OPINIÃO

 

“Tornar imperdoável, o que hoje é aceitável” Délcio Teobaldo As vésperas das eleições de 2022, após passarmos por mais de 31 eleições presidenciais, onde em algumas o vice presidente teve mais voto que o presidente eleito (até 1966 as eleições de presidente e vice eram separadas – João Goulart teve mais votos que o Juscelino Kubtischek e Jânio Quadros), e destas, 23 foram diretas e 8 indiretas, além de uma extraordinária, em 1919 [1]. Passamos por dois períodos ditatoriais (Vargas, 1934-1945; Golpe Civil Militar, 1964-1985).

Foram nestes períodos que oficialmente, a população brasileira teve seus direitos civis e políticos casados, vivendo em um Estado de Exceção onde, segundo Agamben [2] , “o Estado de Exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal”. No mundo ocidental, o Estado de Direito vem acompanhado da Democracia e suas eleições (diretas ou representativas).

Quando há estremecimento no Estado de Direito, normalmente a Democracia e as eleições são ignoradas ou, na prática, podem se transformar em um evento puramente folclórico. Segundo o historiador Hobsbawm [3] , em seu livro “Globalização, Democracia e Terrorismo”, no capítulo “As perspectivas da Democracia”, coloca “… A política, por conseguinte, continuará, como continuaremos a viver em um mundo populista, em que os governos têm que levar em conta ‘o povo’, e o povo não pode viver sem os governos, as eleições democráticas também continuarão.  Hoje existe um reconhecimento praticamente universal de que elas dão legitimidade e proporcionam aos governos, paralelamente, um modo conveniente de consultar o ‘povo’ sem necessariamente assumir qualquer compromisso muito concreto”. Essa conveniência, colocada pelo Hobsbawm, tem se perpetuada, em especial no mundo ocidental, em países como o Brasil, onde hoje o Estado de Direito, confunde-se com o Estado de Exceção ou, o “ilegal” ganha ares de “legal”.

Desde a década de 70 (1970), com o surgimento do pensamento neoliberal e da globalização, onde o mundo das Leis, as Constituições Nacionais, a participação popular e o multipolar são aos poucos “apagados” da vida cotidiana das populações. Neoliberalismo definitivamente não combina com democracia ou soberania, seja a popular ou de uma nação”.

Noam Chomsky [4] no livro “Terrorismo Ocidental, de Hiroshima à guerra de drones”, coloca que: “O mundo deles é monopolar. Não comparam ideias, ideais e ideologias diferentes. Só tem uma ideologia, que pode ser chamada de ‘fundamentalismo de mercado’, oferecido por sistemas parlamentares multipartidários ou monarquias constitucionais”. No livro “Quem manda no Mundo”, na página 72, Chomsky fala sobre a estratégia da desregulamentação bancária e financeira, o que vem a reforçar a ideia de que o neoliberalismo não combina com leis. Também comenta sobre a estratégia das hoje conhecidas e difundidas “Fake News”, quando escreve: “Consequentemente, a propaganda tem que procurar outros a quem culpar, como os trabalhadores do setor público, com seus gordos salários e exorbitantes aposentadorias: tudo fantasia, segundo o modelo do imaginário ‘reaganita’ de mães negras sendo levadas em limosines com motoristas indo buscar seus cheques de programas de assistência social, e outras invenções de mesmo estilo que nem sequer vale a pena mencionar. Todos nós temos que apertar os cintos – quer dizer, quase todos nós”.

O falecido escritor português, José Saramago (1922 – 2010) trabalha na mesma linha de denúncias contra o sistema e suas mazelas. No livro “As Palavras de Saramago”, organizado pelo Fernando Aguilera encontramos ditos como: “Assistimos ao que chamo de morte do cidadão. O que temos em seu lugar, e cada vez mais, é o cliente. Hoje em dia, ninguém pergunta o que você pensa, mas sim que marca de carro, de roupa ou de gravata você usa e quanto ganha…”; “Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto”; “A democracia não tem existência e nem qualidade em si, depende do nível de participação dos cidadãos”; “A globalização econômica é um eufemismo para acobertar o sistema político que vem sendo imposto pelas grandes multinacionais: o capitalismo autoritário”.

Poderíamos ficar páginas e páginas citando outros autores, e todos questionando na mesma linha. Vivemos em uma democracia? Sabemos que são quatro os pilares de sustentação do sistema de produção capitalista, são eles: des-Constituição, a desDemocratização, a Precificação dos bens públicos e o “Ecocídio” planetário. O sistema não sobrevive em um mundo “legal”, onde as leis não só existem, mas existem para serem cumpridas, em um mundo com plena participação do cidadão e, seu ambiente tratado de maneira sustentável e produtiva. Pior… o sistema também não sobrevive em seu mundo ideal, desregulamentado e explorado acima de seus limites. O sistema nunca superou suas inúmeras crises, pois sua superação significaria a sua negação, sua destruição, por isso sempre as contornou.

Mas e o Brasil com isso? O Brasil historicamente, em todos os seus grandes momentos, passou por golpes ou acordos, como na sua Independência, na República, na recuperação de sua democracia, a Lei da Anistia e vários outros exemplos. Nos atendo as duas últimas décadas e início da terceira, podemos afirmar que vivemos em um Estado de Direito com pleno exercício democrático?

Acredito que não… Podemos entender o ano de 2005, como o marco inicial de, nestes tempos mais atuais, uma nova reaproximação com o nazismo hitlerista. Neste ano começou a farsa do “Mentirão”, onde verba de empresa privada (VisaNet) foi tratada como se pública fosse pelo STF. Um processo que começa com a acusação de um cidadão que sequer havia sido citado pela investigação da PF, sobre os assinantes dos cheques de pagamentos as empresas publicitárias e outras, que faziam as peças publicitárias dos cartões Visa ligados a bandeiras dos bancos. Pizzolato não fazia parte da diretoria, que tinha quase vinte pessoas habilitadas para assinarem os cheques – era preciso três assinaturas por cheque. Pizzolato só passa assinar, com mais dois diretores, em 2005, um total de 19 cheques. O juiz Barbosa o condenou pelos desvios não reclamados pelas empresas que receberiam os valores (TV Globo, Manchete, Bandeirante, Folha, Estadão, …), no período de 2002 a 2005.

Na continuidade do Golpe pensado a partir de além mar (EUA – que o diga o ex-juizeco Moro e seu menino prodígio, ex-procurador Dallagnol), o STF inaugurou a prisão sem prova – o que não quer dizer que só existam condenados com provas pela nossa justiça – mas a primeira vez em que juízes confessam em seus votos, estarem condenado réus, sem as devidas provas. Nem para isso o Moro serviu! Dirceu e companhia acabam condenados e presos – hoje, todos inocentados. Mas como o objetivo era a eliminação do político Lula, o Golpe avança em mais uma etapa, e a vítima é a então reeleita presidenta Dilma, que passa por um processo de impeachment criminoso, mas com a complacência do STF. Mas Lula continua vivo e com grandes probabilidades de se eleger em 2018, ainda no primeiro turno.

O Golpe avança em mais uma fase, e Lula é posto na cadeia, a partir dos crimes, falsificações e torturas executadas pela dupla Moro e Dallagnol, com o apoio do STF e suas Turmas (ou seriam quadrilhas?). O resultado, todos sabemos, o coiso ruim que se instalou em Brasília. Hoje, com Lula e todos os demais inocentados, do Pizzolato a Lula, o mesmo, até o momento, concorrerá as próximas eleições com o Coiso, onde o clima no Brasil é de total desordem, o crime acontece beneplacitamente em todo o território nacional. Onde vários pensadores passaram a se referir a um provável outubro vermelho, devido a bandidagem que tomou conta das instituições democráticas e policialescas.

É neste clima de total desordem pública, que nos leva a afirmar que no momento o país encontrasse em um Estado de Exceção, por mais que se tente negar. Basta um caminhar pelas ruas para perceber, mas atenção ao caminhar, evite o esbarrar, o pisar no pé de outro/a ou uma simples troca de olhar com um/a transeunte. Pode ser o suficiente para que alguém comece a gritar com você, ou mesmo, puxe uma arma e comece atirar. Este é o Brasil que vivemos! Nosso papel, é tentar chegar bem nas urnas e começar a mudar de fato esta situação. Saramago nos ensinou, não existe democracia sem a participação de todos. Se assim não for, continuaremos a viver em uma grande Fake News. 

Há abraços!


[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_elei%C3%A7%C3%B5es_presidenciais_no_Brasil.
[2] Giorgio Agamben (1942-); Filósofo Italiano; https://pt.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Agamben
[3] Eric Hobsbawm (1917-2012); Historiador com dupla nacionalidade, nascido no Egito, quando colônia britânica. https://pt.wikipedia.org/wiki/Eric_Hobsbawm
[4] Noam Chonsky (1928) é um linguista, filósofo, sociólogo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano; https://pt.wikipedia.org/wiki/Noam_Chomsky