As automatizações nas fábricas requerem o trabalho humano para manutenção ou para afinar os processos que essas realizam. O trabalho de fábrica, o trabalho por peça e a subcontratação foram todos precursores das tarefas 4.0. Esses trabalhos vinham com pouca estabilidade ou apoio, porém com muita visibilidade social. Realizadas, em sua maioria, por pessoas as quais segundo o modelo político de sociedade poderiam ser consideradas prescindíveis. No presente, um modelo extrativista, a IA, terá um efeito pior devido ao seu caráter invisível para a maioria da população.

O centro de um debate deriva de duas vertentes: uma estritamente técnica (engenharia) que se centra em como melhorar variáveis críticas que condicionam a eficácia e a eficiência desses sistemas com o controle de qualidade ou a detecção de erros, os incentivos à participação e os modelos de interação segundo o tipo de tarefas. Outra, política, que tem a ver com os aspectos éticos, laborais, sociais e culturais ao momento de configurar modelos de vida humana ou extrativista. Dessa última, se derivam práticas que são assimétricas para os direitos do trabalhador digital.

As novas tecnologias somente serão uma ajuda para a sociedade se não gerarem maior desigualdade beneficiando a poucos e se esquecendo de muitos.

O artigo é de Alfredo Moreno, cientista da computação e professor da Universidad Nacional de Moreno, na Argentina, publicado por Alai, 04-09-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Se chamam trabalhadores fantasmas porque quase ninguém conhece as pessoas que estão por trás das tarefas que por vezes parece que é feita por uma máquina de inteligência artificial (IA). Em inglês é “ghost work” e é a expressão que cunhou a antropóloga Mary L. Gray para se referir às pessoas que realizam tarefas invisíveis como limpar e refinar os dados que alimentam os algoritmos que treinam a IA dentro da Microsoft. Junto à Siddhart Suri, um estudioso da intersecção entre as ciências da computação, a economia comportamentalista e pertencente ao Social Media Collective da Microsoft, em Boston, EUA, um laboratório interdisciplinar orientado por questões sociais, publicaram “Ghost Work: How to Stop Silicon Valley from Building a New Global Underclass”.

No livro, eles argumentam que os entregadores Deliveroo e Glovo ou os motoristas do Uber mal são chamados de trabalhadores fantasmas porque quase ninguém conhece as pessoas por trás das tarefas apontadas pelo iceberg. Eles argumentam que o maior gatilho é o que é conhecido como “computação humana”.

A computação humana é uma técnica que deriva ou externaliza grupos massivos de pessoas a certos passos do processo computacional que os computadores não fazem bem, é uma espécie de simbiose que busca otimizar a equação de habilidade e custos na interação homem-máquina. Na computação clássica o homem utiliza os computadores para resolver problemas, lhe demanda tarefas através dos Sistemas de Informação; enquanto que aqui se produz uma troca de papeis dado que é o computador mediante algoritmos embebidos no software que designa tarefas a grupos de pessoas, e depois coleta, interpreta e integra os resultados que estas lhes enviam.

Um exemplo de “computação humana” é a Netflix. O catálogo de conteúdos necessita de processos que incorporam metadados (tags ou etiquetas que descrevem outros dados) a milhares de séries, filmes, programas de TV, etc. Esses conteúdos estão em formato original e os metadados que se buscam não podem ser obtidos de forma automática por um computador. Tem que haver uma pessoa que visualize os conteúdos e defina as tag que os descrevem.

A computação humana se baseia em um software (programa) que converte a análise das imagens em microtarefas realizadas por pessoas, para depois oferece-las em uma plataforma (marketplace) em troca de micropagamento.

Os trabalhadores interessados baixam as imagens ou conteúdo, as analisam e sobem os metadados à plataforma. Depois o programa processa e agrega toda a informação aportada pelos participantes para conseguir o resultado que buscava: a catalogação dos conteúdos para oferecer aos usuários da plataforma de vídeo on demand.

Outra aplicação são os tradutores de idiomas automáticos como Google Tradutor, que traduz de 26 idiomas. Esse serviço emprega pessoas com formação em linguística e idiomas para trabalhar nos “bastidores on-line” em forma invisível.

Até o momento, os humanos seguem sendo mais eficazes que as máquinas para algumas tarefas. Por exemplo: classificar fotos, detectar erros, taxonomizar documentos com fins arquivísticos, introduzir tags, realizar desenhos, buscar informação sobre determinados produtos, verificar endereços em guias de negócios, definir relevância ou rankings em resultados de buscas pela Internet, transcrever textos escritos à mão, realizar traduções, e claro, gerar conteúdos sobre determinados temas. Ademais, se realizam tarefas mais subjetivas como valorizar os sentimentos ou emoções que geram tuítes, blogs, comentários, filmes ou programas políticos.

Os processos de “computação humana” são também uma modalidade de “Crowdsourcing”, que consistem em propor atividades, desafios e problemas a quantidades massivas de colaboradores externos para que os solucionem em troca de algum benefício. Uma prática muito Vale do Silício, empregada dentro das lógicas de inovação aberta. Proposta como processos de criatividade e aprendizagem coletiva; é uma estratégia encoberta das empresas para gerar mecanismos de auto-exploração dos voluntários que participam nesses processos sem se dar conta que a verdadeira intenção é baratear a mão de obra que requer o trabalho.

A vida 4.0  Motorizadas por las GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft)

Há alguns anos, a Microsoft começou a recrutar pesquisadores do mundo das ciências sociais para analisar o impacto das tecnologias na sociedade. “Se deram conta de que os produtos e entornos que estavam construindo tinham a ver mais com a sociedade que com o indivíduo”, afirma Gray em reportagens, em razão da apresentação do livro Ghost Work.

Depois de começar a trabalhar na Microsoft, Gray notou que vários de seus novos companheiros usavam as plataformas de crowdsourcing, como Amazon Mechanical Turk. Atendiam a essas plataformas “para qualquer coisa, desde treinar sistemas de aprendizagem automática a etiquetas para reconhecimento de imagens”. Descobriu que a IA funciona graças a essas pessoas que, na sombra, realizam as tarefas que a tecnologia não é capaz.

Mechanical Turk tem como objetivo que o acesso à inteligência humana seja simples, escalável e rentável. As empresas ou os desenvolvedores que necessitem que lhes façam “Tarefas de Inteligência Humana” ou “HITs” (segundo suas siglas em inglês) podem utilizar as potentes API (Interface de Programação de Aplicações) da Mechanical Turk para acessar a milhares de empregados sob medida, de alta qualidade, de baixo custo e de todo o mundo e, ainda, integrar mediante programação (software) os resultados de tal trabalho diretamente em seus processos e sistemas empresariais. Essas plataformas de “outsourcing” (terceirização) são conhecidas como crowdsourcing.

O futuro do trabalho, já está aqui, protagonizado pela nova “economia” dos serviços sob demanda, baseados em software, se caracteriza por longas jornadas de trabalho mal pagas com ausência de leis trabalhistas, deixam trabalhadores com alta formação profissional e trabalhadores para serviços básicos à intempérie. O fator comum em que esses trabalhos estão à sombra, sem definição e oculta aos consumidores (cidadãos) que se beneficiam dela, propiciando as condições para um trabalho sem direitos praticamente pré-capitalista.

As políticas que configuraram o modelo neoliberal da economia e a distribuição da riqueza, produz desocupados, o modelo “empreendedor” configura um contexto laboral darwiniano produzindo sub-ocupação e limitações de mobilidade das pessoas. A isso lhes oferecem “novas oportunidades econômicas” como alternativa às restrições do mercado e mobilidade na vida privada. Concretamente, são os que ganham a vida ou buscam melhorar suas rendas mediante empregos esporádicos que encontram em plataformas de trabalho on demand, como Uber, Glovo, Pedidos Ya, Rappi, Amazon Mechanical Turk, entre outras.

Educação e mercado digital

Microsoft Corp. anunciou novas associações com instituições globais de educação superior para alinhar e integrar os programas e credenciais de habilidades técnicas da Microsoft para ajudar a fazer frente à crescente brecha de talento do século XXI. Os programas de habilidades preparam para os empregos do amanhã com tecnologias muito requeridas em campos como a inteligência artificial (IA), ciências da computação, cibersegurança e ciência de dados.

Ao redor do mundo, já uma crescente brecha de habilidades que ameaça inibir o crescimento econômico para trabalhadores, negócios e governos. De acordo com a pesquisa Talent Shortage de Manpower, cerca de 45% dos empregadores relatam que a escassez de habilidades terá um impacto negativo em seus negócios.

Os convencidos dessa “nova pedagogia” pregam que o uso dos cursos da Microsoft por colégios e universidades brindará opções educativas rentáveis para os estudantes, para lhes ajudar a adquirir as habilidades necessárias para encher a iminente brecha de habilidades que emerge na economia global.

“A incrível transformação da qual somos testemunhas sobre o trabalho do século XXI clama para que as organizações, governos, instituições de educação superior, empregadores, e o setor não lucrativo, façam frente a um dos desafios fundamentais de nosso tempo: fechar a brecha de habilidades através do ensino, treinamento e preparação dos trabalhadores para os empregos do amanhã”, sustenta Karen Kocher, gerente geral de empregos, habilidade e empregabilidade do século XXI na Microsoft.

Entre as primeiras instituições de educação superior que colaborarão com a Microsoft estão:

Bellevue College, que oferece um modelo mesclado e de aprendizagem flexível em IA, big data, ciência de dados e cibersegurança baseado nos cursos da Microsoft.

A Universidade Global Purdue dará crédito para uma graduação completa quando os estudantes terminarem os programas de habilidades técnicas da Microsoft em áreas como IA, cibersegurança, ciência de dados e mais.

A Escola de Economia e Ciência Política de Londres integra habilidades e conhecimento em ciência dos dados nos planos de estudo dos estudantes do primeiro ano.

A Universidade Staffordshire entrega cursos da Microsoft em sua população de estudantes, e integra módulos como parte de seu programa de empregabilidade “Staffordshire Award”.

A Universidade de Londres integra o Microsoft Professional Program in Data Science em seus novos cursos de graduação em Ciência dos Dados.

A redefinição do mundo digital

Construímos o seguinte quadro onde tentamos mostrar que a origem do Vale do Silício também esteve associada ao setor educativo, como estratégia desde onde estabelecer e sustentar a transformação digital inicial.

Ao criar programas mistos de aprendizagem, que incluem os programas de habilidades técnicas da Microsoft, as instituições de educação superior orientam os estudantes e trabalhadores a conseguirem credenciais da indústria e créditos universitários ao mesmo tempo, ademais de apoio a aquisição de habilidades por parte dos estudantes para lhes ajudar a acessar novas oportunidades com a tecnologia mais recente na transformadora força de trabalho da atualidade. Preparam os trabalhadores para postos de trabalho de alta demanda frente à tecnologia, como ciência de dados, engenharia em IA e administração de Internet das Coisas (IoT).

“Nossa missão na Universidade de Londres é desenvolver graduados conscientes, inovadores e aptos para o emprego a nível internacional”, comentou a professora Mary Stiasny OBE, vice-chanceler profissional (internacional) na Universidade de Londres. “Quando nossos estudantes trabalham para a conquista desse fim antes de entrar ao trabalho, conseguimos nossa missão e nossos estudantes podem ter êxito. Por essa razão, estamos em particular emocionados sobre nossa colaboração com a Microsoft e seu potencial de ajudar nossos estudantes a cumprir e superar as mutantes necessidades do mundo do trabalho do século XXI”.

Somente as tarefas de marcação de tags relacionadas com a IA supõe um mercado global de mais de 1 bilhão de dólares ao fim de 2023, segundo um relatória de Cognilytica.

Esses trabalhos potencializam os sistemas, os websites e os aplicativos de IA que todos usamos e damos por garantidos. TripAdvisor, Match.com, Google, Twitter, Facebook, Netflix, Google Tradutor ou a própria Microsoft são algumas das empresas mais conhecidas que geram serviços on demand nessas plataformas.

“Cada dia surgem novas companhias com modelos de negócio que dependem delas. Esse tipo de trabalho não somente está aumentando, mas sim que se traduz, de fato, em uma reorganização mais ampla e profunda do emprego em si”, todas as leis de proteção do trabalhador, desde as leis de trabalho infantil até as pautas de segurança trabalhista, ficam desfocadas nos contratos trabalhistas na internet, asseguram Gray e Suri.

Dado que esse trabalho não se ajusta a nenhuma classificação contemplada na legislação trabalhista, os acordos de termos de serviço para plataformas de serviços globais são similares aos quadros de diálogo, em que todos aceitamos para instalar ou atualizar nossos aplicativos e softwares.

A economia sob demanda gera valor e corta custos das empresas. No processo, elimina as formas de estabilidade, segurança e pertencimento sindical associadas aos gastos gerais do emprego a tempo completo.

A tecnologia não gera desigualdade, não são nem boas, nem más, somente que não são inocentes. As decisões políticas do impulso Vale do Silício, respondem a um modelo de sociedade concentrada nos serviços das GAFAM, esse modelo na automatização já está gerando desigualdade e instabilidade trabalhista.

A tecnologia avança e cada vez consegue ter menos dependência dos humanos em trabalhos mecânicos. No entanto, esse mesmo avanço está gerando agora outros novos serviços para que se volte a necessitar da ajuda humana. A esse fato recursivo se denomina “o paradoxo da última milha da automatização”, o desejo neoliberal de eliminar o trabalho humano que sempre gera novas tarefas para os humanos.

As automatizações nas fábricas requerem o trabalho humano para manutenção ou para afinar os processos que essas realizam. O trabalho de fábrica, o trabalho por peça e a subcontratação foram todos precursores das tarefas 4.0. Esses trabalhos vinham com pouca estabilidade ou apoio, porém com muita visibilidade social. Realizadas, em sua maioria, por pessoas as quais segundo o modelo político de sociedade poderiam considerar prescindíveis. No presente, um modelo extrativista, a IA, terá um efeito pior devido ao seu caráter invisível para a maioria da população.

O centro de um debate deriva de duas vertentes: uma estritamente técnica (engenharia) que se centra em como melhorar variáveis críticas que condicionam a eficácia e a eficiência desses sistemas com o controle de qualidade ou a detecção de erros, os incentivos à participação e os modelos de interação segundo o tipo de tarefas. Outra, política, que tem a ver com os aspectos éticos, laborais, sociais e culturais ao momento de configurar modelos de vida humana ou extrativista. Dessa última, se derivam práticas que são assimétricas para os direitos do trabalhador digital.

As novas tecnologias somente serão uma ajuda para a sociedade se não gerarem maior desigualdade beneficiando a poucos e se esquecendo de muitos.

Crowdworkers: assimetrias na qualificação profissional

O relatório sobre “As plataformas digitais e o futuro do trabalho” apresentado pela OIT mostra os resultados da pesquisa realizada sobre condições de trabalho entre 3500 trabalhadores que residem em 75 países de todo o mundo e que trabalham em cinco plataformas anglófonas dedicadas à atribuição de microtarefas. Essas plataformas são digitais e dão às empresas e a outros clientes acesso a uma força de trabalho extensa e flexível (o “crowd”) para executarem tarefas geralmente de pouca envergadura que podem ser realizadas a distância fazendo uso de um computador e de internet.

Trata-se de serviços que vão desde a identificação, transcrição e anotação de imagens até a moderação de conteúdos, recopilação e processamento de dados, passando pela transcrição de áudio e vídeo, e tradução.

Nas plataformas, os clientes publicam pacotes de tarefas que devem ser completados, enquanto que os trabalhadores selecionam tarefas e recebem um pagamento por cada tarefa que realizam. O pagamento que recebem os trabalhadores corresponde ao preço indicado pelo cliente menos a comissão que cobram as plataformas.

As plataformas digitais de trabalho dedicadas à atribuição de microtarefas consideram que seus trabalhadores são independentes, com o qual os privam as proteções dispostas nas legislações trabalhistas e em matéria de seguridade social e direitos sociais.

As condições de trabalho nas plataformas estão dispostas em seus “termos de serviço”, que os trabalhadores devem aceitar para começar a realizar tarefas. Nesses documentos se dispõe como e quando serão remunerados os trabalhadores, como serão avaliados e de que recursos dispõem ou carecem em caso de problemas.

O relatório da OIT caracteriza quem são os trabalhadores das plataformas digitais da seguinte maneira:

– Nesta modalidade de trabalho, trabalhadores de todas as idades participam. A idade média dos participantes da pesquisa é de 33 anos.
– Existe uma diferença importante de gênero na propensão a realizar esse tipo de trabalho: apenas um em cada três trabalhadores é mulher. Esse número é menor nos países em desenvolvimento, onde apenas um em cada cinco trabalhadores é mulher.
– Os trabalhadores da plataforma digital têm altos níveis de educação: menos de 18% tinham ensino médio ou menos, enquanto um quarto dos participantes obteve um certificado técnico ou concluiu estudos universitários, 37% concluíram uma graduação universitária e 20% era formado.
– Entre os participantes com diploma universitário, 57% estudaram ciência ou tecnologia (12% em ciências naturais ou medicina, 23% em engenharia e 22% em ciência da computação) e 25% economia, Finanças ou contabilidade.
– 56% dos entrevistados realizam esse tipo de trabalho há mais de um ano e 29% têm uma experiência de mais de três anos

As razões para trabalhar em plataformas digitais levantadas no relatório da OIT mostram que:

Os dois motivos mais recorrentes foram “complementar a remuneração recebida por outros trabalhos” (32%) e “preferência por trabalhar de casa” (22%).

Uma cartografia laboral em construção mostra que os trabalhadores dedicam em média 20 minutos de atividades não remuneradas por cada hora de trabalho remunerado. As atividades não remuneradas incluem a busca de tarefas,  provas de qualificação não remuneradas, a verificação dos antecedentes dos clientes para evitar fraudes e a redação de opiniões.

88% dos entrevistados afirmaram que desejariam realizar, em média, 11,6 horas semanais a mais de trabalho nas plataformas. Em média, os trabalhadores realizam 24,5 horas semanais desse tipo de trabalho, das quais 18,6 são remuneradas e 6,2 não são remuneradas.

58% dos participantes declarou que não havia serviços suficientes disponíveis, enquanto que 17% respondeu que não encontrou tarefas o suficientemente bem-remuneradas.

A insuficiência de tarefas faz com que esse tipo de trabalhadores busque trabalho em outras plataformas. Em efeito, quase metade dos entrevistados afirmou que havia trabalhado em mais de uma plataforma. 21% havia trabalhado em três ou mais plataformas. Não obstante, 51% dos entrevistados afirmou que somente havia trabalhado em uma plataforma devido aos elevados custos iniciais e de transação que requer participar em várias plataformas.

Mesmo assim, mais de 60% dos participantes respondeu que desejava ter mais trabalho em outras modalidades, o qual põe de manifesto elevados níveis de subemprego. Por último, 41% buscava ativamente emprego em outras modalidades.

A maioria dos trabalhadores da plataforma digital depende economicamente da renda que obtém com esse tipo de trabalho

Cerca de 32% dos entrevistados disseram que o trabalho em plataformas é sua principal fonte de renda. Nesse grupo, a renda obtida por essa modalidade representava 59% de sua renda total, seguida pela renda de seus cônjuges (22%) e emprego secundário (8%).

No caso dos outros entrevistados, essa modalidade geralmente gera a mesma proporção de renda que o emprego principal (36% cada), complementada pela renda dos cônjuges (18%) e outras fontes de renda (9%).

Trabalho flexível, mas com horários não convencionais, a maioria dos participantes disse que aprecia a possibilidade de decidir seus próprios horários e trabalhar em casa.

No entanto, muitos deles trabalham em horários não convencionais. De fato, enquanto 36% trabalhavam sete dias por semana, 43% trabalhavam à noite e 68% trabalhavam à tarde (das 18:00 às 22:00), ou porque essas horas correspondiam a período de publicação de tarefas (ou devido a diferenças de horário) ou devido a outros compromissos. Eles combinaram esse tipo de trabalho com responsabilidades de cuidados de terceiros, e um em cada cinco tinha pelo menos um filho entre 0 e 5 anos sob seus cuidados. No entanto, os participantes passaram uma média de 20 horas por semana nas plataformas, cinco horas a menos que a média de toda a amostra, e a maioria o fez durante a noite.

A assimetria profissional mostra nos resultados da pesquisa uma inadequação de qualificações e uma ausência de promoção profissional.

Os participantes da pesquisa nomearam as seguintes atividades como as que realizavam com maior frequência: responder a pesquisas e participar de experimentos (65%), consultar conteúdo em websites (46%), recopilar dados (35%) e transcrição (32%).

Um a cada cinco entrevistados mencionou que frequentemente realizava atividades de criação de conteúdo e redação, enquanto que 8% apontou que participada em tarefas relacionadas com treinamento de inteligência artificial.

A maioria das microtarefas são simples e repetitivas e não somente coincidem com os elevados níveis de estudos dos trabalhadores das plataformas.

Se trata de trabalho muito valioso para várias companhias do clube GAFAM que somente se caracteriza por remunerações inferiores ao salário mínimo, fluxos imprescindíveis de renda e a ausência de proteções trabalhistas que somente se observa em uma relação de trabalho típica. Não obstante, nenhum desses resultados negativos é inerente a essa modalidade de trabalho ou às microtarefas.

As ações para reconfigurar as modalidades do microtrabalho para melhorar as condições dos trabalhadores não tem relação com as políticas trabalhistas dos Estados onde atuam.

Até o momento, algumas iniciativas do setor foram promovidas para incentivar as plataformas e os clientes para melhorar as condições de trabalho. Como exemplo, podemos citar: Turkopticon, um site e complemento para a plataforma Amazon Mechanical Turk (AMT) que permite que os clientes publiquem tarefas a serem avaliadas; Dynamo Guidelines for Academic Requesters on AMT (Diretrizes Dynamo para candidatos acadêmicos na plataforma AMT); o site FairCrowdWork.org; e Crowdsourcing Code of Conduct (Código de Conduta para externalização de tarefas), um compromisso voluntário iniciado nas plataformas alemãs. Além disso, algumas plataformas criaram, em colaboração com o IG Metall, um escritório do ombudsman ao qual os trabalhadores podem denunciar disputas com os operadores de plataforma.

Embora sejam iniciativas promissoras, a escala do desafio de regular esse tipo de trabalho disperso em todo o mundo não deve ser subestimada. Atualmente, não há regulamentação estatal sobre plataformas de trabalho digitais, mas as plataformas têm suas próprias condições de trabalho em seus termos de serviço.

O relatório da OIT apresenta 18 propostas em vista de garantir um trabalho decente nas plataformas digitais de trabalho, as mesmas:

1. Outorgar um status adequados aos trabalhadores
2. Permitir que esses tipos de trabalhadores exerçam seus direitos à liberdade de associação e negociação coletiva
3. Garantir o salário mínimo aplicável do país de residência dos trabalhadores
4. Garantir transparência nos pagamentos e comissões cobrados pelas plataformas
5. Garantir que os trabalhadores possam rejeitar tarefas
6. Cobrir os custos do trabalho perdido devido a problemas técnicos na plataforma
7. Adotar regras rígidas e justas em relação à ausência de pagamentos
8. Garantir que os termos de serviço sejam escritos de forma clara e concisa
9. Informar os trabalhadores das razões pelas avaliações negativas que recebem
10. Adotar e aplicar códigos de conduta claros a todos os usuários da plataforma;
11. Garantir que os trabalhadores possam recorrer à falta de pagamento, avaliações negativas, resultados de testes, acusações de violações do código de conduta e suspensão de contas
12. Criar sistemas para a avaliação de clientes tão abrangentes quanto os da avaliação de trabalhadores
13. Certificar-se de que as instruções sejam claras e validadas antes de publicar qualquer trabalho
14. Permitir que os trabalhadores possam consultar e exportar o trabalho legíveis para humanos e computadores e seu histórico a qualquer momento
15. Permitir que os trabalhadores estabeleçam uma relação de trabalho com o cliente fora da plataforma sem pagar uma taxa desproporcional
16. Garantir que os clientes e operadores de plataforma respondam rápida, educada e substancialmente às comunicações dos trabalhadores
17. Informar os trabalhadores sobre a identidade de seus clientes e o objetivo das tarefas
18. Indicar clara e coerentemente as tarefas que podem causar estresse psicológico ou que podem causar danos.

Também inclui três recomendações para adaptar os sistemas de proteção social de maneira que os trabalhadores das plataformas digitais estejam cobertos:

1. Adaptar os mecanismo de seguridade social para que cubram os trabalhadores em todas as modalidades de emprego, independentemente do tipo de contrato;
2. Fazer uso da tecnologia para simplificar os pagamentos de cotizações e benefícios;
3. Criar e fortalecer mecanismos universais e financiados com impostos de proteção social.

Argentina, 13 de abril de 2019

Ramiro Cayola, da província de Quilmes, em Buenos Aires, trabalhava para a empresa de entrega Rappi, morreu após ser atropelado por um caminhão no bairro de Retiro, em Buenos Aires. Do grêmio Asociación Personal de Plataformas (APP), eles relataram que Cayola Camacho trabalhava para a Rappi e disseram que testemunhas do atropelamento indicaram que, enquanto a perícia estava sendo realizada, o celular do jovem soava insistentemente com pedidos e que entre seus pertences estava o cartão que a empresa fornece aos entregadores para fazer pagamentos.

Na esperança de um ar novo e bom diante da possibilidade de um governo que promova políticas estatais para proteger os trabalhadores, o relatório da OIT é uma base a partir da qual se adicionam contribuições a ações e debates destinados a “inflamar a economia” em benefício dos argentinos. Que assim seja.

 

O artigo original pode ser visto aquí