Em 24 de outubro de 2020, o Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares da ONU conseguiu os 50 Estados-Membros exigidos para que entrasse em vigor, depois que Honduras o ratificou apenas um dia após Jamaica e Nauru enviarem sua ratificação. Dentro de 90 dias, o tratado entrará em vigor, consolidando a proibição categórica das armas nucleares, 75 anos depois do seu primeiro uso.

 

Por Ward Wilson, historiador e autor de “5 mitos sobre as armas nucleares”.

O Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares (TPAN) entrará em vigor no dia 22 de janeiro de 2021. A maioria dos estadunidenses nunca ouviu falar dele. O TPAN é um tratado que proíbe desenvolver, testar, usar, ameaçar com o emprego ou armazenar armas nucleares. Os críticos dizem que o tratado é inútil, porque somente se aplica aos países que o assinaram e nenhum dos Estados que possuem armas nucleares assinaram o tratado. Porém, o TPAN é importante e terá um impacto crucial.

Não porque obrigará os países a retirar dos seus inventários bélicos as armas nucleares, mas porque mudará a maneira como as pessoas pensam a respeito das armas nucleares.

Quando se trata de armamento nuclear, é importante o que as pessoas pensam já que as armas nucleares tornaram-se o símbolo militar mais importante no mundo, atualmente. Elas são o determinante de poder internacional. Os determinantes de poder são tipos de armas consideradas símbolos de força de determinado país. Por exemplo, os navios de guerra foram o determinante de poder na virada do século XX. No mundo medieval, os cavaleiros montados fortemente armados foram o determinante de poder. Esses determinantes de poder conferem prestígio a quem os detém, geralmente estimulam corridas armamentistas e as pessoas tendem a usá-los como um pequeno guia para medir a força de uma nação. Quer saber quão poderoso é um país? No início dos anos 1900, contávamos os navios de guerra, hoje, contamos as armas nucleares.

Geralmente, não pensamos em armas nucleares dessa maneira, mas esses artefatos representam duas coisas ao mesmo tempo. São armas militares desenvolvidas para causar destruição de grandes proporções e são símbolos concebidos para impressionar, causar reverência e dissuasão.

O cidadão comum raramente se dedica a refletir profundamente sobre o aspecto militar das armas nucleares. Ele não pode diferenciar entre um míssil balístico lançado por submarino de um míssil de cruzeiro lançado de uma aeronave, não saberia fazer cálculos realísticos sobre danos estratégicos, muito menos ter a ideia exata do arsenal bélico nuclear que as grandes potências mundiais dispõem. Sem nunca ter feito a confirmação, tenho certeza de que atualmente há mais estadunidenses capazes de explicar o estilo de ataque do time de futebol do Barcelona (isso sem falar nas várias armas ofensivas à disposição do Kansas City Chiefs), do que os que conseguem descrever o arsenal nuclear dos Estados Unidos com algum grau de detalhamento. Para eles, as armas nucleares são imagens mentais de cogumelos gigantescos, vagas noções de “a maior” destruição possível, com um tom de voz de reverência quando o assunto surge, além de serem um prenúncio do fim do mundo. Para a maioria dos estadunidenses, as armas nucleares representam muito mais um símbolo de status do que de realidade. E, para essas pessoas — para os que somente conhecem as armas nucleares como símbolos — o TPAN será um grande impacto.

Se sempre lhe disseram que todo mundo realmente quer ter armas nucleares e se você sempre pensou nelas como as armas mais desejáveis que existem, então ficará perplexo em saber que 122 países votaram a favor do tratado, que 80 já o assinaram e que 50 o ratificaram. Quem, em sã consciência, poderia não desejar ter a arma mais poderosa da história? Sem dúvida, algumas pessoas irão desprezar aqueles cinquenta países, afirmando que todos os estrangeiros estão loucos. Porém, para outras pessoas, o TPAN vai desafiar premissas importantes que aceitaram por anos a fio. O tratado vai estabelecer dissonância cognitiva, como o tilintar de um sino na cabeça, que vai causar desconforto. Para algumas, o tratado as levará a tentar descobrir mais — para solucionar esse mistério de como alguns países poderiam não querer ter as “armas mais poderosas da história”.

E esse é o poder do TPAN. Ele vai desafiar premissas antigas. Vai gerar contradições mentais constrangedoras. Plantará as sementes da dúvida. Inclusive, ele pode fazer as pessoas reavaliarem suas convicções.

Premissas e ideias importantes sobre as armas nucleares permaneceram inquestionáveis por muito tempo, desde a Guerra Fria — crenças sobre a importância e influência das armas nucleares foram dadas como certas, desde que Truman ou Ike ou Herman Kahn inicialmente as articularam. O poder do TPAN não reside nas mudanças práticas que ele faz no mundo. O poder desse tratado está na maneira como ele funcionará como catalisador de novas e, quem sabe, de ideias surpreendentes.

Se a confortável certeza de que “todo mundo quer ter armas nucleares” não é verdadeira, então, talvez, haja outras premissas ainda da época da Guerra Fria que tampouco são certas. Quem sabe, faça sentido examinar mais de perto o argumento de que “não se pode desinventar as armas nucleares”? Quem sabe possa ser esse o momento de analisar como uma arma, que parece ser tão inútil do ponto de vista militar (se fosse útil, já não teria sido usada?), pode ser considerada vital para a segurança?

O TPAN é poderoso, porque é uma prova irrefutável de que, pelo menos, uma das premissas fundamentais da Guerra Fria estava errada. Ele obrigará alguns de nós, aqui, nos Estados Unidos, a repensarmos as nossas crenças. E repensar é um processo traiçoeiro. Depois que você começa a questionar as crenças fundamentais, quem sabe onde isso vai terminar?


 

Traduzido do inglês por Graça Pinheiro / Revisado por José Luiz Corrêa