Como se cuida dos doentes de covid-19. Que remédios podem deter a doença. Num centro de referência contra a pandemia, um infectologista desafia a negligência e as fake news, e sustenta: “o conhecimento popular é nossa grande arma”.

Há trinta minutos, Jamal Suleiman, médico do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, narra como o SUS enfrenta, num de seus grandes centros de referência em Infectologia, a covid-19. Falou há pouco sobre o mito da cloroquina e contou o que ocorre, na vida real, na pesquisa de medicamentos contra a pandemia. Disse que, por sua excelência, o “Emílio” foi um dos centros escolhidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para testar a eficácia de um conjunto de drogas que promete refrear a ação do sars-cov-2 (o nome do vírus que desencadeia a doença). Pergunto-lhe: algum deles está apresentando resultados positivos?

Jamal responde, sem disfarçar uma nesga de emoção nos olhos: “A sua ansiedade é a minha. Eu venho da luta contra a AIDS. A fase que estamos vivendo é a mais dura. Sofremos com a dor dos pacientes. Não há como oferecer-lhes um milagre. Há um caminho até a cura. É o que estamos trilhando agora”.

Não há remédio contra a covid-19. Pistas, sim. Na grande maioria dos casos, o sistema imunológico dos pacientes derrota o vírus, após duas semanas de luta. Porém, cerca de 15% adoecem gravemente – e precisam de apoio hospitalar. A morbidade é baixa; porém, a capacidade de contágio, estonteante. Se na Grande São Paulo, com população próxima de 20 milhões, 70% infectarem-se, 2,1 milhão precisarão ser hospitalizados. Será a catástrofe. Centenas de milhares morrerão, quando poderiam ser salvos.

Em todo o mundo, os governos reagem de modos diferentes. Aos poucos, surge um padrão. Os que rejeitam o neoliberalismo e a destruição dos serviços públicos – seja qual for seu sistema de governo – alcançam êxitos notáveis. China, Coreia do Sul e Nova Zelândia são casos a ser estudados em detalhes. Em oposição, a ultra-direita colhe os piores resultados. Trump, nos Estados Unidos, com quinze vezes mais mortes que os chineses (tendo menos de ¼ da população). Boris Johnson, na Inglaterra, que caminha para ser o país europeu mais atingido. Jair Bolsonaro, no Brasil, que parece querer desafiar o recorde de seu grande inspirador.

Ao longo da entrevista, Jamal não furtou-se a descrever, em detalhes, os procedimentos terapêuticos adotados para tentar salvar a vida dos acometidos pelo vírus. Ressalvou sempre que os dados são precários, devido à novidade da pandemia. Mas destacou que, pelo que se constata até agora, o sistema respiratório é o mais afetado. As ações principais desenvolvidas sobre quem acorre ao Instituto Emiílio Ribas são assistências à respiração e à oxigenação. Os pacientes leves devem permanecer em casa. Mas quando a doença evolui, é enfrentada com catéteres, e controle de oxigenação. Se os tubos delgados de plástico, introduzidos no nariz para equilibrar a presença de O² no sangue não são suficientes, passa-se às máscaras e, em situações extremas, ao entubamento. Nesse estágio, cerca de 50%, apenas, sobrevivem.

Há fármacos associados ao tratamento? Sim, conta Jamal, O Emílio Ribas testa, em parceria com a OMS, um elenco de drogas. A cloroquina é apenas uma entre elas – e está entre as menos promissoras, tanto por não ter sido desenvolvida para agir contra o sars-cov-2, quanto por seus efeitos colaterais. Alguns dos fármacos ministrados aos pacientes visam combater diretamente a colonização das células humanas pelo vírus. Outros, fortalecer seu sistema imunológico. Outros, ainda, evitar que este mesmo sistema, muito estressado, acabe produzindo uma resposta autoimune.

Mas as pesquisas têm seu tempo. O Emílio Ribas, por exemplo, acolhe hoje apenas 120 pacientes. Eles compõem uma base estatística muito pobre, para sugerir quais drogas fracassam e quais outras podem trazer esperança. Como parte de uma pesquisa internacional mais ampla, conduzida pela OMS (esta mesma, que Donald Trump quer sabotar), a contribuição pode ser relevante. Se houver vinte centros de referência semelhantes, espalhados pelo mundo, as estatísticas passarão a fazer algum sentido.

Até que surja uma droga, que fazer? Jamal tem uma resposta imediata e outra, para quando sairmos da pandemia. No momento, não há outra saída além do afastamento social. Para esta necessidade, Jamal tem uma metáfora, que talvez seja difícil compreender no Palácio do Planalto: “Uma multidão pode passar por uma porta, desde que haja fila. Quanto todos se aglomeram diante dela, irracionalmente, o mais provável é que pereçam”.

Mas a tempestade vai passar. E então será preciso debater novos projetos de mundo. Suleiman aposta em um que valorize não apenas a Saúde – mas o Público, como projeto de futuro coletivo. Nada assegura que conseguiremos. Mas haverá, agora, alguma perspectiva mais importante para depois do grande túnel?

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