Alexandre Pires está à frente da ampliação de vagas para as populações rurais e de baixa renda, assim como para a agricultura familiar no Brasil.

Por Zoe Sullivan* / Inkstick

Apenas alguns dias antes da primeira rodada das últimas eleições no Brasil, Alexandre Pires dançava com amigos progressistas. Centenas de pessoas, muitas vestindo roupas vermelhas, uma referência ao Partido dos Trabalhadores brasileiro, se juntaram dentro dos portões do Parque Treze de Maio no centro de Recife, desdobrando faixas e agitando bandeiras.

Pires, que tem feito campanha pelas comunidades rurais do interior, onde ele tem trabalhado em problemas relacionados à agricultura familiar por duas décadas, se sentia animado. Porém, essas esperanças foram arruinadas, quando os eleitores optaram por não encaminhar Pires à Assembleia Legislativa. Em vez disso, ele voltou a ser o coordenador do Centro Sabiá, que dá suporte à agricultura familiar ensinando e apoiando uma abordagem da agroecologia para a atividade de cultivo. O nome Sabiá remete a um pássaro que se assemelha a um pintarroxo e a uma árvore frutífera originária da Caatinga, bioma da região Nordeste do Brasil, uma ecorregião de mata adaptada à escassez de chuvas.

Tendo crescido numa pequena agricultura familiar na região semiárida do Nordeste brasileiro. O compromisso de Pires advém de suas próprias origens.

Como todas as crianças do Sertão, minha infância foi limitada em termos de acesso a certas coisas, porém foi muito livre em termos de poder brincar e viver nas cidades do interior. Pires disse em uma sala cavernosa no escritório do Centro Sabiá na região central de Recife, apenas alguns dias passados desde a primeira rodada da eleição presidencial em outubro de 2022.

Recife, a capital do Estado nordestino de Pernambuco, abraça a costa e atrai pessoas da região ao redor para as suas oportunidades de trabalho e seu cenário cultural vibrante. Para moradores rurais como Pires, a cidade oferece esperança para uma vida melhor e de demanda física menos intensa. Em uma região afetada pela seca, pela pobreza e pelo coronelismo, um sistema de oligarquia agrária em que grandes fazendeiros controlam tanto a economia quanto a política local uma cidade como Recife pode parecer como um guia.

A mudança para Recife

A família de Pires era dona de uma pequena loja na cidade de Jabitacá, a 386 quilômetros de Recife. O pai de Alexandre não tinha dúvidas de qual seria o melhor caminho para seus filhos. Na época, a Igreja Católica era uma força progressista muito forte na região, e Pires relembra como um bispo local confrontou os proprietários de terras locais que se beneficiaram de projetos de construção em suas terras financiados pelo Estado, enquanto os membros da comunidade que fizeram o trabalho receberam uma ninharia.

“Quando eu terminei a quinta série do ensino fundamental, meus pais e uma das minhas tias, que era uma professora, queriam que nós estudássemos porque não queriam que fôssemos fazendeiros, lembra Pires, porque a vida de fazendeiro, especialmente na região semiárida, sempre foi uma vida difícil, muito difícil. Falta água, faltam políticas públicas, faltam programas que poderiam dar0 suporte à agricultura.”

Sua tia Lina, que morava com Pires, seus parentes e irmãos, pagou a sua mensalidade da escola privada com o salário de professora. Ela foi a primeira mulher eleita membro do conselho da cidade em sua comunidade, e Pires diz que ela foi assediada e que recebia ameaças de morte devido a suas visões políticas progressistas e ao apoio que dava aos trabalhadores rurais. Seu pai também se tornou um membro do conselho.

E então, aos 14 anos, Pires arrumou suas malas e se mudou com seus parentes para Recife. Embora a escola que ele frequentava oferecia a Pires uma excelente educação, também o expôs a um mundo diferente.

“Quando me mudei para o Recife, eu passei por um momento muito difícil porque me sentia muito excluído. Eu estudei numa escola privada em que os estudantes eram ricos — e eu não era rico”, diz Pires.  “Então, eu me fechei muito para relacionamentos.”

Mas as aulas não eram o único problema. Pires também se deu conta de que era gay.

“Eu tinha receio com relação à minha sexualidade e eu era muito indeciso quanto a ir para sítios ou apartamentos de ricos em Recife, porque a minha realidade era outra”, disse ele.

Assim que terminou o ensino fundamental. Pires se aventurava nos negócios sempre que podia.

“Eu vendia roupas, comida, fazia cartões artesanais pra me virar até entrar na universidade em 1997. E comecei a trabalhar em empregos mais formais com registro em carteira”.

Quando me tornei ativista

Alexandre tinha 10 anos de idade quando a ditadura do Brasil foi dissolvida em 1985, e o país voltou ao regime democrático. Ele entrou na universidade num período em que o governo brasileiro implementava medidas significativas para controlar a inflação e estabilizar os preços ao consumidor. Na universidade, ele estudou biologia e começou a envolver-se em ativismo estudantil ligado a questões ambientais.

“Essa questão de derrubar árvores sempre me deixou muito indignado”, disse Alexandre. “Nós questionaríamos a universidade sobre a questão do lixo, sobre a rede de esgoto dentro da universidade, e questionaríamos a cidade sobre problemas relacionados aos manguezais.”

Recife fica de frente para o oceano e para os dois rios que deságuam no Atlântico e que estão repletos de manguezais, servindo de habitat para pássaros como garças, bem como caranguejos e outros animais. Muitas cidades e centros urbanos brasileiros são carentes de sistemas de esgoto.  E apenas metade dos moradores de Recife está conectada à rede de esgoto da cidade.

Em 2002, alguns anos após formado, Alexandre conheceu o Centro Sabiá após cortes de investimentos causarem sua demissão de um sindicato. O Sabiá havia sido fundado alguns anos antes com o objetivo de proteger e nutrir os sistemas agroflorestais, o que, de acordo com Pires, era muito incomum na época.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura define a agroecologia da seguinte forma:

Uma abordagem holística e integrada que simultaneamente aplica princípios e conceitos sociais e ecológicos para o desenvolvimento e a administração da agricultura sustentável e sistemas alimentícios. Ela busca otimizar as interações entre plantas, animais, seres humanos e o meio ambiente, abordando também a necessidade de sistemas alimentares socialmente equitativos a partir dos quais as pessoas podem exercitar a escolha sobre o que comem, como e onde o alimento é produzido.

A agroecologia oferece uma estratégia de produção que permite aos pequenos agricultores da região semiárida do Nordeste brasileiro sobreviverem às secas e a metade da estação sem chuva. Concentrada na parte nordeste do país, a região semiárida engloba aproximadamente 12% da massa de terra brasileira.

Durante a estação seca, um passeio de carro pelo interior de Recife mostrará a paisagem mudando do verde exuberante da região da floresta costeira para árvores desfolhadas e gramíneas marrom-acinzentadas. Mas normalmente em abril, as chuvas tiram a poeira das árvores e das folhas verdes enquanto os brotos emergem do chão.

Nesse contexto, as cisternas para captar e reter a água da chuva são a diferença entre a capacidade de se sustentar e a oportunidade de manter as plantações e alguns animais. As cisternas são alguns dos equipamentos que o Centro Sabiá e algumas organizações parceiras como a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) usam pra ajudar os agricultores a desenvolver suas operações nessas condições desafiadoras, assim como estratégias como o plantio de culturas de cobertura, como o feijão e a alimentação do gado com cactos. Alexandre participou do Comitê de Coordenação Executiva da ASA entre 2015 e 2021.

Apesar de sua experiência estudando conservação e promoção da justiça ambiental, as últimas técnicas não eram novas para o Alexandre. “Eu não era familiarizado com a agroecologia. Não estudamos agroecologia na universidade”, reconheceu ele.

O primeiro contrato entre Pires e o Centro Sabiá tinha previsão de apenas seis meses. E logo a organização o enviou de volta para o Sertão para dar assistência técnica a pequenos agricultores. Mas antes que ele começasse a trabalhar, a organização enviou Alexandre para viver por dois meses com duas famílias de agricultores diferentes no sertão semiárido e na região Agreste menos árida. Essas estadas ajudaram-no a se instalar, a se conectar com as pessoas e a começar a entender a dinâmica e as experiências da comunidade.

“Apesar de ser filho de fazendeiros, eu não sabia como lidar com essa [cultura] sendo adulto,” disse Alexandre. Curva de aprendizagem baixa ou alta, o novo trabalho despertou algo profundo.

“Eu me descobri trabalhando com educação popular: ao me preocupar, lidar e valorizar o conhecimento e a sabedoria dos agricultores. Foi um tremendo aprendizado”, reconheceu Alexandre.

E Pires permaneceu no interior do Estado por três anos. Naquela época, ele foi contratado de forma permanente e descobriu sua profunda conexão com as pessoas a quem o Centro Sabiá servia e o trabalho que vinha fazendo para promover caminhos sustentáveis para fazendas de menor escala.

Amparo à agricultura familiar

A primeira Feira do Produtor de Recife foi realizada em 1997 a fim de mostrar a produção que os agricultores locais estavam cultivando. Alexandre disse que, usando as técnicas da agroecologia que o Centro Sábia vem compartilhando por quatro anos, não apenas permitia que os agricultores se alimentassem como também que eles tivessem produção extraordinária para venda —  E venderam tudo. Agora, a cidade sedia cinquenta Feiras do Produtor a cada semana, e  quase cem outras atendem a pequenas comunidades pelo Estado. Uma feira de fim de semana, no rico bairro de Casa Forte, onde agricultores são vistos pegando ônibus para a praça, onde eles armam suas barracas, mas são os próprios agricultores que pagam pelo transporte, diz Alexandre.

“Os agricultores desempenham um papel e executam uma tarefa ao trazer comida para as cidades, mas o Estado não reconhece isso no que diz respeito às políticas públicas”,  disse Pires. “É claro, o Estado não pode subsidiar tudo”, reconheceu ele,mas é importante ter algum apoio.”

Pires enxerga nessas feiras uma oportunidade de aprendizado para os moradores, como também o fornecimento de uma fonte de alimentos saudáveis.
Visto que a produção disponível varia a cada estação, diz Alexandre, os comerciantes se veem diante de uma realidade de que cultivar de acordo com as condições locais significa que produtos como mangas aparecerem apenas durante alguns períodos do ano.

Mas há um outro aspecto interessante dessa história. Um estudo feito pelo Centro Sabiá em conjunto com o Instituto Federal de Pernambuco, uma escola pública e altamente competitiva focada em ciência e tecnologia, comparou dezessete produtos cultivados “de forma tradicional” em cinco cadeias de supermercados grandes com o custo daqueles mesmos produtos nas Feiras do Produtor.

“Produtos agroecológicos eram mais baratos ou custavam o mesmo que produtos equivalentes nas mercearias e mercados normais”, disse Alexandre. Isso era uma verdade no interior do Estado, próximo às fazendas que cultivam esses produtos. Na cidade, reconhece Alexandre, o custo do transporte pode torná-los um pouco mais caros, mas, segundo ele, o custo é “substancialmente menor do que o custo dos orgânicos que são vendidos nos supermercados.”

Ainda assim, Alexandre diz que estes mercados não estão abastecendo as comunidades de baixa renda da cidade, que sofrem com altos índices de problemas de saúde como pressão arterial alta e obesidade. Por volta de 2014, o Centro Sabiá elaborou uma proposta para colocar as Feiras do Produtor em locais ao redor da cidade onde houvesse conjuntos de equipamentos de ginástica ao ar livre que ajudassem os moradores de baixa renda a se exercitarem sem a necessidade de assumir os custos da adesão a uma academia.

“O Ministro [da Saúde] não financiou, o governo mudou, e ficou nisso”, disse ele.

Desde então, a economia brasileira desacelerou, a inflação aumentou, e algumas medidas de combate à fome foram desmontadas ¾ inclusive aquisições governamentais de produções rurais ¾, deixando cerca de 33 milhões de brasileiros famintos. Segundo Alexandre, só em Pernambuco havia meio milhão de pessoas em condição de insegurança alimentar e fome em 2022, mas um relatório do mês de setembro de um grupo de pesquisa focado em alimentação elevou esse número em quatro vezes ¾ para 2,1 milhões.

“Esse grupo de políticas públicas ¾ o programa de aquisição de alimentos; o programa nacional de alimentação escolar, que modificou a lei em 2009 para adquirir pelo menos 30% da demanda advinda da agricultura familiar; o programa de cisternas, que trouxe água para a população do semiárido e juntamente com ela a capacidade de cultivo; a política nacional da agroecologia e produção orgânica, e a política nacional de assistência técnica e extensão rural ¾ todas essas políticas foram simplesmente descartadas pelo governo Bolsonaro”, disse Alexandre. “Ou seja, visto que os agricultores não possuem um mercado, eles não podem produzir”.

Enquanto isso, a crise do coronavírus chegou, e a situação econômica piorou junto com um cenário político turbulento.

Neste contexto, Alexandre concorreu para a Assembleia Legislativa de Pernambuco em 2022, destacando a necessidade de políticas públicas de apoio à agricultura familiar. “Há uma ausência de estratégia política que valorize a agricultura familiar”, disse Alexandre. “Com exceção da minha campanha, todos as outras negligenciaram o papel da agricultura familiar. Quando isso acontece, há uma evasão das comunidades rurais”, afirmou ele.

“Então, isso que meu pai disse quando eu tinha catorze anos de idade, que ele queria que eu estudasse fora porque não havia futuro na agricultura; hoje vivemos na mesma realidade”, disse ele.

“Os governos não valorizam a agricultura familiar. Os governos valorizam o agronegócio, os grandes produtores, as grandes indústrias”, disse Pires, descrevendo como os jovens, em vez de focar em pequenas fazendas, tendem a olhar para o agronegócio em busca de oportunidade de trabalho. Ao mesmo tempo, ele diz, as pessoas perderam a fé na política, e por isso focam no presente.

“Existe um movimento histórico no Brasil, da direita e da extrema direita, para colocar [dinheiro e fé] no lugar da política”, disse Pires. “Discutir política nesse contexto mais amplo de quais são os problemas e como resolvê-los, quais projetos de lei e políticas públicas podem ajudar a resolver esses problemas, ninguém mais acredita nisso. As pessoas não acreditam na política”, ele concluiu como resultado de sua experiência de campanha na qual ele perdeu sua candidatura à assembleia legislativa estadual.

Apesar disso, em março de 2023, foi oferecido a Pires um cargo no governo do Presidente Lula da Silva. Agora, Alexandre é o diretor de esforços para prevenir a desertificação dentro do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas. O nome de Pires foi proposto pela ASA, que trabalhou muito tempo garantindo acesso à água na região semiárida do Brasil.

“A Ministra [Marina Silva] reconhece a rede da sociedade civil da ASA que foca nessa questão, mas o faz de forma humanizada. Então, não se trata apenas de recuperar o ambiente físico, mas sim de recuperar o ambiente onde as pessoas moram, onde as pessoas estão vivendo com todos os seus projetos socialmente produtivos e reprodutivos. Então, eu me sinto muito honrado ¾ e desafiado, é claro ¾, com o convite”, disse Pires.


Zoe Sullivan é uma jornalista investigativa e produtora musical que divide seu tempo entre Wisconsin e o Brasil desde 2013. Seu trabalho se concentra na igualdade de gênero, na sustentabilidade ambiental e no desenvolvimento comunitário, e tem sido divulgado pela BBC World Service, pelo jornal The Guardian, pelo portal ‘web’ Mongabay, pela revista Time, pela produtora digital Audible, dentre outros veículos.

 

Traduzido do inglês por Jefferson Hermesdorff

O artigo original pode ser visto aquí