CONTO

 

 

Por Valéria Soares

 

 

Resolveu ver um pouco de tv: desenho animado para não pensar mais em nada. Desligou o telefone da parede. Não queria participar do sofrimento alheio. Aquietou-se.

Sentia fome quando desceu até a cozinha procurando algo rápido e fácil de fazer. Almoçou em pé junto a pia. Havia parado de chover. Resolveu dar um jeito na casa, abrir as janelas. O celular tocou. Era sua mãe. Já tinha ligado várias vezes e ninguém atendia. “Onde você estava?” “O que estava fazendo na rua com um tempo desses?” Lembrou-se de religar o telefone. Conversou rapidamente com a mãe.

O dia passou sem novidades. Saíra um pouco. Fora até a padaria, à banca de jornais… Bem no fundo de si percebia uma crescente insatisfação. Olhara algumas manchetes à procura de algo que mudasse sua vida. Sentira-se ridícula!

Em casa, fez um lanche, leu um pouco mais, conversou com uns amigos na internet. Por fim resolveu dormir. Novamente o velho edredom – companheiro inseparável de horas como as que vivia. 

O telefone! Atendeu. Puxa… poderia ser alguém para tirá-la do tédio… A mesma voz masculina: “Por favor queria pedir desculpas pelo incômodo de hoje” Ela sorriu. Achou divertido. Estava curiosa para saber que história se escondia atrás daquela voz. Respondeu que não havia problema algum e tentando puxar conversa perguntou se ele havia conseguido encontrar a Margarida. Arrependendo-se, imediatamente, do maldito trocadilho. A voz sorriu. Mas não lhe respondeu. Ela teve medo de que ele desligasse e quis saber o nome dele. “Alfredo” . “E agora o que eu digo?” “Monica!” Meu nome é “Monica”. Riram. “Muito prazer” disseram ao mesmo tempo. Ela perguntou quando ele chegara ao Brasil. Ele o que ela fazia. Conversaram por alguns minutos. Os dois sem saber que preenchiam a solidão um do outro. Despediram-se por falta de assunto.

O relógio tocou às 7h, como sempre. Mas havia algo diferente no ar.

Trabalhou como louca. Riu com os amigos de trabalho. Contrariando sua rotina, resolveu almoçar num restaurante chinês. Deliciou-se com rolinhos primavera e saboreou sem culpa uma maçã caramelada!

De volta ao trabalho, nem percebeu a hora passar. Não queria admitir, mas havia um desejo de chegar em casa. Quem sabe o telefone…

Não deu vazão aos seus pensamentos. No caminho de casa parou algumas vezes, tentando disfarçar a pressa. Comprou algumas coisas para o lanche, pegou o filme. Adorava-o! 

Tomou um longo banho bem quente, passou o hidratante de costume, vestiu uma roupa confortável, porém sensual. Arrumou a mesa com capricho, preparou o lanche, sentou-se como se tivesse companhia e comeu devagar.

Não foi para o quarto. Ligou a TV em um canal de notícias, assistiu a alguns noticiários, prestou atenção à previsão do tempo. O telefone desmontou sua falsa calma. Era sua mãe.

Conversaram por mais tempo do que ela pretendia. Prometeu passar para conversar mais um pouco no dia seguinte. Desligou. 

O filme sobre a mesa entrou no DVD. Pausa. Foi à cozinha e pegou um vinho. “O filme merece um bom vinho!” Play. A história começa e apesar de já tê-la visto algumas vezes se emociona. Novamente o telefone: uma amiga do trabalho. Fala rapidamente. Mente dizendo que tem visita. Volta ao filme. Adora aqueles diálogos! 

O final é o que mais a emociona. Sem o glamour dos contos de fadas, faz pensar que pode acontecer a qualquer um. A ela, por exemplo.

Já é tarde, precisa levantar cedo e disposta. Uma reunião daquelas a espera no dia seguinte. Adormece meio decepcionada…