Se existe algo como uma marcha avante do progresso humano, ela não apenas parou, como está dando agora marcha atrás. No outono passado, um relatório da ONU, que foi pouco discutido, observou que o índice de desenvolvimento humano havia diminuído em 90% dos países por dois anos consecutivos, uma queda sem precedentes por mais de três décadas. A pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia tiveram um papel, mas a queda também foi consequência de “grandes mudanças sociais e económicas, mudanças planetárias perigosas e avultamentos maciços na polarização política e social”.

Talvez você esteja familiarizado com essa conversa de “declínio do Ocidente”: tende a ser uma pauta da direita reacionária, que culpa, de várias maneiras, a decadência moral, o multiculturalismo e uma reavaliação da história da Europa pela nossa queda. Mas certamente a culpa nessa história não vem dos direitos das minorias, da diversidade ou do reconhecimento dos crimes do Ocidente. Nossa sorte coletiva virou dramaticamente. E esta virada foi produzida por um sistema económico que prometeu liberdade pessoal, mas em vez disso trouxe insegurança em larga escala, e que nos prejudicou de todas as formas concebíveis, desde o nosso bem-estar emocional e físico até às circunstâncias materiais em que vivemos.

Tome uma medida básica: vida e morte. O governo do Reino Unido foi forçado a atrasar o aumento da idade da aposentadoria pelo Estado após uma queda na expectativa de vida sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial. Embora certamente o índice tenha piorado com a pandemia, a expectativa de vida já vinha decaindo em muitas comunidades inglesas anos antes da covid chegar às nossas vidas. Nos EUA, a expectativa de vida diminuiu de quase 79 anos, em 2019, para 76 dois anos depois, a maior queda em um século.

E os sintomas mórbidos de uma crise de bem-estar estão por toda parte. Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, a taxa de suicídio aumentou 30% nos primeiros 20 anos do século XXI. No mesmo passo em que a “guerra às drogas” recrudesceu, também aumentaram as mortes por abuso de substâncias: nos EUA, elas cresceram exponencialmente desde a década de 1970, ajudando a impulsionar a queda na expectativa de vida, enquanto no Reino Unido atingiram seu nível mais alto desde que os registros começaram. Karl Marx certa vez descreveu a religião como o “suspiro da criatura oprimida”: hoje essa é uma descrição mais adequada para a dependência em drogas, impulsionada pela automedicação dos aflitos por traumas e miséria. De fato, é difícil atravessar ileso o salto global na incidência de depressão, cujos números aumentaram em quase um quinto entre 2005 e 2015, e também aumentaram entre os adolescentes dos EUA.

Observando os escombros deixados pela guerra mais sangrenta da humanidade há quase um século, um cidadão da Europa Ocidental em 1945 teria ficado agradavelmente surpreso ao descobrir que os anos mais prósperos da história os aguardavam. Tal foi o aumento sem precedentes nos padrões de vida no Ocidente nas três décadas após a guerra, que foram batizadas de “Anos dourados”; para os franceses foram os “30 anos gloriosos”. No Reino Unido, houve uma queda particularmente acentuada nos salários na década de 2010, e em todo o mundo ocidental houve estagnação. Antes da pandemia, o poder de compra dos trabalhadores estadunidenses havia quase não tinha mudado por quatro décadas.

É fácil se deixar levar pela ilusão de que o dramático progresso ainda está acontecendo. Os chips de computador ficam cada vez menores; processadores de computador cada vez mais rápidos; os celulares cada vez mais dinâmicos. Mas o avanço tecnológico não se traduz automaticamente em melhorias na condição humana. Em grande parte do Ocidente, a estagnação e o declínio se tornaram a característica definidora de nossa era. Se você quer entender por que a política ficou mais raivosa e polarizada, não procure explicações fáceis, como o comportamento argumentativo fomentado pelas mídias sociais. Um grande experimento está em andamento há mais de uma geração: e se você cortar o otimismo das sociedades ricas que antes consideravam que a chegada de padrões de vida cada vez maiores era algo garantido?

A ascensão do “livre mercado”, tal como nos foi prometido, deveria desencadear prosperidade sem fim. Mas enquanto a tão demonizada era de sindicatos fortes, nacionalização e Estados de bem-estar social em expansão trouxe a maior melhora nos padrões de vida da história, nosso modelo econômico atual está se decompondo ao nosso redor: o fedor está se tornando mais difícil de ignorar. Em ambos os lados do Atlântico, o crescimento econômico caiu desde que se recuaram as fronteiras do Estado, e esse crescimento mais limitado tem maior probabilidade de ser tragado para as contas bancárias dos ricos dourados.

Como isso explica, digamos, a queda na expectativa de vida causada pelo aumento do uso de opiáceos nos Estados Unidos? Sabemos que o desaparecimento de empregos seguros e bem pagos criou as condições de miséria em que a dependência química prospera. A crescente desigualdade ajudou a estimular a deterioração da saúde mental: taxas de depressão estão correlacionadas com baixa renda, por exemplo. Desde o colapso geracional na construção de moradias públicas até a dizimação da assistência social, a segurança que sustenta uma existência humana confortável foi eliminada.

E, no entanto, essa interrupção no progresso humano quase não é mencionada, muito menos debatida. No momento em que a nossa civilização enfrenta múltiplos desafios existenciais, com que rapidez a estagnação e o declínio podem se tornar numa queda livre. Você não precisa de uma imaginação hiperativa para ponderar as possíveis consequências brutais, especialmente se os políticos progressistas não oferecerem respostas convincentes. As nossas vidas estão encurtando, o nosso bem-estar está diminuindo, a nossa segurança sendo desmantelada. Estas são as condições de desespero… e uma amarga colheita desponta no horizonte.

 

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