do câmbio, cotado em dólar. Portanto, as rendas oscilam, inevitavelmente, com as vulnerabilidades e a volatilidade da economia do petróleo. E o Orçamento tem que prever com antecedência de um ano e meio quanto o município vai receber, em termos das Receitas Correntes.

Não bastasse isso, a Lei aprovada pelo Congresso – que retira quase tudo dos atuais municípios produtores e redistribui por todos os Estados e municípios do país – cuja vigência está sendo postergada por um recurso apresentado ao STF pelos Estados do Rio e do E. Santo, será julgada favoravelmente, na opinião unânime dos envolvidos. Tanto é que os governadores dos estados, por pressão do ES, RJ e SP, se reuniram, no início do ano, para encontrar uma solução que minimize as perdas desses três estados e seus municípios. Os entendimentos foram interrompidos pela pandemia.

Em qualquer cenário é irreversível o processo de redução drásticas das rendas petrolíferas recebidas por Campos dos Goytacazes e demais produtores do ERJ, bem como o próprio estado. O mais importante é que, mesmo em cenários otimistas de futuro, o problema da utilização das Rendas Petrolíferas nos Orçamentos Municipais continua a ser aparentemente insolúvel, devido ao caráter imprevisível dessas rendas, em função das suas oscilações radicais, causadas por fatores que os municípios não controlam.

2) Para agravar o problema, as reduções orçamentárias não dizem respeito somente às rendas do petróleo. A crise econômica que o país atravessa, agravada pela pandemia do coronavirus, vem gerando crescente desemprego e declínio das atividades econômicas, num cenário de retirada de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Isto significa a redução, em termos do Orçamento Municipal, das receitas próprias, tais como o ISS, o IPTU e o ITBI, por exemplo. Além disso, essa questão tem que ser tratada de forma independente das contribuições da  Indústria do Petróleo e do Porto, ou de qualquer Grande Investimento com as características desses dois, que é a total falta de controle dos municípios sobre os fatores que influem no sucesso ou fracasso, no crescimento ou declínio dessas atividades. A única âncora sobre a qual o município tem algum controle é a Arrecadação Própria, para aumentar o grau de autonomia nas decisões sobre despesas e investimentos. Mas, isso não quer dizer que os municípios não possam se apropriar de parte da riqueza gerada por Grandes Investimentos. Procurarei demonstrar isso.

Este é o contexto no qual deve ser pensada a futura gestão financeira municipal. Antes, é bom que se diga que o Orçamento previsto para 2021, menor ainda que o deste ano, coloca Campos como um dos maiores orçamentos do Brasil, dentre os municípios, incluindo capitais, que estão na mesma faixa de população. O mesmo acontece com Macaé. Já publiquei essas informações.

São bilionários que perderam muito dinheiro, mas que continuam bilionários. Mesmo assim, o problema continua, pois os municípios, nos últimos vinte anos, criaram despesas fixas, de custeio, permanentes, contando com a manutenção dos patamares elevados dos valores das rendas.

Como dar conta dessas despesas, com o Orçamento minguado, pelas perdas de arrecadação? Como resolver o problema dos gastos orçamentários, ante a perspectiva pessimista da indústria do petróleo regional?

Indo por esse caminho a questão está colocada de forma equivocada.

O equívoco foi, justamente, contar com rendas finitas, instáveis e imprevisíveis, como se elas fossem infinitas, crescentes, estáveis e previsíveis.

Como, então, lidar com essas rendas? Como utilizá-las em benefício do município, para o desenvolvimento? Como elas devem entrar no Orçamento?

À primeira vista parece que a solução seria organizar um Orçamento adaptado a essa oscilação e à gradativa redução. Fazer isso seria incorrer no mesmo erro. Deixaria o município, a cada ano, dependente de um recurso instável.

Para comprovar o que quero dizer, vamos fazer um exercício o mais otimista possível, para demonstrar que, mesmo assim, o problema não fica resolvido.

Digamos que, logo logo, haja investimentos nos campos maduros, e que a produção da Bacia de Campos, então, volte a ser significativa e a gerar novas rendas; e que o Pré-Sal da Bacia de Campos venha a ser explorado e gere muita renda. Ou, ainda, digamos que o Campo de Búzios, no Pré-Sal da Bacia de Santos, na costa do ERJ, vá render recursos significativos, mesmo com a Lei nova, para o Estado do Rio, a ponto deste poder apoiar o interior e as áreas que perderam recursos.

Ainda assim, deveriam os municípios e o estado incluir essas rendas, oscilantes e imprevisíveis, no seu Orçamento, conforme fizeram até hoje, sendo essa uma das causas da atual crise, com certeza uma das maiores que o Estado do Rio já sofreu?

Para desespero de muitos, a lição definitiva que aprendemos, nesses 20 anos de Royalties e Participações Especiais, é que, mesmo no melhor cenário possível, não se pode contar com as rendas para despesas regulares fixas e permanentes. Não se pode bancar despesas previsíveis permanentes com recursos imprevisíveis e transitórios. É uma lição já aprendida por muitos países do mundo e em vários municípios brasileiros.