CRÔNICA

 

 

Por Marco Dacosta

 

 

Dizem que a mente não acumula todas as informações que recebemos. Os fatos, gestos, cheiros, imagens, traumas e prazeres ficariam armazenados e uma vez “desarquivados” voltariam a nossa presença. Faz sentido – ficaríamos tontos com tanta informação e sensações acumuladas. Pode parecer estranho mas de alguma maneira nós decidimos o que guardar, embora exista uma sensação de que muitas vezes a memória nos empurra sensações que não queremos.

A impressão que tenho é de ter vivido muito – embora ainda exista em mim uma consciência de que tudo passas muito rápido, os anos voam. Se qualquer um fizer um exercício de resgatar todas suas emoções, lugares que passou ou viveu, pessoas que conheceu ou amor, poderão constatar que a vida não é curta – ela é imensa. Nós é que não guardamos cada segundo que vivemos e como se fosse um feed de redes sociais vamos colocando somente o que nos importa – e muitas vezes escondendo de nos mesmos o que nos incomoda.

A contagem do tempo é um mistério. Inventamos calendários baseados nas rotações da terra, nos céus, nos ciclos da natureza, no entanto não pensamos muito nele. Em todas nossas fantasias parar o tempo ou poder voltar a fatos que já ocorreram é uma constante. Acredito que não tem a v de com o tempo, mas com nossa vontade de refazer o errado, reverter o dano, fazer de novo sabendo tudo o que vai acontecer.

Alguns dizem que a vida e um flash, um trem que passa voando pelas estações. Se fizermos um exercício de voltar uma por uma veremos que são tantas histórias, vidas, sorrisos que na verdade perdemos a noção da quantidade de emoções e vidas que tocamos. A geração X que passou a infância nos anos 70 e juventude nos 80 tinha no máximo uma caderneta com vinte e poucos amigos, que eram os nomes lembrados pelos cartões de fim de ano. As redes sociais resgataram todos esses fragmentos de tempo, nos fazendo reencontrar pessoas que foram colegas de ensino básico, com namoradas e namorados da adolescência, professores, ex-vizinhos e familiares perdidos no passado. Para alguns reencontros memoráveis e para outros partes do passado que não vale a pena reviver

Hoje na estação de metrô passou por mim um jovem que me lembrou a mim mesmo na juventude. Depois um cara de vinte e poucos anos, logo depois outro de trinta e foram passando e entrando no trem todas as décadas que vivi. Fiquei sentado olhando no vagão o menino que eu poderia ter sido, de skate. Sorri imaginando diferentes futuros. A volta ao tempo e um exercício emocionante. Não. A vida não passa rápido. Nos e que vamos nos esquecendo de tudo. Parece que somos dotados de um dispositivo eliminador de memória.

Se forço um pouco retrocedo aos primeiros anos. Manhãs frias, preguiça de ir pra escola, medo das provas, as primeiras sensações eróticas, o mundo dos adultos cercados de mistério e independência. Crianças imitando quem fuma como símbolo de abandono da infância. O corpo se transformando, as mão do primeiro amor tocando a nossa na escuridão do cinema. O amor não era amor, a atração era curiosidade. As responsabilidades substituem o novo. Nada e novo mais. As mortes, funerais, enterros, batizados. Primas casam, primos se formam. Amigos desaparecem da agenda do ano seguinte. Mudamos de casa, de cidades.

Acho que em matéria de emoções e sentimentos vivemos mais de quinhentos anos. Pelas minhas contas fiz 125 essa semana, descontados dias de anos de carnaval. Aí são outras fantasias e sensações.