Nurit Bensusan*

Eu queria aqui em nome de toda comunidade judaica do Brasil, de toda a comunidade das biólogas e de toda a comunidade de pessoas de cabelos castanhos ondulados dizer que a política do governo Bolsonaro é nefasta, perversa e genocida.

A primeira coisa que quem lê as linhas acima se perguntaria é quem é essa maluca que está falando em nome de todos esses grupos? Pois é, uma pessoa que se arvorasse representante desses grupos só por ser judia, bióloga e ter cabelos castanhos poderia integrar um outro grupo, o das pessoas absolutamente sem-noção.

Esse é o caso do rabino que em um vídeo recente agradece ao Eduardo Bolsonaro pela viagem a Israel em busca do spray nasal (aquele que ainda está em fase de testes clínicos) e “por trazer para gente, fé.” Claro, eu não gostei de ver, mas afinal, tem tanta gente equivocada por aí, mais um, menos um, que diferença faz? Mas aí, toda a diferença se fez: o tal rabino agradece “em nome de toda comunidade judaica do país”!

Minha família veio para o Brasil, como tantas outras, para escapar das situações difíceis que os judeus enfrentavam em muitos lugares do mundo. Encontrou paz suficiente para viver. Ao longo da minha vida, fui me deparando com inúmeras circunstâncias onde os judeus eram discriminados, mas também com situações onde os judeus agem de forma com a qual eu não concordo. Eu poderia citar o exemplo dos que acolheram Bolsonaro, ainda candidato num clube judaico, a Hebraica, no Rio de Janeiro e riram de suas piadas racistas ou poderia mencionar o cenário da ocupação israelense nos territórios palestinos. Poderia, ao contrário, enumerar ótimas histórias de judeus que fizeram coisas incríveis como o judeu ucraniano Noel Nutels, médico sanitarista que veio parar no Brasil, fugindo da perseguição em seu país, lutou pela saúde pública e pela saúde dos povos indígenas e já denunciava publicamente o genocídio indígena, em 1968. Ou ainda, como a recusa do rabino Henry Sobel em aceitar enterrar Vladmir Herzog, assassinado pela ditatura em 1975, como suicida, alimentou a resistência à ditadura no Brasil.

Isso serviria para mostrar que entre os judeus, como entre qualquer grupo humano, há de tudo. Já diz um ditado comum entre os judeus: dois judeus, três ideias, quatro lideranças…

Enfim, que ainda haja judeus – e não-judeus – partidários do Bolsonaro, eu acho incompreensível, mas que uma dessas pessoas ouse manifestar tal apoio em nome de um grupo do qual, mesmo que apenas teoricamente, eu faço parte, é inadmissível. Mas como no Brasil, a regra agora é que o inaceitável se torne natural, o que me resta é gritar e espernear: no meu nome não! Ainda que seja apenas por um imperativo ético.

Nurit Bensusan

Sou um ex-humana, diante dos descalabros da nossa espécie desisti da humanidade, mas continuo bióloga. Enquanto isso, reflito sobre paisagens e culturas, formas de estar no mundo e as inspirações da natureza. Além disso, escrevo livros, faço jogos e aposto minha vida em usar a imaginação como alavanca para suspender o céu.