Por Mauro Viana

 

O compositor-cronista, dos anos 1930,  da Região Portuária do Rio de Janeiro

 

– Alguém, aí, sabe qual é o Dia de São Cipriano? É isso, mesmo. Qual é o dia em que comemora-se o Dia de São Cipriano? Calma. Não se trata de “game” ou “reality-show”.

A pergunta me veio à mente, em conseqüência, da deliciosa conversa que tive com o  compositor  Djalminha da Providência cujo Cd “A ÚLTIMA CEIA” é uma peça rara da  verdadeira cultura do samba.

– Meu nome é Djalma Souza da Silva. Tenho 84 anos. Nasci no Morro da Providência. Sabe quando? Dia 11 de julho. “Dia de São Cipriano”.

– Você freqüentava os Terreiros de Candomblé da Zona Portuária, Djalminha?

– Não, rapaz! Isso aí era coisa pesada. A polícia baixava o pau, malandro.

Djalminha faz um corte rápido e coloca, em primeiro plano, sua habilidade como percussionista:

– No meu tempo, no Morro da Providência, nossa única diversão era o samba. A criançada aprendia a tocar os instrumentos batendo na lata. Sabe aquela velha história da “Lata d’água na Cabeça?”. Se liga: a lata que serve para carregar água morro acima, vira tamborim, surdo e o que a imaginação quiser:

FOI BATENDO NUMA LATA
QUE ME TORNEI UM BAMBA,
PARTIDEIRO RESPEITADO
NAS RODAS DE SAMBA.
SE QUISER VER PRA CRER
QUE VOU DEIXAR CAIR
SE ENCUCA NO PAGODE
E VAI BEM FUNDO PRA SENTIR

QUE SOU RAIZ DE VERDADE
DA VIZINHA FALADEIRA
EU FIQUEI-FIRME
DA RISOLETA, NEGA BELA:
LÁ NO MORRO DA FAVELA
DO BAM-BAM-BAM 7 COROAS
ADEUS PONTE DOS AMORES
DA CABROCHA DA GAMBOA

Cabrocha da Gambôa (Djalminha/Luiz Luz)

 

– A Risoleta era o poder…

– Risoleta? Era a cabrocha do Morro da Favela. Encantadora, poderosa e independente! Risoleta acredito eu, ter sido a primeira mulher citada em um samba. Escuta só:

…VOU MANDAR ESTA NEGA RISOLETA
QUE FEZ UM FALSETE E ME DESACATOU
ISSO É CONVERSA PARA DOUTOR…

Antes da pergunta, Djalminha sai respondendo:

– Conheço este samba desde de criança. Agora, por favor, não me pergunte o nome do compositor. Vou ficar te devendo essa… Não, vou fazer melhor. Vou pagar você respondendo uma pergunta que você ainda não me fez: o nome dos meus pais e da minha avó, grande passista do Morro da Favela, da qual, herdei a ginga e a sabedoria.

Meu pai chamava-se Antônio Januário da Silva. Já mamãe conhecida, na Providência  como a Dona Maria da Conceição de Souza. Agora, vovó sempre foi vovó.

Sobre o papai tem uma historinha muita curiosa: Você sabia que o cara foi preso, em 1936 porque ensinava pessoas a ler? Anote, aí: 1936: um chefe da família é preso por alfabetizar os pretos do Morro da Favela! Felizmente, na minha juventude, ensinar os pretos a ler e escrever não era considerado crime hediondo!

– Por falar em juventude,  acredito, que o rapazola Djalminha, era exímio dançarino.

– Cumpadi, muito antes de me casar com a Vizinha Faladeira ( A Escola de Samba ficava  Rua América, 184 – Santo Cristo) que, começou com os empregados da beira do cais, rodei e rodopiei por todas as gafieiras da cidade. Se quiser anotar, anote:

  • RECREIO DA FLORES, na Praça da Harmonia. O Recreio das Flores era um rancho que virou gafieira. Nessa época conheci os lendários ZÉ MOLEQUE e WALTER MANTEIGA JR do Morro do Pinto.
  • DRAMÁTICO. Era um clube de futebol também no Morro do Pinto.
  • CLUBE DOS ESTADOS. Esse ficava na Rua Álvaro Alvim.
  • CLUBE DOS CRONISTAS CARNAVALESCOS  – Presidente Vargas com Uruguaiana.

Djalminha recua, ainda mais  no tempo,  e recupera agremiações históricas dos anos 1930.

– Nos anos 30, o Morro da Providência abrigava as seguintes Escolas de Samba  FIQUEI FIRME ou FIQUE FIRME, CORAÇÕES UNIDOS  e ÚLTIMA  HORA.

– Então, por quê só o destaque histórico da Vizinha Faladeira?

– O destaque da Vizinha Faladeira credita-se aos empregados do cais. O povo da estiva (primeiro Sindicato do Brasil) sempre foi forte e unido. Tá, aí,  o Império Serrano que não me deixa mentir. E por falar nisso, Fuleiro, Ivone Lara e sambistas de todas as escolas batiam ponto na Vizinha Faladeira. Eu vi. Ninguém me contou.

AMEI HÁ QUIEM NÃO DEVIA AMAR
CHOREI POR QUEM NÃO DEVIA CHORAR
EU JÁ JUREI QUE MAIS NIGUÉM
EU HEI DE TER AMOR
QUEM EU JULGUEI
ME TER AMIZADE
ME ABANDONOU
A PRINCÍPIO EU FIQUEI TRISTE
QUASE MORRI DE SAUDADE
AGORA ESTOU CONFORMADO
ANTES VIVER SÓ, QUE MAL ACOMPANHADO

(Desfile do “Bloco” Vizinha Faladeira, nos anos 1940)

 

– E a Pedra do Sal, Djalminha? Você sabia que a Pedra do Sal ganhou status de Quilombo Urbano?

– No meu entender, a Pedra do Sal é um santuário. Santuário tão sagrado quanto a Pedra do Sol, no México.

EH! SENZALA, SENZALA, EH!
EH!, SENZALA
EH!, EH! SENZALA, SENZALA EH!
EH! SENZALA

EU SOU O SAMBA
SOU ORIUNDO DA SENZALA
NASCI NUM LAMENTO DE DOR
SÃO VELHAS-GUARDAS
E BAIANAS
TESTEMUNHAS DO QUE EU PASSEI;
JÁ FUI MARGINALIZADO
E PELOS MORROS E FAVELAS
ME CRIEI – ZÉ PEREIRA ME FEZ UM REI
PORQUE UM BAMBA, É BAMBA
E PRA PEDRA DO SAL COM MUAMBA
DESCI DO MORRO, PRA FICAR
BEM ALTO
VIREI FEITIÇO QUE A CARMEN MIRANDA
ESPALHOU NO ASFALTO

HOJE NESTA FESTA DE SENZALA
PAGODEANDO VOU O DIA AMANHECER
MORO NO MORRO, É BOM SACAR
MINHA COROA É DE CETIM
MEU PAVILHÃO, MEU ESTANDARTE
CULTURA E ARTE MOSTRO
AO SOM DO TAMBORIM
NUM SAMBA DE RODA
NA CIDADE ALTA
E COM TIA CIATA DESFILANDO
AS ESCOLAS DE SAMBA NA APOTEOSE
REINANDO NAS LINHAS DA PAUTA
DA PRAÇA ONZE, EU SOU A IMAGEMban
QUE O MUNDO EXALTA

(Pedra do Sal – Djalminha, Bebeto do Ouro e Sarada)