TEATRO

Por Marrom Glacê

 

Sob direção de Luiz Antônio Pilar, montagem do texto inédito de Alvaro Campos aborda a necessidade de afeto para amenizar a dificuldade de comunicação causada pelo abismo social que separa uma família – que não se aceita como tal por preconceito.

No meio de transporte mais comum para realizar a travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, o encontro. No meio da baía que separa as cidades fluminenses, Ivo (André Ramiro) e Douglas (Paulo Giannini) inevitavelmente se aproximam. Em condições diametralmente opostas, os personagens, que foram criados juntos, praticamente partilhando pai e mãe, mas não podem se chamar de irmãos graças à cultura que os formou, buscam resolver suas pendências agora que o convívio se tornou ainda mais difícil. Este é o ponto de partida do espetáculo inédito “A Barca”, texto de Alvaro Campos dirigido por Luiz Antônio Pilar, estreou a temporada dia 05 de setembro, no Teatro Correios Léa Garcia, no Centro Cultural Correios.

Ora para ajustar contas, ora para costurar memórias, ora para reclamar o futuro incerto, ora para saltar o abismo que afastam Ivo e Douglas, o espetáculo lida com uma temática importante: a relação inter-racial e seus pilares temporais: passado, presente e futuro. E o espectador é convidado a uma discussão demasiadamente humana sobre as origens dos pré-conceitos na representação dos corpos. A montagem acontece graças aos recursos do Edital LPG – Apoio ao Teatro – Evoé RJ. Nos dias 9 e 10 de outubro, às 15h, a montagem fará apresentações gratuitas no Teatro Alcione Araújo, na Biblioteca Parque Estadual. Ambas serão seguidas de debate com a presença da equipe de criação e elenco.

O pensamento decolonial e a inclusão definem o projeto. As personagens evocam as complexas heranças culturais de suas árvores biológicas somadas ao abismo que corta suas realidades sociais para revelar o quanto de irmandade e desamor tecem o vínculo entre eles. “Embora o racismo estrutural brasileiro esteja presente em qualquer lugar, em qualquer tipo de relação, a peça fala mais sobre a impossibilidade de comunicação entre dois homens que tiveram, podemos assim afirmar, o mesmo porto de afeto que foi o amor da mulher, empregada doméstica, pelo seu filho biológico e o outro menino, filho dos patrões. Mesmo assim, os dois, vivenciando memórias e prazeres juvenis, são incapazes de se auxiliarem por conta do abismo social”, pontua o diretor Luiz Antônio Pilar.

A decisão de construção de texto foi, para Alvaro Campos, uma maneira de sanar uma questão afetiva através de uma metáfora artística. “Quis transformar em arte um período complexo da minha vida particular, em que perdi dois entes queridos. Queria falar sobre como o afeto familiar é a única barca possível quando o mar é revolto demais para navegar. E sobre como às vezes todos nós, de forma orgulhosa e estúpida, temos medo de confiar nessa embarcação. A barca leva de um ponto ao outro. É sinônimo de mudança. E quando a barca está no mar, você está preso com a companhia dos demais passageiros.  É preciso lidar com o que se sente por eles”, pondera o autor.

Pilar complementa, considerando que o texto aborda a questão socioeconômica e afetiva entre dois homens. “Embora convivendo durante muitos anos no mesmo ambiente, eles tiveram uma vivência social contrária neste mesmo espaço: um cresce como homem de classe média, quase rico, com formação universitária e filho dos patrões. E o outro como pobre, com uma educação básica, filho da empregada, um adulto com poucas possibilidades de exercer uma atividade que lhe dê prazer. O grande diferencial na nossa montagem é que, contrariando a realidade e expectativa racista e social vivida no Brasil, o homem com os pais ricos, universitário e filho dos patrões, é PRETO. O outro, é BRANCO”, antecipa o diretor.

Um dos desafios da montagem foi cuidar para que o personagem negro, que na cena está em superioridade social, mas num lugar de dívida, não fosse inserido num lugar de algoz, como costuma comumente e equivocadamente ser relacionado na sociedade, sobretudo mediante tal cenário. “Esta é uma questão muito inteligente e sensível. Mas reconheço que hoje, depois de anos de luta e de um trabalho constante de afirmação da condição do ser preto/preta através de movimentos sociais e de letramento racial no processo de educação, o cidadão e a cidadã, preto e preta, já sabe que pode ir para além deste limite. As pessoas já chegam com uma consciência crítica e questionadora sobre este papel, ainda que muitos ainda queiram colocar os negros no lugar de algoz ou vítima passiva de um sistema feito para anulá-lo”, aposta o diretor Luiz Antônio Pilar.

Em cena durante todo o tempo, os dois atores são apoiados por uma trilha sonora que sublinha os diversos sentimentos expressos e a história da peça. De maneira a afirmar o jogo cênico diante do público, os atores vão transformando os seus figurinos, estabelecendo novos climas dramáticos para a narrativa e em suas interpretações, revelando ao público o espaço e cenário onde estão contracenando. Criado a serviço do texto, o espetáculo foi respeitando todas as suas indicações emocionais, psicológicas e físicas.

“Queremos mostrar como o afeto é o único catalisador para qualquer transformação positiva. A luta de classes. O preconceito geográfico. A construção da consciência antirracista. Todas as causas são vitais, mas em suas complexidades e desafios, esquecemos que é o afeto que permite a escuta sincera. É o acolhimento afetivo que desarma as tensões e permite a aproximação. Vivemos um tempo estúpido não pela falta de informação ou capacidade cognitiva, mas porque negligenciamos a construção do afeto entre diferentes, como se não estivéssemos vivendo na mesma cidade, no mesmo país, no mesmo planeta, no mesmo tempo. ‘A Barca’ é a história de uma família que não se aceita como tal por preconceito, mesmo que seus integrantes precisem desesperadamente do apoio familiar”, encerra o autor Alvaro Campos.

FICHA TÉCNICA:

Autor: Alvaro Campos

Diretor: Luiz Antônio Pilar

Diretora Assistente: Lorena Lima

Elenco: André Ramiro e Paulo Giannini

Iluminadora: Elisa Tandeta

Cenógrafa: Lorena Lima

Figurinista: Rute Alves

Diretora Musical: Ifátókí Maíra Freitas

Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação

Designer Gráfico: Rita Ariani

Fotógrafo: Dalton Valério

Gestão em Mídias Sociais: Rafael Teixeira

Supervisão Dramatúrgica: Eliane Alves Cruz

Direção de Produção: Kadu Garcia e Paulo Giannini

Assistente de Produção: Nino Batista

Realização: Saravá Cacilda Projetos Culturais

SERVIÇO:

“ A BARCA”

Temporada: 5 de setembro a 5 de outubro de 2024*

Dias e horários: Quinta-feira a sábado, às 19h

Local: Teatro Correios Léa Garcia / Centro Cultural Correios

Endereço: R. Visconde de Itaboraí, 20 – Centro – Rio de Janeiro

Telefone: (21) 3088-3001

Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)

Link para compra de ingressos antecipadoshttps://riocultura.eleventickets.com/

Duração: 65 minutos

Classificação Indicativa: 14 anos

Instagram: @sarava.cacilda

*Nas sessões dos dias 4 e 5 de outubro haverá Libras e audiodescrição.

Apresentações gratuitas com libras, audiodescrição e seguidas de debate:

Dias e horários: 9 e 10 de outubro (quarta e quinta-feira, às 15h)

Local: Teatro Alcione Araújo / Biblioteca Parque Estadual

Endereço: Av. Pres. Vargas, 1261 – Centro – Rio de Janeiro

Entrada Gratuita

Duração: 65 minutos

Classificação Indicativa: 14 anos

Instagram: @sarava.cacilda

SOBRE A EQUIPE:

ANDRÉ RAMIRO (ator)

Retornando ao teatro após seis anos, é ator e rapper. Estreou sua carreira no filme “Tropa de Elite” (vencedor do Urso de Ouro 2008) e “Tropa de Elite 2”, ambos dirigidos por José Padilha e lançados respectivamente nos anos de 2007 e 2010. Por conta de sua atuação como o personagem Mathias em “Tropa de Elite” ganhou diversos prêmios: Melhor Ator Revelação de Cinema 2007 por “Tropa de Elite” – Prêmio Qualidade Brasil; Melhor Ator Coadjuvante eleito pelo Voto popular e pelo Júri oficial na 3ª Edição do Prêmio Contigo de Cinema Nacional 2007; e Melhor Ator do Ano de 2007 conferido pelo Troféu Raça Negra da Afrobras (Federação das Religiões Afro-Brasileiras). Em 2010, novamente recebeu o prêmio de Melhor Ator do Ano – Troféu Raça Negra e, em 2013, o Troféu Top of Business Nacional. No Streaming, lançou as séries “Pacto de Sangue”, dirigida pelo uruguaio Adrián Caetano e pelo brasileiro Tomás Portella e exibida pelo canal Space; “Rio Heroes”, dirigida por Pablo Uranga e exibida pelo Fox Premium; “Amor dos Outros”, dirigida por Alexandre Mello; “Dom”, com direção de Breno Silveira e exibida pela Amazon; e “Além do Guarda-Roupa”, dirigida por Marcelo Trotta, Paula Kim e Sabrina Greve.

PAULO GIANNINI (ator)

Idealizador do espetáculo “A Barca”, é ator e produtor com mais de 25 anos de carreira. Atuou nos espetáculos “Procópio”, “Galápagos”, “Beijo no Asfalto”, “Otelo”, “Fogo Morto”, “Minh’alma é imortal”, “Engraçadinha”, “A Tempestade”, entre outros. Na trajetória no teatro, foi dirigido por Jeferson Miranda, Dani Barros, Isabel Cavalcanti, André Paes Leme, Henrique Tavares, Dudu Sandroni, Miguel Vellinho e Miwa Yanagizawa, dentre outros. No cinema fez “Mundo Novo”, de Alvaro Campos, sendo indicado ao prêmio de Ator Coadjuvante pelo Festival do Rio 2021. Atuou também em Copa 181, de Dannon Lacerda, e “Só 10% é mentira”, de Pedro Cezar. Entre 2005 e 2011 apresentou o monólogo “Homem de barros” da obra de Manoel de Barros, percorrendo 43 cidades em 13 Estados. Como diretor de teatro do grupo Nós do Morro (2007-2011), dirigiu “Barrela”, de Plínio Marcos, com temporadas no teatro do Vidigal em 2009/ 2013, no CCBB/RJ e na Casa do Mercado em 2009/10, no Parque das Ruínas em 2012, e em mais seis cidades do país, obtendo sucesso de público e crítica.

ALVARO CAMPOS (autor)

Para o teatro, escreveu “O Branco de Seus Olhos”, com atuação de Karine Telles, montado no SESC Copacabana e no Teatro Poeira. Roteirista para Netflix da série (biografia ficcionalizada) sobre Ayrton Senna. Integrou o time de roteiristas da série biográfica sobre Anderson Silva (MMA) para a Viacom/Paramount+. Também lança “Mundo Novo” (co-produção VideoFilmes/Nós do Morro) longa que escreveu e dirigiu selecionado para a 45a Mostra de São Paulo (2021) e que ganhou o troféu Redentor de Melhor Roteiro e Melhor Atriz no Festival do Rio 2021.  Integrou o núcleo Refinaria de Histórias da VideoFilmes/Revista Piauí, desenvolvendo séries originais sob comando de João Moreira Salles e figura desde 2020 como Berlinale Talent. No cinema, seu curta “Leo & Carol” (2016), hoje com 3 milhões de views no YouTube, foi premiado em Cannes, Barcelona, Bruxelas e no Reelabilities Film Festival de Nova York (2018). Seu primeiro longa, “Altas Expectativas” (Globofilmes/Telecine/Vitrine, hoje licenciado pela Netflix), que escreveu e dirigiu, foi selecionado para o Festival des Films du Monde de Montreal

2017 (FFM), o Miami Film Festival (2018) e o Festival do Rio (2017) – onde ganhou menção honrosa na Mostra Geração, além de ter participado de festivais nos EUA, Espanha e França. Também escreveu e dirigiu os longas-documentários “Tá Rindo de Quê? – Humor e Ditadura”; e “Rindo à toa – humor sem limites” (Globo/Canal Brasil/GloboNews, hoje licenciado pelo Globoplay), ambos selecionados para o Festival do Rio (2018).

LUIZ ANTONIO PILAR (diretor)

Vencedor do Prêmio Shell/2024 pela direção do espetáculo musical “Leci Brandão – Na palma da mão”, onde foi diretor, produtor e idealizador. Diretor do espetáculo “Mãe Baiana” (2024) e “Mãe de Santo” (2022/2023). Diretor na novela “Todas As Flores”, dos Estúdios Globo, como primeira novela produzida exclusivamente para um canal de streaming, o GloboPlay, no Brasil.

Em 2005, foi nomeado ao Prêmio Emmy Award, pela participação na equipe de direção da novela “Sinhá Moça”, TV Globo. Em 2018, recebe o Troféu Batoque – na Mostra Competitiva, Melhor Filme – Júri Popular, Arquivo em Cartaz -Festival Internacional de Cinema de Arquivo, do Arquivo Nacional, para o Filme de longa-metragem CANDEIA – biografia do cantor e compositor Antonio Candeia Filho, em cartaz atualmente na programação Linear do Canal Curta. Em 2021, recebeu os Prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Direção De Arte, no Cine PE – Festival do Audiovisual 2021 – Mostra Competitiva de Longa-Metragem, para o filme “Lima Barreto ao terceiro dia”. Em 2009, recebe o Prêmio Destaque, da TV Globo, pela direção da novela “Desejo Proibido”. Em 2010, recebe o prêmio Troféu Raça Negra – ‘Coração de Estudante’ Homenagem: Milton Nascimento.