O furacão Ida ilustra perfeitamente os impactos devastadores das mudanças climáticas. Parar o oleoduto da Linha 3, em consonância com as reivindicações indígenas, é uma oportunidade perfeita para os líderes políticos tomarem providências climáticas.

Por Sonali Kolhatkar

Em 29 de agosto de 2005, o furacão Katrina atingiu a costa da Louisiana, provocando um desastre em câmera lenta quando as enchentes romperam os diques ao redor de Nova Orleans. Quase 2.000 pessoas foram mortas ao longo de várias semanas, centenas de milhares de casas foram destruídas, e a cidade foi deixada em ruínas. Cientistas ambientais alertaram que o Katrina era uma amostra do que estava reservado para a região da Costa do Golfo se as mudanças climáticas continuassem descontroladas.

No entanto, as emissões de gases de efeito estufa continuaram a subir, e exatamente 16 anos após o Katrina, o furacão Ida atingiu Louisiana como uma tempestade de categoria 4 com ventos de 241km por hora e até 163 milímetros cúbicos de chuva, deixando mais de 1 milhão de residências na Louisiana sem energia. Os remanescentes da tempestade viajaram pela Costa Leste com enchentes que mataram pelo menos 15 pessoas em Nova York e danificaram casas e a infraestrutura do transporte público.

Enquanto algumas coberturas da mídia celebravam o fato de que os diques ao redor de Nova Orleans permaneceram intactos pós-Katrina, a história real é que o comportamento do furação Ida se encaixa no perfil das tempestades alimentadas por um clima de mudança rápida, e nenhum dique será forte o suficiente para fornecer proteção contra furacões tão implacáveis ano após ano.  

Para Kali Akuno, co-fundador e codiretor da Cooperation Jackson, os destroços do Ida são uma lembrança surreal do que ele e outros na região da Costa do Golfo experimentaram há 16 anos. Em uma entrevista recente, Akuno compartilhou que “Isso infelizmente traz de volta algumas memórias dolorosas“. Como ex-diretor executivo do People’s Hurricane Relief Fund (PHRF) (Fundo Popular de Ajuda a Furacões – tradução livre), que foi fundado após o Katrina, Akuno tem experiência em testemunhar respostas ineptas do governo a tais desastres.

Quando a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA), sob a liderança do presidente George W. Bush, falhou de forma impressionante em atender às necessidades das vítimas e sobreviventes do Katrina, grupos de ajuda mútua como o PHRF intervieram. Hoje, o mesmo parece estar acontecendo, e a mais nova organização de Akuno, a Cooperação Jackson, com sede no Mississippi, está lutando para ajudar os evacuados.

“Os piores efeitos da mudança climática estão aqui agora, e temos que construir os sistemas e infra-estrutura para que possamos ser capazes de lidar com isso”, disse Akuno. Mas, ele admite que “Tudo o que pudermos acumular apenas arranhará a superfície da necessidade global, e é necessária uma mudança sistêmica mais ampla para lidar com essas crises no futuro”.

Imagens de satélite mostram a extensão chocante da devastação na Costa do Golfo causada pelo furacão Ida. Se o governo do presidente Joe Biden vai responder ou não de forma mais eficaz às necessidades dos sobreviventes do Ida em comparação com a resposta de Bush durante o Katrina, ainda não se sabe. Porém, as respostas do governo aos desastres climáticos, embora necessárias, fazem parte das soluções “que seguem o fluxo normal” que se concentram nos sintomas das mudanças climáticas.

As múltiplas soluções para os desastres climáticos que vão “contra a corrente” incluem a construção de defesas antes das tempestades chegarem e, o mais importante, requerem diminuir rapidamente as causas das mudanças climáticas. Poucos líderes políticos desde o desastre do Katrina em 2005 estiveram dispostos a tomar medidas drásticas nessa frente crítica.

Ao mesmo tempo que os moradores de Louisiana, Mississippi e Nova York estão enfrentando os horrores de ter suas casas danificadas, sem energia e ruas inundadas, as comunidades indígenas no Centro-Oeste estão lutando contra um oleoduto que transportará combustíveis causadores dessas mudanças climáticas em suas terras. O oleoduto Enbridge Line 3 está sendo aprimorado para transportar areias betuminosas — que são consideradas o “combustível mais sujo que resta  no planeta” — pelas terras intocadas onde o povo Anishinaabe cultiva arroz selvagem.

Uma pesquisa do estado de Minnesota estimou os impactos sociais e climáticos do projeto concluído em US$ 287 bilhões em 30 anos. A última coisa que nosso clima, que muda tão rapidamente, precisa é de mais um oleoduto, e ainda assim poucos líderes parecem dispostos a ficar no caminho dos lucros das empresas de combustíveis fósseis.

Tara Houska, fundadora da Giniw Colletive, disse em uma  entrevista: “O presidente Biden pode suspender a Enbridge Line 3 agora. Bastaria apenas uma assinatura”.  Houska faz parte de um movimento de resistência de anos contra o oleoduto que vem pedindo aos líderes do Partido Democrata, como Biden, e ao governador de Minnesota, Tim Walz, para acabar com o oleoduto. 

Mesmo que em suas declarações reconheçam os perigos das mudanças climáticas e da necessidade de atenuá-las, nem o líder federal nem o do Estado tomaram medidas contra a Line 3. “Eles dizem que entendem. É muita falação para pouca ação”, diz Houska. “Eles ainda estão permitindo que a indústria (de combustíveis fósseis) continue a construir e se expandir”.

Akuno teme que o Partido Republicano, que tem um histórico ainda pior quando se trata das mudanças climáticas, tente explorar os fracassos dos democratas em sua tentativa de retomar o controle político do Congresso em 2022. “Já estamos vendo sinais em alguns meios de comunicação locais de direita tentando fazer deste (furacão Ida) um ‘Afeganistão’”.

Em apenas alguns meses, líderes nacionais e membros da sociedade civil se reunirão em Glasgow, na Escócia, para a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, conhecida como COP 26. Akuno esteve envolvido em respostas do movimento social à conferência e diz sem hesitar que o governo de Biden simplesmente não fez o suficiente como participante global. “Estamos profundamente insatisfeitos com a abordagem e orientação que eles estão tomando em respeito aos aspectos mitigadores das mudanças climáticas”, diz ele. 

Um comunicado de imprensa para o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima(IPCC), que foi divulgado no início de agosto, destaca alertas profundamente sinistros:

“Muitas das mudanças observadas no clima são sem precedentes em milhares, se não centenas de milhares de anos, e algumas das mudanças já iniciadas — como o aumento contínuo do nível do mar — são irreversíveis ao longo de centenas a milhares de anos.” 

Sem dúvidas, o furacão Ida está ilustrando a devastação climática que enfrentamos, e o oleoduto da Line 3 oferece uma oportunidade igualmente óbvia de fazer algo a respeito.  No entanto, o governo Democrata, que tem um compromisso declarado de “combater as mudanças climáticas”, e um governador Democrata, que fez uma promessa semelhante, estão se recusando a agir.

O governador  Walz, ao defender seu apoio ao projeto da Line 3, disse: “Eu fiz o processo e mostrei políticas de combustíveis fósseis das quais precisamos nos afastar, mas, enquanto isso, se vamos transportar petróleo, precisamos fazê-lo da maneira mais segura possível”. Não está claro por que Walz sente uma obrigação tão forte de garantir o transporte de combustíveis fósseis diante da grande oposição e contra seu próprio desejo declarado de abordar as fontes das mudanças climáticas.  “Precisamos mesmo permitir que uma empresa de combustíveis fósseis faça isso?”, perguntou Houska.  “Este petróleo é destinado às transportadoras estrangeiras; não é para a segurança energética de Minnesota”. 

E ela tem razão.  Nem Biden, nem Walz, e com certeza o povo de Minnesota também não e muito menos os Estados Unidos como um todo, ganham qualquer coisa de valor com o projeto da Line 3.  Em vez disso, está em jogo — nas palavras do CEO da Enbridge, Al Monaco — “muito fluxo de caixa livre” para os acionistas da empresa.

Mesmo no projeto de lei de infraestrutura que os legisladores estão atualmente debatendo, e isso é uma peça central da agenda legislativa do governo Biden este ano, poucos aspectos de atenuação climática sobreviveram à negociação agressiva entre os dois principais partidos.  Em outras palavras, enquanto a nação é devastada por inundações, secas, incêndios florestais e outros impactos reais das mudanças climáticas, nossos líderes políticos não têm nenhum plano imediato para fazer algo relativo às emissões de gases de efeito estufa de combustíveis fósseis. 

À medida que os lucros corporativos continuam a ser mais valorizados que nosso clima e espécie, Houska nos instiga a “ter uma mudança radical na maneira como vemos nosso lugar no mundo”.  Tendo uma visão de longo prazo — a qual nossos políticos parecem incapazes ou não estão dispostos a ter — ela nos lembra de algo que é muito mais importante que lucros corporativos: “Deve haver uma centralização da natureza em quem somos como pessoas e o centro das verdades básicas: que não podemos viver sem água limpa, ar limpo e solo limpo”.

Este artigo foi produzido por Economy for all, um projeto do Independent Media Institute.

Sonali Kolhatkar é a fundadora, anfitriã e produtora executiva da “Rising Up With Sonali”, um programa de televisão e rádio que vai ao ar na  Free Speech TV e Pacifica Stations. Ela é uma escritora para o projeto Economy for all,  no Independent Media Institute.


Traduzido do inglês por Doralice Silva / Revisado por André Zambolli