Reunimos as legislações em relação ao aborto nos países latinoamericanos e caribenhos para refletirmos sobre os avanços e retrocessos quanto ao direito à interrupção voluntária da gestação. Confira!

Nos últimos anos, temos ouvido sobre a “onda verde” da descriminalização do aborto na América Latina. E, de fato, tivemos diversos avanços: em 2012, o Uruguai descriminalizou o aborto até a 12ª semana de gestação; em 2020, a Argentina aprovou uma lei que permite o aborto seguro e gratuito no país nas primeiras 14 semanas; e, em fevereiro de 2022, a Colômbia descriminalizou o aborto até a 24ª semana de gravidez.

Porém, a realidade é que essa onda não chegou a alguns territórios. A maioria dos países ainda seguem Códigos Penais antigos e antiquados que criminalizam a interrupção voluntária da gravidez a não ser que a mulher tenha tido direitos violados, como é o caso daqueles que só autorizam em casos de estupro, ou corram risco de morte.

Ainda, seis países latinoamericanos e caribenhos – El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e Suriname – têm legislações inflexíveis em relação ao aborto. Em El Salvador, mulheres são punidas até em casos de abortos espontâneos; em Honduras, em 2021, os parlamentares aprovaram a reforma do artigo da Constituição que criminaliza o aborto em qualquer circunstância, criando um “escudo” contra futuras mudanças na proibição; e, no Haiti, cujo Código Penal ainda é de 1835, a pena para a interrupção voluntária da gestação pode chegar à prisão perpétua.

Para ter um panorama sobre o aborto na América Latina e em países caribenhos, reunimos aqui as legislações vigentes nos países. Confira!

Argentina

Em dezembro de 2020, a Argentina sancionou a Lei nº 27.610, conhecida como Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (Interrupción Voluntaria del Embarazo – IVE), que prevê o aborto seguro e gratuito no país até 14ª semana de gestação. Em 28 de março do ano seguinte, no Dia Internacional de Ação pela Saúde das Mulheres, o país também oficializou o Protocolo para a Atenção Integral a quem realizar o interrompimento legal da gravidez.

Belize

O Código Penal de Belize (1980) criminaliza o aborto sob pena de prisão perpétua. A interrupção da gestação só é permitida se realizada por um médico registrado para proteger a vida da mulher, a saúde física e mental dela ou de seus filhos ou se houver risco de deficiência grave para o feto.

Bolívia

Em setembro de 2017, a Bolívia aprovou o artigo 153 de um novo Código Penal, que descriminaliza o aborto realizado antes da oitava semana de gestação por estudantes ou aquelas que sejam cuidadoras de crianças, idosos ou pessoas com deficiência. A legislação também não prevê punição no caso de aborto praticado por adolescentes em qualquer etapa da gestação.

Antes da aprovação do artigo, a Bolívia já previa o aborto legal em casos de estupro ou risco de morte. Agora, o Código Penal prevê pena de até três anos de prisão no caso do interrompimento da gestação fora das circunstâncias descritas.

Brasil

No Brasil, os artigos 124 a 128 do Código Penal de 1940 dispõem sobre o aborto no país. A lei criminaliza o interrompimento voluntário da vida intrauterina, prevendo pena que pode variar de 1 a 3 anos de prisão. O aborto é permitido apenas em três casos: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.

Para realizar a interrupção da gestação em caso de estupro, a lei não exige nada além da autorização da gestante ou de seu responsável. Em caso de anencefalia do feto ou risco de morte gestante, é necessário um laudo médico atestando a condição.

Porém, até os casos de aborto legal no país têm sofrido tentativas de retrocesso. No dia 28 de junho de 2022, foi discutido em Brasília o manual do Ministério da Saúde, dentre outras coisas: a investigação criminal de meninas e mulheres violentadas que acessam o serviço de aborto legal; a imposição de uma idade gestacional limite para o procedimento; e afirma que “todo aborto é ilegal, salvo nos caos em que há excludente de ilicitude”.

Chile

O Chile só permite a interrupção da gravidez em caso de risco de morte, quando o feto ou embrião é inviável ou em caso de estupro. Em março de 2021, o interrompimento legal da gestação foi incluído no esboço da nova Constituição Chilena. O texto diz que os direitos sexuais e reprodutivos incluem o direito de decidir de forma livre, autônoma e informada sobre o próprio corpo. O esboço será submetido ao plebiscito em 4 de setembro de 2022.

Colômbia

Em fevereiro de 2022, a Colômbia descriminalizou o aborto até a 24ª semana de gestação. Antes disso, o Código Penal colombiano considerava a interrupção legal da gravidez em três casos: estupro ou incesto, malformação fetal que inviabilizasse sua vida, ou em caso de risco de morte da mulher.

Costa Rica

O Código Penal da Costa Rica criminaliza o aborto com pena de até 3 anos de prisão. A interrupção voluntária da gestação só é permitida em caso de risco à vida da mulher. Essa criminalização quase total da interrupção voluntária da gravidez no país, acaba fazendo com que elas precisem buscar o mercado clandestino de abortos. A última pesquisa sobre o tema realizada no país, em 2007, constatou que aconteceram 27 mil abortos por ano. Destes, 20% levaram a complicações.

Cuba

Em Cuba, o aborto é descriminalizado desde 1987. O Código Penal do país apenas prevê punição para a interrupção da gestação em três casos: quando há a pretensão de lucro; realizado fora de instituições hospitalares; realizado sem o consentimento da mulher.

Equador

No início de 2022, a  Assembleia Nacional do Equador descriminalizou o aborto em casos de estupro no país. Antes disso, a interrupção da gravidez só era permitida em caso de risco de morte ou se a mulher vítima da violência fosse portadora de deficiência mental. Caso descumprisse as regras, o procedimento poderia levar a até três anos de prisão. A nova legislação permite o aborto até a 12ª semana de gestação e, para indígenas e moradoras de áreas rurais, até a 18ª semana.

El Salvador

Desde 1998, o aborto é totalmente criminalizado em El Salvador, até em casos espontâneos, se houver suspeitas que as mulheres os tenham induzido. O Código Penal do país estabelece uma pena de 2 a 8 anos de prisão pela interrupção da gestação, porém promotores e juízes costumam classificar casos de perda do bebê como “homicídio agravado”, o que eleva a pena para de 30 a 50 anos de prisão.

Guatemala

Em março de 2022, a Guatemala aprovou uma legislação que aumenta a pena de prisão por aborto no país. A Lei para a Proteção da Vida e da Família prevê até dez anos de prisão àquela “que provocar seu aborto ou consentir que outra pessoa o provoque”. Antes, a pena máxima era de cinco anos. A única exceção são os casos que apresentam risco de morte para a mãe. Os médicos responsáveis também podem ser punidos com até 50 anos de reclusão em caso de morte da mãe.

Guiana

Desde 1995, o aborto é descriminalizado na Guiana até a 12ª semana de gestação. Após esse período, a interrupção da gravidez é legalizada em caso de risco à saúde ou à vida da mulher. O país foi o pioneiro na América Latina a entrar nessa discussão, após o Reino Unido, do qual o país foi colônia, aprovar o Abortion Act, em 1967.

Guiana Francesa

A Guiana Francesa é considerada um território da França e, por isso, segue a legislação do país que, desde 1975, permite a interrupção voluntária da gestação até a 14ª semana de gestação.

Haiti

Desde 1835, o Código Penal do Haiti criminaliza o aborto em qualquer circunstância e a pena pode chegar à prisão perpétua. O país está discutindo uma nova legislação, que deve entrar em vigor em 2022, e, em relação ao aborto, prevê a legalização, com o consentimento da mulher, em uma estrutura médica digna, até a 12ª semana de gravidez. Em outras circunstâncias, o pretendido novo Código prevê pena de 5 a 7 anos de prisão e multas entre 50.000 e 100.000 gourdes.

Honduras

Honduras é o país com as leis mais repressivas contra o aborto na América Latina. Em janeiro de 2021, os parlamentares aprovaram a reforma do artigo 67 da Constituição hondurenha, que proíbe o aborto em qualquer circunstância desde o momento da concepção do feto. O uso, venda, distribuição e compra de anticoncepcionais de emergência também são proibidos.

Antes da reforma, Honduras já proibia totalmente o aborto, mas agora a legislação também cria um “escudo” legal contra futuras mudanças na proibição, bloqueando qualquer tentativa de revogar ou modificar a mudança.

Jamaica

A Lei de Ofensas Contra a Pessoa, da Jamaica, proíbe, desde 1864, a interrupção voluntária da gravidez. A legislação se baseia em uma Lei inglesa homônima de 1861. No país, o aborto é permitido em apenas três casos: para salvar a vida da mulher ou preservar sua saúde mental e física. Fora desses termos, qualquer pessoa que interromper uma gestação está sujeita a prisão perpétua.

México

Em setembro de 2021, ao julgar a criminalização do aborto no estado de Coahuila, a Suprema Corte Mexicana analisou que é inconstitucional a determinção da pena de prisão no país em casos de interrupção da gravidez, porque a lei máxima não proíbe a prática. Essa decisão abriu um precedente que pode ser adotado em casos semelhantes.

Apesar disso, no México, o procedimento é legalizado, até a 12ª semana, em apenas 4 dos 32 estados: Cidade do México, Oaxaca, Veracruz e Hidalgo.  Nos demais a questão é tratada com normas duras e restritivas que contemplam apenas: riscos de vida para a mãe, malformações do feto e casos de estupro como circunstâncias legais para a interrupção da gestação.

Nicarágua

O Código Penal de 2006, ainda vigente na Nicarágua, criminaliza todos abortos no país, até em casos de estupro ou em risco de morte da mulher. A pena para a interrupção da gravidez pode variar de 1 a 2 anos de prisão para gestantes e de 1 a 3 anos para quem realizar o procedimento. Isso é alarmante especialmente considerando que estatísticas oficiais mostram que, na última década, 1.600 meninas entre 10 e 14 anos foram estupradas e engravidaram em decorrência disso.

Panamá

No Panamá, o aborto é permitido em três casos: má formação do feto, risco de vida para a mãe e estupro. Em outras circunstâncias, a pena pode variar de 1 a 10 anos de prisão. Apesar da proibição, a interrupção da gestação continua sendo realizada, porém de forma insegura e clandestina: em 2018, por exemplo, o aborto foi a quarta causa de morte de mulheres no país.

Paraguai

O Paraguai tem uma das legislações mais extremas da região latinoamericana. No país, a interrupção da gravidez é criminalizada em todas as circunstâncias, exceto quando há risco de morte para a mulher. Essas restrições, de acordo com relatório da Anistia Internacional, contribuem para uma epidemia de gravidez infantil: pelo menos 1.000 meninas com 14 anos ou menos deram à luz no Paraguai entre 2019 e 2020. Ainda, em 2015, veio à público o caso de uma menina de 10 anos e 34 quilos que engravidou após ser estuprada pelo padrasto e teve o direito ao aborto negado pela Justiça.

Peru

O Código Penal peruano, de 1991, criminaliza a interrupção voluntária da gravidez em todos os casos. O aborto só é permitido se praticado por um profissional, com consentimento da mulher, em caso de risco de morte da gestante. Porém, até em casos legais, raramente as mulheres conseguem acessar o direito nos hospitais públicos e acabam recorrendo a procedimentos inseguros e clandestinos. Em 2018, 19% das peruanas entre os 18 e 49 anos já haviam realizado um aborto, de acordo com pesquisa da ONG Promsex – a maioria das classes C, D e E. Destas, apenas metade conseguiu realizar o procedimento de forma cirúrgica e 17% das que usaram o método de pílulas abortivas precisaram de atendimento médico por conta de complicações.

Porto Rico

No país, o aborto é legal se for realizado por um médico para proteger a vida da gestante e sua saúde, não só física, mas também mental e socioemocional. Porém, em abril de 2022, o país começou a debater mudanças nessa lei. Um projeto de lei recentemente aprovado pelo Senado porto-riquenho prevê a proibição da interrupção da gestação a partir de 22 semanas, ou quando um médico determina que um feto é viável, com a única exceção se a vida de uma mulher estiver em perigo.

República Dominicana

Criado em 1884, e vigente desde então, o Código Penal da República Dominicana criminaliza a interrupção voluntária da gestação sob qualquer circunstância. Um novo Código Penal está em discussão no país e o movimento feminista pede a inclusão do aborto legal em três circunstâncias: caso de risco de morte da gestante, complicações que impeçam o desenvolvimento do feto e em caso de estupro ou incesto.

Porém, o projeto de reforma da legislação, divulgado pela Câmara dos Deputados da República Dominicana em 2021, não contemplou a descriminalização de nenhum dos casos. Apenas o artigo 112 do projeto aponta a não punição caso a interrupção da gravidez seja “realizada por pessoal médico especializado em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados” e, se, “com antecedência, para salvar a vida da mãe e do feto em perigo, esgotam-se todos os meios científicos e técnicos disponíveis até onde seja possível”.

Suriname

O Suriname é o único país sul-americano que proíbe o aborto em qualquer circunstância. O Código Penal do país prevê punição para a mulher – pena de até 3 anos de prisão – e para aqueles que ajudarem ou realizarem o procedimento – até 4 anos de prisão.

Uruguai

Desde 2012, o Uruguai permite o aborto até a 12ª semana de gestação. Em casos de estupro, o prazo se estende até a 14ª semana, e pode ser maior em caso de risco de morte para a gestante ou anomalias fetais.

No primeiro ano após a mudança na legislação uruguaia, o país registrou uma média de 556 abortos por mês e em apenas 0,007% dos casos houve complicações leves durante o procedimento. Antes disso, desde 1938, o Uruguai permitia o aborto em três situações: risco de morte para a mulher, gravidez decorrente de estupro e dificuldades econômicas.

Venezuela

O Código Penal da Venezuela, de 1915, apresenta quatro artigos que penalizam o aborto e a pena pode variar entre 6 meses a 2 anos de prisão. O procedimento só é permitido se representar um risco iminente para a vida da gestante. Porém, apesar da proibição, a interrupção da gravidez é massivamente realizada de forma clandestina, e é a terceira causa de morte de mulheres no país.

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