O presidente deixou claro que pretende se agarrar ao poder a todo o custo, incluindo a Constituição dos EUA e nossa Democracia.

Por Sonali Kolhatkar

Desde o início de sua presidência, Donald Trump têm forçado limites, violado a Constituição e quebrado regras e normas. Mas durante este último ano, seus ataques ao país escalaram de tal forma que chegamos ao ponto em que o Presidente dos Estados Unidos está travando uma guerra contra sua própria nação — mesmo que muitos estadunidenses ainda não tenham percebido.

De dentro do Centro Médico Nacional Walter Reed, enquanto lutava contra o coronavírus, Trump postou uma mensagem no Twitter recrutando seus leais soldados. Seu tweet continha uma foto de si mesmo e as palavras, “Lute pelo Presidente Trump!”, e junto com a mensagem tinha o link para uma página chamada “ArmyforTrump.com.”. A campanha de reeleição de Trump lançou esse site em março de 2020 e enviou e-mails para arrecadação de fundos direcionados “APENAS AOS PATRIOTAS”, dizendo-lhes que eles “fariam uma excelente adição ao exército Trump.”

Levando o tema de guerra ainda mais adiante, a campanha prometeu enviar bonés camuflados com o slogan de Trump em troca de doações, dizendo: “O Presidente quer que VOCÊ e todos os outros membros do nosso exclusivo Exército Trump tenham algo que possam usar para se identificar”, assim como os soldados podem usar insígnias ou uniformes de identificação. E, de acordo com a mensagem da campanha, espera-se que os apoiadores de Trump sejam “a primeira linha de defesa do Presidente no combate à máfia liberal.”

Se o uso deste tipo de linguagem não fosse perturbador o suficiente, é importante notar que Trump tem à sua disposição um número de grupos armados de direita que são leais a ele, e que estão prontos para lutar em seu nome. Durante seu primeiro debate com o candidato presidencial democrata Joe Biden, Trump hesitou apenas uma vez durante aqueles 90 minutos, e foi quando o moderador Chris Wallace lhe pediu para condenar inequivocamente a supremacia branca. Quando Wallace nomeou o Grupo Proud Boys, Trump primeiro disse a eles que recuassem, mas então simplesmente não resistiu e adicionou, “e aguardem”, o que, por definição própria, é um sinal para que o grupo esteja pronto caso sua ajuda se torne necessária. Devemos reconhecer que o fato de Trump se sentir confortável e familiarizado o suficiente com os Proud Boys para lhes dar ordens é profundamente perturbador, levando em consideração que o grupo é composto por supremacistas brancos, misóginos e bem armados.

Apesar de Trump ter se lembrado de repente, um dia após o debate, que ele aparentemente não sabe quem são os Proud Boys, o grupo anunciou imediatamente que seria um prazer servir ao presidente, e publicou um novo logo que reflete as novas ordens que receberam do Presidente. Se tal cenário estivesse acontecendo em outro país, o Departamento de Estado e os meios de comunicação americanos estariam se referindo aos Proud Boys como uma “milícia armada de direita” que o líder do país está convocando para intimidar a nação americana com um golpe.

No dia em que Trump voltou para a Casa Branca ele ainda estava doente, e mesmo assim queria prosseguir com o debate em pessoa com Biden, agendado para 15 de outubro. Quando a Comissão de Debates Presidenciais anunciou que o debate seria realizado virtualmente devido a preocupações com o coronavírus, Trump se recusou a participar, dizendo em uma entrevista para o canal Fox Business, “Eu não vou perder meu tempo em um debate online.” Ele acusou a comissão de “tentar proteger Biden.” Na verdade, neste cenário Trump se apresentou como uma arma biológica contra Biden, e seus próprios funcionários e agentes do serviço secreto são “danos colaterais” das consequências de sua saída prematura do hospital e sua volta para a Casa Branca enquanto ele estava sob o efeito de esteróides fortíssimos. Trump parece tratar qualquer resposta de Biden como uma oportunidade de zombar do medo (legítimo) de seu rival de uma doença mortal.

Talvez acalmados por pesquisas que indicam que a popularidade de Biden está aumentando em cada vez mais estados, muitos americanos podem estar esperando derrotar Trump apenas através da votação. Se o país pudesse contar com um presidente e um partido que jogassem pelas regras de uma democracia, então isso seria suficiente. Mas para Trump, “a única votação que importa é a votação no dia das eleições no seu local de votação.”

Ao dizer repetidamente que os resultados das pesquisas são “falsos”, e mentir diversas vezes sobre uma “fraude eleitoral” inexistente, ele está semeando entre seus apoiadores uma falsa crença de que o presidente deles está sendo privado de uma vitória legítima, o que será motivo suficiente para que eles avancem em sua defesa no Dia da eleição.

Sem querer correr riscos, Trump está trabalhando furiosamente para garantir – através de seu maior aliado: o líder da maioria do Senado, Mitch McConnell – que haja uma maioria conservadora na Suprema Corte. Respondendo a um tweet de um de seus apoiadores sobre como a próxima escolha para ocupar o cargo na Suprema Corte, “provavelmente ajudará a escolher o próximo presidente”, Trump confirmou a ideia com um retweet, dizendo que o esforço para confirmar a juíza Amy Coney Barrett para a posição seria “rápido e fácil!”

A professora de direito Marjorie Cohn, ao escrever para o site Truthout, definiu com precisão as intenções de Trump como uma “tentativa de golpe“. Mas sua sinceridade é rara, e entre aqueles que fazem parte dos principais meios de comunicação, há pouca indicação da gravidade da guerra de Trump contra os americanos. Palavras como “golpe” e “milícias” estão reservadas para outras nações, para os chamados estados falidos. Mas chegamos ao ponto onde essas definições são mais adequadas do que nunca nos Estados Unidos da América.

É um fato que, os democratas, os quais são o principal baluarte do governo contra a mania ditatorial de Trump, não estão tratando a batalha eleitoral com tanta seriedade como deveriam. Quando lhe foi dada a chance de frustrar a linha do tempo de McConnell para confirmar Amy Barrett como juíza da Suprema Corte, senadores do Partido Democrata cederam e lhe deram o “consentimento unânime” que ele precisava para adiar as sessões do Senado por duas semanas antes da nomeação. Havia uma série de maneiras com as quais os democratas poderiam ter impedido a agenda de McConnell, mas eles optaram por não fazê-lo. Os democratas parecem não notar ou talvez não se importar o suficiente com o fato de que Trump está preparando uma tomada ilegítima do governo.

De que forma os americanos que estão preocupados com a guerra de Trump podem reagir? Dentro de um país inundado por armas, a maioria delas nas mãos daqueles que celebram a Segunda Emenda, existe uma maneira de tomar a nação de volta das mãos do presidente e dos seus milícianos? Algumas pessoas da esquerda começaram a se armar também, mas isso só pode acabar em mais violência. Em Lacey, Washington, Michael Reinoehl, suspeito de matar um apoiador de Trump, em quem alega ter atirado em legítima defesa, foi abordado e morto por tropas federais durante uma prisão, o que poderia ser descrito como assassinato. Trump se mostrou feliz com a matança extrajudicial (que tem recebido muito pouca atenção) dizendo: “tem que haver retribuição.

Há maneiras não violentas de combater Trump e seu exército que são políticos, legais e culturais. Infelizmente, os legisladores do Partido Democrático não têm estômago para lutar politicamente. Mas numerosas lutas legais para proteger o direito de voto deram alguns frutos, e advogados do Georgetown Law’s Institute for Constitutional Advocacy and Protection (ICAP) criaram fichas informativas para os eleitores em todos os 50 estados sobre seus direitos quando confrontados com vigilantes armados. Pela primeira vez, a A.C.L.U (União Americana de Liberdades Civís) se envolveu seriamente na eleição presidencial dos EUA, “porque os riscos são incrivelmente altos para os direitos civis e as liberdades civis na América.”

Na frente cultural, meios eficazes de batalha não violentos incluem o uso do humor para acabar com o poder de grupos como os Proud Boys, como o ativista e ator George Takei tem feito ao incentivar casais LGBTQ a tomar conta da hashtag do grupo. E só reconhecer que o país está em uma guerra que está sendo travada de dentro da Casa Branca contra o resto de seus habitantes já é um passo importante na luta contra Trump.

O presidente não está tentando esconder suas intenções. Os meios de comunicação social, os especialistas liberais e as figuras políticas têm que transmitir com urgência o fato dos Estados Unidos estarem à beira de uma insurreição. Muitos americanos que esperam derrotar Trump nas urnas podem não estar conscientes de quão longe ele está disposto a ir para se manter no poder, tendo sido convencidos por anos de retórica de líderes liberais que simplesmente votar é um bom substituto para a organização política sustentada. Não é bem assim, e podemos descobrir no dia das eleições o quão inadequada é nossa defesa contra a tomada de poder de Trump.

Este artigo foi produzido pela Economy for All, um projeto do Independent Media Institute.


Sonali Kolhatkar é o fundador, apresentador e produtor executivo de “Acordando com Sonali”, um programa de televisão e rádio que vai ao ar na Free Speech TV e na estação Pacifica.

 

Traduzido do inglês por Grazielle Almeida / Revisado por Isabela Gonçalves