Desesperada para escapar da zona rural onde sobrevivia na economia informal em Kayonza, um distrito do leste de Ruanda, Sharon partiu em uma viagem longa e difícil ao Quênia, com a esperança de que lá encontraria um emprego bem remunerado.

Uma pessoa não identificada entrou em contato com ela, pagou a passagem de Sharon e lhe deu uma modesta quantia de dinheiro para que ela viajasse ao Quênia pela estrada. A pessoa disse à jovem de 19 anos, que, chegando ao destino, ela teria uma boa oportunidade de emprego.

No entanto, Sharon – que pede sigilo do seu sobrenome – se viu na situação de escravidão sexual em um bar de karaokê nos arredores de Nairóbi, capital do Quênia.

O trabalho de Sharon consistia em fazer uma reverência elegante a todos os clientes na entrada e acompanhá-los até o interior do bar.

“Fui contratada também como dançarina de uma boate e, às vezes, meu empregador me obrigava a fazer sexo com clientes para ganhar a vida”, disse a graduada do ensino médio em uma entrevista à IPS.

Como Sharon, ativistas dizem que o número de mulheres jovens das zonas rurais que são vítimas de tráfico para o comércio sexual está crescendo em muitos países da África Oriental – onde o Quênia e Ruanda estão localizados.

As jovens são atraídas com a promessa de bons empregos ou de casamento. Em vez disso, são vendidas e levadas à prostituição em cidades como Nairóbi e Kampala, a capital de Uganda.

Tanto os ativistas quanto os legisladores advertem que pessoas com objetivos ocultos atuam aliciando jovens em Ruanda, pequeno país com pouco mais de 13 milhões de habitantes, situado na região dos Grandes Lagos.

O processo de tráfico da maioria dessas jovens para países vizinhos mais prósperos é complexo e, segundo os ativistas, envolve falsas promessas para as famílias e para as vítimas, às quais prometem uma vida melhor.

Em muitos casos, os traficantes atraem jovens das aldeias para os países vizinhos com a promessa de um trabalho bem remunerado. Depois, as vítimas são transferidas para pessoas que se tornam seus “donos”, especialmente em hotéis de reputação duvidosa e bares de karaokê.

Ruanda tenta combater o tráfico de pessoas, mas as instituições responsáveis pela aplicação da lei a esse respeito ressaltam que o principal desafio gira em torno da assistência financeira para as vítimas – entre outros tipos de assistência necessárias –, tanto durante a repatriação quanto uma vez que retornam ao país.

Os orçamentos limitados das instituições encarregadas da investigação e da reabilitação das vítimas não permitem que esses programas funcionem de forma otimizada.

A presidente da Comissão de Assuntos Regionais e Resolução de Conflitos da Assembleia Legislativa da África Oriental, Fatuma Ndangiza, advertiu que, se não forem tomadas medidas urgentes, é provável que o problema se agrave.

“A maioria dessas jovens desempregadas foi vítima de uma rede de tráfico de pessoas bem estabelecida que opera sob o disfarce de agências de emprego na região”, Ndangiza disse à IPS.

Os últimos números do Escritório de Investigação de Ruanda (RIB, na sigla em inglês) indicam que, nos últimos três anos, foram investigados 119 casos de tráfico de pessoas, migração ilegal e contrabando de migrantes na região.

Trata-se de 215 vítimas, das quais 165 eram mulheres e 59 homens.

Segundo especialistas, impulsionadas pela demanda por mão-de-obra barata e por sexo comercial, as redes de tráfico de pessoas em toda a região da África Oriental aproveitam principalmente as vulnerabilidades econômicas e sociais para explorar suas vítimas.

Porém, as estimativas da Organização Internacional para as Migrações (OIM) mostram que a falta de legislação pertinente e de instituições administrativas necessárias em toda a região da África Oriental continua dando aos traficantes e contrabandistas uma vantagem indevida para que realizem suas atividades.

Para evitar o tráfico de pessoas, Ruanda vem tomando várias medidas, incluindo uma nova e ampla lei aprovada em 2018.

De acordo com a legislação atual, os criminosos enfrentam penas de até 15 anos de prisão, mas os ativistas afirmam que essa medida não é suficiente para dissuadi-los.

Policiais e funcionários alfandegários foram treinados para aplicar a nova lei e para combater o tráfico de pessoas, afirmou Evariste Murwanashyaka, um defensor dedicado dos Direitos Humanos que trabalha em Kigali.

“Mas fazer cumprir as leis é um desafio, principalmente porque é difícil detectar as mulheres que se dedicam ao trabalho sexual ou a outras formas de exploração sexual nos países vizinhos”, informou à IPS.

Murwanashyaka é o diretor de programas da organização Collectif des Ligues et Associations de Defense des Droits de l´Homme (Cladho, em francês, ou Coletivo de Ligas e Associações de Direitos Humanos).

O ativista argumentou que as mulheres jovens continuam sendo mais propensas a se tornarem vítimas de tráfico devido à crescente demanda por escravidão sexual em toda a região.

Além disso, desde o início da pandemia de covid-19, a falta de conscientização sobre o crime aumentou, levando as vítimas, especialmente as mais jovens, a não estarem cientes de que são vítimas de um crime de tráfico de seres humanos.

“A maioria das ofertas de trabalhos informais do exterior para estes jovens ruandeses está associada a negócios ilícitos, como o tráfico de pessoas, principalmente de mulheres, e sua exploração sexual e laboral”, explica Murwanashyaka.

Segundo o Centro Africano de Estudos Estratégicos, o aumento das taxas de desemprego, a desnutrição e o fechamento das escolas contribuíram para o aumento do tráfico de pessoas.

Por sua vez, o porta-voz do RIB, Thierry Murangira, está convencido de que o tráfico de pessoas faz parte do crime organizado transnacional.

Ao tratar-se de um crime dessa natureza, “requer o envolvimento de mais de uma jurisdição e a cooperação regional para investigar e perseguir o crime”, comentou.


Tradução do espanhol por Graça Pinheiro Revisado por Débora Lima

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