Não são poucos os argumentos que se opõe ao dia da consciência negra: Então teríamos que ter o dia da consciência polaca! Dizem, ou, dia do Branco! Afirmam outros. O fato é que, quando essas afirmações pairam no ar, o lugar de onde nascem não é dos melhores.

Em uma época como a nossa, de forte hipnose, chegar à raiz de nossas próprias afirmações é ato raríssimo e demanda a superação de uma ingenuidade, que reside na mentalidade de quem compreende a história como coisa natural, indiferente. A mentalidade que “vê” tudo como objeto para si, como perspectiva de suprir os próprios interesses não chega a reconhecer a humanidade no outro, pois, destina-se justamente ao contrário, a coisificar o outro, a fazer do outro prótese de seus próprios interesses. E ao negar a intencionalidade do outro, nega-se o direito do outro de modificar a realidade, nega-se o direito do outro de ser o que ele quiser, nega-se o direito do outro de viver sua vida do modo como gostaria.

Dessa maneira, superar tal ingenuidade no pensar equivale a se reconhecer como um ser histórico-social que transforma a si mesmo e a realidade em que vive, o que implica assumir uma nova atitude mental com a história e com a própria vida e, sobretudo, com as pessoas que compartilham âmbitos, fracassos e alegrias. O ser histórico-social reconhece sua intencionalidade, essa é o que pode unir o pensar, o sentir e o atuar em uma mesma direção, em ato coerente, e, com isso, se valer do princípio de tratar os demais como gostaria de ser tratado. Isso é ser exemplo, modelo, referência psicossocial, que não necessita coisificar para ser.

Compreender a história a partir dessa ótica é reconhecer a intencionalidade das minorias que decidiram, levantaram e lutaram para mudar uma realidade opressora. É uma ingenuidade sem tamanho afirmar que o dia da consciência negra é um equívoco, pois, nessa afirmação nega-se a intencionalidade daqueles que se opuseram frente à tirania, à violência, à coisificação. É, no mínimo, curioso que tanta gente se oponha ao dia da consciência negra, tanta gente esquecida de sua história milenar, como se todo esse passado que foi sendo “superado” nada representasse hoje. Ora, não seria essa a hipnose do nosso tempo? A mentalidade que não consegue refletir sobre os dados que tem? Que não consegue encontrar no outro o aspecto humano, pois, em si mesmo não encontra?

A história que tanto têm-nos ensinado ecoa em seu seio os gritos de pavor, os prantos, a violência em todas as suas formas, a liberdade aniquilada, as manipulações, a não justiça, as correntes atadas às mãos, a tortura … e também, tudo que tem sido superado para a construção de uma história verdadeiramente humana. Certamente, devemos agir para alterar positivamente nossa memória histórica, inferir no mundo e transformá-lo, decididamente, até que nossa história seja como um pássaro que, na paisagem silenciosa da compreensão e do amor, voa pelos cumes nevados das altas cadeias montanhosas.

Por Rodrigo Luiz