A célebre reflexão de Walter Benjamin definiu o progresso como a tentativa da humanidade de “ativar o freio de emergência” na locomotiva da história. Suas palavras, escritas em meio à turbulência da Segunda Guerra Mundial, se mantêm atuais em tempos de crise climática e da descontrolada degradação do meio ambiente.

O novo livro de Andreas Malm apresenta resultados expressivos pela luta em prol da justiça climática.

A locomotiva da história parece ter acelerado mais do que nunca, aproximando-se rapidamente de uma grande variedade de limitações do planeta. Como podemos acionar esse freio?

O oportuno livro de Andreas Malm, provocadoramente titulado, How to Blow Up a Pipeline (tradução nossa: Como explodir um oleoduto?), tem despertado um debate muito importante sobre a melhor estratégia de parar a ‘máquina’. Malm é professor de ecologia política na Universidade de Lund (Suécia) e é conhecido como o autor dos títulos: Fossil Capital e The Progress of this Storm.

Petróleo

Em seu ensaio, Malm conduz a narrativa em seu tom habitual: lúcido e ardente, criticando com fervor aqueles que acreditam que o tempo já se esgotou e que a melhor opção para a humanidade é simplesmente começar a se preparar para o apocalipse. Para Malm, esse fatalismo climático, defendido por autores como Roy Scranton (“Learning to Die in the Antropocene“: Aprendendo a morrer no Antropoceno), é uma espécie de autopiedade privilegiada proporcionada ao primeiro mundo.

Também, as grandes empresas não são confiáveis para atuarem de forma decisiva sobre as mudanças climáticas. O interesse em manter a máquina funcionando é muito grande, mesmo à custa de nossa existência. Como apresentado no livro, há pouco incentivo para eliminar os campos de petróleo e outras formas de infraestrutura fóssil (que são frequentemente associadas a grandes investimentos, em primeiro lugar), já que se trata de um sistema econômico que valoriza o lucro primeiro.

Muitas grandes empresas de petróleo (privadas e de propriedade estatal) planejam expandir significativamente suas capacidades de produção nos próximos anos, apesar do fato que a exploração de fontes de petróleo existentes poderia impulsionar o aquecimento global e elevar as temperaturas a dois graus centígrados no norte.

A alternativa mais adequada encontra-se em um movimento público que obrigue os governos a atuarem de forma responsável, estabelecendo limites rigorosos aos excessos do capitalismo alimentado por combustíveis fósseis — o movimento por justiça climática. O ensaio esboça as três ondas pelas quais este jovem movimento já passou: desde o seu início nos anos 1990; passando pelas mobilizações em torno da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009, realizada em Copenhague; até as mais recentes greves e grandes manifestações pelo clima, lideradas por movimentos como Fridays for Future (Sextas-feiras pelo Futuro) e Extinction Rebellion (Rebelião ou Extinção).

Em muitos aspectos, essas sucessivas ondas de ativismo têm conseguido sensibilizar o público sobre o impacto catastrófico das mudanças climáticas. Também, elas ajudaram a aumentar a pressão sobre negociadores internacionais do clima, que acabaram por levar à adoção do Acordo de Paris em 2015, bem como sucessivos compromissos de governos regionais e nacionais.

Protesto

No entanto, até mesmo as maiores manifestações contra as mudanças climáticas têm tido um impacto pequeno nas emissões de gases de efeito estufa pelo mundo, que continuam sendo lançados. Em outras palavras, os passageiros da locomotiva da história estão mais informados do que nunca e concordam que algo deve ser feito, no entanto, a máquina continua a acelerar.

Os movimentos em prol do clima não conseguem impedir totalmente o funcionamento do motor e seu trabalho diário de destruir o planeta para fins de lucro privado. Mesmo em dias de extensas greves pelo clima, os grandes poluidores ainda conduzem seus negócios tóxicos implacáveis.

Seria possível, então, que o movimento por justiça climática intervenha na sala de máquinas do capitalismo? Como um movimento popular poderia se tornar um “risco de investimento” sério o suficiente para impulsionar os grandes poluidores a tomar medidas drásticas? Certamente, isso exigiria a revisão de algumas estratégicas fundamentais e de questões morais.

O livro de Malm reconta a história tocante de duas trabalhadoras católicas, Jessica Reznicek e Ruby Montoya, que enfrentam pegar até 110 anos de prisão por queimarem pequenos buracos nos dutos da Dakota Access Pipeline, os quais impediram por muitos meses a construção do projeto controverso.

Jessica e Ruby, como muitos no movimento pelo clima, passaram anos em campanha contra o projeto perigoso e prematuro de oleoduto. Centenas de petições, processos, protestos e até mesmo a grande resistência da liderança indígena em torno da reserva Standing Rock não tiveram resultado, sendo o projeto de oleoduto aprovado pelo presidente Donald Trump em 2017.

Ação

Diante de um projeto tão destrutivo, a sabotagem foi a única opção restante. Nenhuma vida foi prejudicada nas ações de Jessica Reznicek e Ruby Montoya, mas seus métodos abandonaram qualquer compromisso com a ideia de que certos limites, como a santidade da propriedade, deveriam ser preservados de modo a manter o apoio popular.

Malm chama essa posição de “estratégia da não-violência”. Ele oferece em seu livro uma leitura detalhada da história dos movimentos sociais, revelando que Jessica e Ruby estão longe de serem as únicas a cruzar os limites da não-violência na luta pela justiça climática.

De fato, a maioria dos movimentos sociais de mobilização de massa que atingiram significativas mudanças ao longo dos últimos séculos aumentaram o alcance ao adotarem estratégias mais radicais. Como mostra Malm, o fato certamente se aplica ao movimento sufragista na Grã-Bretanha, ao movimento anti-apartheid na África do Sul ou ao movimento de direitos civis nos Estados Unidos.

No caso, o livro é interpretado como uma resposta concreta aos fundadores da Extinction Rebellion, que usaram justamente esses exemplos para defender a estratégia de pacificação do movimento.  Ao mesmo tempo, os leitores são advertidos de que abraçar uma teoria de caráter radical não significa aceitar o ativismo por si só. O livro dispensa críticas a notórios grupos ambientais como: Frente de Libertação da Terra (FLT) e Frente de Libertação Animal (FLA), que agiam isoladamente e não tinham fundamento suficiente em um movimento de massa.

Como mostra o ensaio, a situação é diferente para o atual movimento por justiça climática, que tem mostrado grande paciência na defesa de sua causa e já trouxe milhões de pessoas para a rua. Malm argumenta que a vanguarda da próxima revolução por justiça climática pode ser encontrada em campos climáticos que canalizam o apoio público para experimentação de formas mais radicais de ação, como a ocupação anual das minas de carvão pela coalizão de Ende Gelaende, na Alemanha.

Luta

Infelizmente, no entanto, o livro apenas mostra brevemente que as lutas socioecológicas nos países em desenvolvimento e de terceiro mundo fortalecem um repertório sofisticado de estratégias radicais direcionadas à infraestrutura dos combustíveis fósseis.

Situadas no nexo do colonialismo, do capitalismo e da ecologia, essas lutas apontam para uma linhagem muito diferente de movimentos, do apartheid da África do Sul às reservas de carvão da Índia, do Egito e do Delta do Rio Níger na Nigéria.

Malm, certamente, não é o primeiro autor a afirmar o fim das políticas revolucionárias nos países em desenvolvimento e de terceiro mundo. Mas eventos como o fechamento de bombas de petróleo e de rodovias por agricultores indianos em protestos recentes, ou os vigentes protestos em torno do mundo a favor dos direitos dos povos indígenas sobre suas terras e contra os oleodutos, são importantes lembretes de que temos muito a aprender com histórias de luta pelo mundo.

Por fim, esse lembrete só confirma a principal provocação do livro, a qual bem provavelmente nos assombrará na próxima década: após anos de negociações inconclusivas, quando finalmente será a hora de tomar a sala de máquinas?


Traduzido do inglês por Rubia Gomes / Revisado por Luma Garcia Camargo

 

 Sobre o autor

Elias Köenig é estudante de filosofia da Universidade Livre de Berlim. Sua pesquisa se enquadra em filosofia ambiental não-ocidental.

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