TEATRO

Por Alessandra Costa

 

Com texto criado a partir das escutas da filósofa Helena Theodoro, a peça fala sobre relações e perdas, por meio de memórias preservadas pela oralidade.  As apresentações serão gratuitas em arenas cariocas e no Cine Odeon

 

“Quando as pessoas são lembradas, elas não morrem”, falou a filósofa Helena Theodoro nas conversas com as autoras Thaís Pontes e Renata Andrade, que escreveram a dramaturgia de “Mãe baiana”, peça estrelada pela dama do teatro negro brasileiro Léa Garcia e pela atriz e apresentadora de TV Luana Xavier. No palco, elas vivem avó e neta.

Com direção de Luiz Antonio Pilar, o espetáculo estreia na Arena Carioca Dicró, na Penha, no dia 19 de novembro, às 19h. No dia 20, é a vez da Areninha Hermeto Pascoal, em Bangu, receber “Mãe baiana”. No dia 21, haverá uma sessão virtual especial no Cine Odeon, na Cinelândia, às 21h. No dia 26, a apresentação será na Arena Carioca Fernando Torres, em Madureira. E a temporada termina no dia 9 de dezembro, na Areninha Carioca Hermeto Pascoal, às 20h. A entrada será gratuita em todos os espaços.

O texto – que integra a trilogia “Matriarcas” ao lado de “Mãe de santo” e “Mãe preta” – parte do luto, da perda de um filho, fato que Helena Theodoro viveu, quando seu filho de quatro anos morreu afogado. Apesar desse ponto de partida, as autoras preocuparam-se em não pesar o espetáculo, até porque a personagem da avó – assim como Helena – sofre, mas entende a morte. No início, a neta não compreende, mas vai passando a entender ao longo da peça. O luto na família é o renascimento da relação entre elas.

“Esse espetáculo é sobre relações – sobre relação de avó e neta, relação com a morte, com a cozinha, com a religião. A gente vai se transformando nos nossos, a gente vai se vendo… Escrever com a Renata foi um doce exercício de memórias, em que fomos lembrando histórias das nossas famílias”, conta Thaís Pontes, que recorda as conversas com a avó durante as madrugadas na cozinha de casa.

Todo o pensamento da filósofa e primeira doutora preta do Brasil Helena Theodoro passa por suas experiências pessoais e afirma o princípio feminino preto com todas as suas possibilidades de existir, conservar, transformar e melhorar o mundo. Pela importância de Helena e pela oportunidade de contracenarem juntas, Léa Garcia e Luana Xavier não titubearam em aceitar o convite para viverem avó e neta. Até porque, na vida real, elas são próximas. A avó de Luana, a inesquecível Chica Xavier, sempre foi muito amiga de Léa, e o afeto une as duas famílias há décadas.

“Pra mim, este personagem é importante porque traz uma avó, uma mãe preta, uma mãe baiana não estereotipada, nada submissa. Ela é uma mulher atual, avançadinha, o que me agrada muito. A personagem tem a consciência de sua existência enquanto mulher, mulher preta, um ser humano que lutou muito, uma cidadã, uma mulher consciente de sua ancestralidade, de sua vida enquanto mulher preta na sociedade, uma mulher inteira, sem artifícios, uma mãe moderna. E trabalhar com Luana é como trabalhar em família”, empolga-se Léa Garcia.

Luana Xavier também se emociona. “Minha avó falou para eu trabalhar com as pessoas que ela gostava. Então como recusar atuar ao lado de Léa Garcia? Sem falar que Luiz Antonio Pilar é um ícone para mim desde que sou criança e ouvia falar que ele era o único diretor preto da TV Globo”, conclui a atriz.

O cenário foi feito pela cenógrafa baiana Renata Mota, seguindo o conceito criado por Clivia Cohen para “Mãe de santo”, o primeiro espetáculo da trilogia “Matriarcas”. Os objetos de “Mãe de santo” são reorganizados em cena, e novos elementos chegam para compor os dois ambientes – sala e cozinha –, em que avó e neta conversam quando voltam do velório do neto. Além dos ambientes, o cenário é composto por uma instalação com mais de 70 turbantes, representando toda a ancestralidade. O cenário foi confeccionado por diversas artesãs e aderecistas do Rio de Janeiro, com técnicas de crochê, estamparia, macramê, entre outras. Já a direção de Luiz Antonio Pilar – que tem experiência em várias linguagens: teatro, TV e cinema – respeita muito o texto que Thaís Pontes e Renata Andrade escreveram a partir de escutas de Helena Theodoro.

“A minha concepção nasce do que o texto me propõe, e tento respeitá-lo ao máximo. O autor tem um lugar sagrado pra mim”, explica Pilar.

Sobre Léa Garcia

Nascida na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, no ano de 1933, Léa Lucas Garcia de Aguiar tornou-se atriz em um momento da história em que esse não era um trabalho comum para mulheres negras. Filha de Stela Lucas Garcia e José dos Santos Garcia, passou a morar com a avó aos 11 anos, quando a mãe morreu. Desde jovem, demonstrou o desejo de se envolver com o universo artístico, mas em outro campo. Queria cursar Letras para ser escritora. Seu destino mudou ao conhecer Abdias Nascimento, com quem teve dois filhos, Henrique Christovão Garcia do Nascimento e Abdias do Nascimento Filho. O dramaturgo e ativista apresentou a ela sua estante de livros e sugeriu a leitura das tragédias gregas. Depois, a convenceu a subir no palco pela primeira vez, na peça Rapsódia Negra (1952), do próprio Abdias, encenada pelo Teatro Experimental do Negro. A partir de então, a paixão pelas artes cênicas se impôs. Mais tarde, teve seu terceiro filho, Marcelo Garcia de Aguiar conhecido como Marcelão Garcia (1965), com Armando Aguiar.

Trabalhando em teatro, TV e cinema, Léa Garcia consolidou uma carreira de papéis marcantes como Rosa, de “Escrava Isaura”, novela que a tornou conhecida do público, e venceu a barreira dos personagens tradicionalmente destinados a atrizes negras. Tornou-se, assim, uma referência para jovens atores e admirada pela qualidade de suas atuações.

No teatro, uma das peças de destaque que fez no início de sua trajetória foi “Orfeu da Conceição” (1956), de Vinicius de Moraes. Cotada primeiro para ser Eurídice, Léa Garcia se encantou com a personagem Mira e conseguiu o papel. Os ensaios realizaram-se na casa do próprio Vinicius, e a estreia aconteceu no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com cenários de Oscar Niemeyer. No elenco, estavam Haroldo Costa, Zeni Pereira, Pérola Negra e Ciro Monteiro. Um filme foi feito depois, a partir da peça, com o nome “Orfeu negro” e direção do francês Marcel Camus, e Léa Garcia integrou também o elenco.

Sobre Luana Xavier

Luana Xavier, 34 anos, cresceu no terreiro de umbanda comandado pela avó, a Ialorixá e atriz Chica Xavier (1932-2020), que fez história na televisão em novelas como “Sinhá moça”, “Dancin’ days”, “Pátria minha” e “Renascer”, como símbolo da representatividade negra na arte brasileira. Foi ali que, ainda pequenininha, interpretou seus primeiros personagens: Luana imitava as incorporações de orixás a que assistia nas giras. Filha de Iansã, ela foi a escolhida para herdar, quando a avó morresse, o terreiro Irmandade do Cercado de Boiadeiro, que fica em Sepetiba, Zona Oeste do Rio. “Ela foi me ensinando tudo aos poucos. Ainda não guiei minha primeira gira porque o terreiro está de luto. Só podemos voltar a fazer as cerimônias depois de completar um ano da passagem da minha avó”, explica Luana. Que começou a atuar ainda na escola e, aos 17 anos, nas aulas de teatro do Tablado. Cursou Serviço Social na UFRJ e demorou 12 anos para conquistar o diploma. No meio disso, ficou quatro anos e meio em turnê pelo Brasil com a peça “Dona Flor e seus dois maridos”, dirigida por Pedro Vasconcelos e que teve nomes como Carol Castro, Fernanda Vasconcellos, Fernanda Paes Leme e Marcelo Faria no elenco. Na sequência, engatou em trabalhos de produção teatral. Atualmente, é apresentadora do programa “Saia Justa” no GNT.

Sobre Helena Theodoro

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mestra em Educação pela UFRJ e doutora em Filosofia pela

Universidade Gama Filho. Em 2019, terminou o pós-doutorado no IFCS/UFRJ /PPGHC (Programa de Pós Graduação em História Comparada). Foi presidente do Conselho Deliberativo do FUNDO ELAS e coordenadora do Comitê Pró-equidade de Gênero, Raça e Etnia da Casa da Moeda do Brasil até junho de 2016.

Atuou como professora auxiliar da Universidade Estácio de Sá, tendo sido coordenadora da Pós-graduação de Figurino e Carnaval da Universidade Veiga de Almeida (UVA), de 2010 a 2015. Participou da comissão julgadora nas edições de 2011, 2012 e 2013 do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento, produzido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro/Cojira-Rio. Foi vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro – CEDINE. Exerceu a vice-presidência do Fundo ELAS, de 2008 a 2015, tendo sido jurada do Estandarte de Ouro do jornal O Globo durante 27 anos. Coordenou o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB) da FAETEC de 2008 a 2013. Escreveu os livros “Mito e Espiritualidade: Mulheres Negras” (1996), “Os Ibéjis e o Carnaval” (2009), “Caderno de Cultura Afro-brasileira” (2009), “Iansã, rainha dos ventos e tempestades” (2010) e “Martinho da Vila – Reflexos no Espelho” (2018).

Sobre Luiz Antonio Pilar

Diretor de teatro, televisão e cinema. Formado bacharel em Artes Cênicas, especialização de direção teatral, pela UniRio, em 1990. Com grande experiência em televisão, dirigindo as novelas “Desejo proibido”, “Sinhá Moça”, “A padroeira” na TV Globo; “Xica da Silva”, “Brida”, “Mandacaru”, e “Tocaia Grande” na extinta TV Manchete. No cinema, dirigiu “Lima Barreto, ao terceiro dia”, o documentário “Candeia” e o curta-metragem, “A mãe e o filho da mãe”. Venceu o 13º Festival de Curtas do Rio de Janeiro e, como prêmio, representou o Brasil no Festival de Cinema de Angérs, França. Em parceria com a produtora Lapilar, o Canal Futura e a TV Globo, desenvolve o projeto “A cor da cultura” (conjunto de programas voltados para temática negra, em cumprimento a determinação da Lei 10.639). Em 1993, fundou sua produtora, realizando projetos de sucesso de temática afro-brasileira como o espetáculo teatral “Os negros”, de Jean Genet.

Ficha técnica

Argumento: Helena Theodoro

Texto: Thaís Pontes e Renata Andrade

Atuação: Lea Garcia e Luana Xavier

Direção: Luiz Antônio Pilar

Assistência de direção: Vilma Melo

Figurino: Tereza Nabuco

Cenário: Renata Motta

Trilha sonora: Wladimir Pinheiro

Iluminação: Anderson Ratto

Programação visual: Patrícia Clarkson

Idealização: Vilma Melo e Bruno Mariozz

Realização: Palavra Z Produções Culturais

Serviço

“Mãe baiana”

Dia 19 de novembro (sábado), 19h

Arena Carioca Dicró – Av. Brás de Pina, s/n Parque Ary Barroso. – Penha

Dia 20 de novembro (domingo), 19h

Areninha Hermeto Pascoal – Praça Primeiro de Maio, s/nº –   Bangu

Dia 21 de novembro (segunda-feira), 21h

Cine Odeon – Cinelândia (sessão virtual) – Centro do Rio

Dia 26 de novembro (sábado), 19h

Arena Carioca Fernando Torres – rua Bernardino de Andrade, 200 – Madureira

Dia 9 de dezembro (sexta-feira), 20h

Areninha Hermeto Pascoal – Praça Primeiro de Maio, s/nº –   Bangu

Todas as apresentações com ingressos gratuitos

Classificação etária: 12 anos