PorKatherine (Kate) Power*

 

Joe Biden entrou para a História este mês como o primeiro presidente eleito nos Estados Unidos a agradecer às pessoas trans em seu discurso de vitória. Durante sua campanha, Biden prometeu acabar com a discriminação de pessoas trans, algo que se intensificou durante o governo Trump.

No mundo todo, pessoas trans sofrem discriminação e violência, e aqueles que são mais jovens sofrem de depressão a uma taxa quatro vezes maior do que pessoas trans de outras idades.

No entanto, embora muitas universidades ofereçam serviços de apoio a estudantes lésbicas, gays e bissexuais (LGB), frequentemente falta um apoio mais direcionado a estudantes trans. Não existem dados comparativos relativos às universidades, mas uma pesquisa australiana revelou que estudantes trans no ensino médio sem apoio de professores têm quatro vezes mais chances de abandonar os estudos em relação àqueles que têm esse apoio.

Como professores de universidades podem ajudar estudantes trans? E de quais formas pesquisadores podem apoiar colegas trans?

Podemos começar com três passos simples.

1. Precisamos nos instruir

Transgênero (em forma reduzida, trans) é um termo guarda-chuva para diversas categorias de identidade. Reconhecer essa diversidade é o grande ponto de partida. Informações que qualificam pessoas trans de modo crítico é algo igualmente importante.

O interesse da mídia por pessoas trans teve um grande aumento a partir dos anos 2000. A revista Time reconheceu o ano de 2014 como o ano da virada para pessoas trans.

Muitos viram, em 2015, a matéria de capa da Vanity Fair com Caitlyn Jenner e a discussão sobre o acesso de pessoas trans a banheiros públicos. Alguns também devem ter acompanhado a “guerra” entre feministas trans e cisgênero (ou não trans) incitada pelos tweets da autora J.K. Rowling.

Atualmente, a representação de pessoas trans pela televisão está mais diversificada e consegue aliar informação e entretenimento. A mídia tem até, em alguns casos, melhorado a forma de retratar pessoas trans.

Apesar disso, para pessoas trans, “uma imprensa qualquer” não é o mesmo que “boa imprensa”.

Mais visibilidade significa também mais vulnerabilidade. Frequentemente, a mídia tradicional reforça os estereótipos negativos, solidificando o sensacionalismo, ridicularização e a regulação de pessoas trans. Os veículos de massa ainda rebaixam e exploram essas pessoas, reduzindo toda a complexidade de suas vidas a uma narrativa única e dominante de “transição”.

Tais deturpações se tornam ainda maiores na internet.

Um estudo recente avaliou 10 milhões de posts feitos na internet sobre questões de pessoas transgênero e revelou que um em cada 10 contém uma mensagem anti-trans. No Twitter, mais de 10% dos comentários sobre ser transgênero são abusivos. No Facebook, dois terços dos conteúdos com mais visibilidade sobre assuntos trans vêm de fontes ligadas à direita ou de grupos anti-LGBTQ.

Os acadêmicos precisam selecionar suas fontes cuidadosamente. Devemos também aproveitar as grandes oportunidades de aprender mais sobre as experiências de pessoas trans, tais como a Semana da Visibilidade Trans (13 a 19 de novembro) e o Dia Internacional da Memória Transgênero (20 de novembro), que celebra as vidas trans que se perderam pela força da violência.

Parada-LGBT, São Paulo, 2017. foto Mídia Ninja

2. Precisamos instruir estudantes

As universidades australianas enfrentam graves problemas financeiros, e é provável que não abram novos cursos por algum tempo. Além disso, o valor de matrícula para cursos de Ciências Humanas foi dobrado; com isso, é muito pouco provável que estudantes – mesmo aqueles interessados em perspectivas transgênero – se matriculem, caso o curso seja oferecido.

A inclusão de conteúdos sobre pessoas trans em cursos não especializados é uma opção mais acessível e de maior impacto.

Minha pesquisa, a ser publicada, revela que um curso de pesquisa e escrita obrigatório para alunos de graduação – e embasado nos estudos transgênero – gerou níveis de aprendizagem similares a outras opções do mesmo curso. Contudo, estudantes da matéria de “estudos transgênero” também aprenderam sobre pessoas trans e suas experiências:

“[…] eu nunca tinha tido contato com os tópicos discutidos em sala de aula, sobre pessoas transgênero e sobre a própria comunidade; aprender e compreender, de fato, os problemas sociais relativos a questões transgênero e aos vários desafios que elas enfrentam em suas vidas é muito interessante.”

Muitos estudantes contaram que utilizaram os aprendizados fora da sala de aula:

“Eu consigo fazer comentários mais aprofundados e menos tendenciosos quando estou em alguma discussão sobre a comunidade LGBT fora da sala de aula – muitas vezes, com meus comentários eu consigo defender a comunidade contra as pessoas mal-informadas na área.”

Há outras maneiras simples pelas quais educadores podem transformar suas aulas:

  • escolha leituras que abordem experiências de pessoas trans
  • durante discussões sobre tópicos em geral, inclua exemplos de pessoas trans
  • utilize terminologia adequada para se referir a sexo e gênero
  • peça à sala que identifiquem o nome pelo qual preferem ser chamados e seu pronome de preferência.

3. O cuidar

Pesquisadores cisgênero podem apoiar colegas trans ao reconhecer os aspectos éticos e relacionais de citar seus trabalhos.

Embora nem sempre óbvia em publicações acadêmicas, a “ética do cuidar” caracteriza o campo dos estudos transgênero.

Primeiramente, evite excluir pesquisadores trans por meio de pronomes, nomes de registro (nome registrado para uma pessoa no nascimento, antes de ela adotar o nome autoatribuído) ou outro tipo de linguajar que possa revelar sua identidade.

Em segundo lugar, pense bem antes de citar experiências de pessoas trans, evitando assim expô-las e prejudicá-las.

Outros critérios básicos para a escrita acadêmica:

  • utilize o termo “transgênero” como adjetivo apenas, sem modificá-lo para transformá-lo em um nome
  • utilize o acrônimo “LGBTQ” apenas quando pessoas trans estiverem incluídas
  • utilize termos que classifiquem todas as identidades de gênero, e não apenas de indivíduos LGBTQ.

Parada LGBT, São Paulo, 2017. Foto Midia Ninja

Por fim, embora isso possa desagradar aos fãs da gramática, é hora de adotar (na língua inglesa) o “singular they”* . Eleita a Palavra do Ano de 2019 pelo Merriam-Webster, trata-se de um termo controverso. Mas o Oxford English Dictionary rastreou o termo até suas origens, chegando ao ano de 1375, com o selo de aprovação da American Psychological Association.

Conforme explica uma revisora da The New Yorker:

Há agora duas questões relativas a pronomes; uma delas trata do número gramatical, e a outra, do gênero. […] o que eu acho é que você deve chamar as pessoas conforme elas querem ser chamadas.

Professores e pesquisadores cisgênero que seguem esses passos podem fazer uma enorme diferença para nossos estudantes e colegas trans.

*Singular they: na língua inglesa, trata-se do uso pronome they (elas, eles) como pronome singular, que não irá necessariamente determinar o gênero ou o número gramatical da pessoa a qual está se referindo.


* Professora de Administração da Escola de Negócios da Universidade de Queensland.

 

Traduzido do inglês por Thaís Bueno / Revisado por Isabela Gonçalves

O artigo original pode ser visto aquí