CONTO

 

 

Por Lillian Bento

 

 

Na varanda de uma casa à beira mar, eu Chico Buarque e Caetano Veloso observávamos o mar que banhava o quintal e refletia a luz de uma lua de São Jorge, branca, linda e cheia.

Chico olha para mim e pergunta se quero repetir com ele a cena clássica que ele fizera com Caetano anos atrás: encher uma espécie de pipa de gás e voarmos juntos segurando a rabiola. Topei na hora.

Enchemos uma pipa em formato de navio e seguramos na rabiola juntos. Voamos livremente sobre a Guanabara (foi isso que Chico dizia) até passarmos por baixo de uma ponte quando eu cai no mar. Chico caiu antes e precisou nadar mais que eu para voltar até a margem. Com medo de tubarões, perguntei a Chico se era seguro nadarmos naquele mar escuro.

Ele respondeu que sim e fomos devagar até uma pequena margem, cheia de casas velhas. Parecia uma favela. Caetano ficou pra trás, foi embora e não voltou. Eu e Chico seguimos engatinhando por aquela pequena praia que misturava areia e mato. Parei. Senti uma mordida em minha mão. Era um tigre, pequeno, mas feroz. Chico, bravamente, matou o tigre e me protegeu.

Entrei em uma espécie de hotel e tudo que queria era tomar banho. Estava suja, mas encontrei minha mãe e meu irmão e contei minha gloriosa história ao lado de Chico Buarque.  Estávamos todos no hotel, construído em um prédio antigo, cheio de rachaduras e portas antigas. Consegui um quarto e poderia, finalmente, tomar banho, mas a lâmpada queimou. Estava no escuro. Não havia como trocar, então fui usar a banheira da suíte em que minha mãe estava hospedada, mas para minha surpresa, a banheira estava cheia de cocô. Ela me disse: Essa banheira não pode ser usada, ai a dona do hotel coleciona cocô.

Apareceu uma senhora de cabelos grisalhos, uma saia velha cinza e uma camiseta larga verde. Me entregou uma lâmpada em formato de garrafa de pinga. Quando tentei trocar a outra, que havia queimado, voltou a funcionar.

Acordei.

 

Esse sonho tive em uma noite de junho de 2012, mas ele vem sempre à minha mente como se fora uma memória vivida. Ainda lembro a roupa do chico, ainda me lembro da sensação do vento no rosto e das cores daquela pipa. Ainda me lembro do quarto daquele hotel, tal qual me lembro do velho hotel em Uberaba em que estive com minha mãe aos 13 anos. Tal qual me lembro o velho hotel que estive em La Paz ou em Recife. Esse sonho é parte da minha biografia e seguirei a contar essa história como quem conta uma aventura experimentada em vigília.